Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 3 de dezembro de 2024

Vazios

 


O que nos falta? Cada um terá uma resposta própria, de seu foro particular. As faltas materiais costumam ser mais claras. Às vezes, a gente pensa que são somente elas. Ainda bem!

Passamos um tempo em busca de adquirir bens. Os necessários: casa, carro...o acesso àquele plano de saúde, as condições de ter acesso àqueles serviços, ou àquela seletiva festa... e, quiçá, a tranquilidade de uma poupança que traga segurança frente às reviravoltas que a vida traz consigo – das boas, que significam oportunidades irrecusáveis de um negócio; às péssimas, diante de doenças ou vicissitudes assemelhadas.

E prosseguimos, desejando e tendo. Presumimos que quando finalmente a conquista for alcançada, seremos preenchidos e curados da falta, daquele vazio inexplicável que só se revela quando temos muito.

Pode não parecer, mas isso é ótimo.

Muitas vezes eu disse que não é porque se tem tudo, que não se sente a falta de nada. Citei os invejáveis Chris Cornell, Amy Whinehouse, Kurt Cobain, etc., por serem jovens, ricos, bonitos, inteligente, amados, famosos, ou seja, não lhes faltava nada. Entretanto, preferiram se suicidar. Dá para presumir que quem se suicida quer acabar não consigo próprio, mas com a sua dor. Há os incautos, aqueles dos quais se costuma dizer que pensam: “Já que não tenho a vida que quero, não quero a vida que tenho”. A vida, para mudar para melhor, depende muito de nós e de um trabalho particular de reconhecimento de sentimentos (frustações, ódios, inveja, fracassos, incapacidades, etc.). Não conseguimos identificar sentimentos, sequer os mais simples – dá vergonha reconhecer que temos inveja, dá vergonha admitir que odiamos a quem teoricamente deveríamos amar, dá vergonha de si mesmo reconhecer quando nos sentimos menores, rebaixados, incapazes.

Nos tempos atuais é muito estimulado o desligar dos sentimentos, a frieza que facilita a objetividade. Aprendemos a ter vergonha de sentir pena, como se fossem humilhantes a compaixão e a piedade que nos toca diante de certas situações. Sempre haverá um cretino para dizer que é feio sentir pena. E ainda por cima, um cretino deste tipo fará o coração piedoso soar como se quisesse ser superior àquele que sofre.

Até aqui, não sei se ficou óbvio, mas eu quis indicar que nossas subjetividades são moldadas e induzidas. A verdade do que você sente é inacessível até a você mesmo, mas não por ser secreta e, sim, porque há camadas por cima dela e o contexto lhe empurra para desvios.

Aquelas pessoas que defendem o pensar positivo também estão no mesmo caminho: você é estimulado a subestimar a realidade, a não avaliar a si mesmo e ao contexto. Portanto, tudo advém de fora, segundo esse povo do pensar positivo. Vai ser difícil não estudar para um concurso, pensar positivo e passar. Vai ser difícil não fazer exercícios físicos, pensar positivo e emagrecer; vai ser difícil não comprar o bilhete de loteria e ganhar um grande prêmio, embora você possa pensar positivo. A culpa sempre é do outro, neste caso. Zero responsabilidade da pessoa envolvida.

Achamos bonita a objetividade de quem é produtivo e precisa tomar decisões: ser seco, frio e impassível é muito bem aceito. Sensibilidade zero, porque precisamos ser competitivos e se a gente não for, alguém será conosco, passando por cima e nos esmagando.

Mas, de falta em falta, supostamente preenchida, quando conquistamos os sonhos materiais e até quando surpreendentemente pensamos que agora, sim, só me falta um grande amor para eu me sentir um ser completo, finalmente, conquistamos um grande amor e a falta aparece de novo. Ora, mas pode ser que me falte apenas um filho para a falta desaparecer. Eis o filho, eis a falta.

Esgotados todos os elementos supostamente desejados e pensados enquanto preenchedores do vazio, voltamos os olhos para dentro e na viagem por paisagens da memória, vemos as outras faltas e iniciamos outros processos de reconhecimento. Talvez, aí apareça sua revolta silenciada por anos sobre sua família negligente, ou surja seu ódio por sua mãe e seu pai indiferentes, talvez a sua inveja por sua irmã bonita e bem casada ou por seu irmão tão sortudo e bem-sucedido se deixem entrever. Resultado: a bola volta para os seus pés, o espelho sai do retrovisor e fixa na sua cara. Vai encarar? Coragem! O vazio é buraco sem fundo, é próprio da existência, impossível de preencher. A gente coloca uns tapumes, tipo a religião, por exemplo, ou outras causas coletivas – para mim, são providências válidas, ainda mais se a gente considerar que muitas pessoas recorrem aos vícios. Seria ótimo curar dores existenciais com cerveja e drinks, ou sexo em abundância ou aquele remedinho tarja preta, que lhe deixa leve e feliz...Porém, não há solução.

Em alguns dias, isso tudo sobre vazios nem se passará por sua cabeça – a gente se ocupa é para isso também. Em outros dias, a visita das questões interiores lhe convidará a pensar nas faltas. Não, não é falta para cartão – nem cartão de crédito em compras para preencher o tédio, nem cartão vermelho para lhe expulsar do jogo da vida. Resista: isso passa. Depois, continua. E assim será até que a gente passe pela vida.


terça-feira, 22 de outubro de 2024

Não insista

 


Não que a amiga seja, de fato, amiga, mas assim vou tratar sobre ela em respeito ao tempo que a conheço: me surpreendeu que tenha partido dela o pedido de separação e que, finalmente ela descobriu quem era aquele marido.

Disseram os mais próximos que ela já sabia há algum tempo e que apenas esperou consolidar suas certezas. Pois bem, ela pediu o divórcio e aqui vem umas coisas que interessam a todos nós: o marido não quer sair da casa e começou um jogo de gato e rato,  inexplicável.

Não vou perder tempo relatando o óbvio: o ódio, as provocações, as armadilhas jurídicas, os cinismos, tudo partindo dele, no caso.  A parte, contudo, que nos interessa é a que toca na dignidade.

Gente, quem ama sofre. Sofre como um viciado, sempre dependente, sempre pagando qualquer preço por um pouquinho, só mais um pouquinho daquilo que lhe traz tanta satisfação e sem o qual a sensação é de morte. Entende-se.

Porém, uma vez que o ser amado leva ao seu conhecimento, claramente, com todas as letras e palavras, que NÃO LHE QUER MAIS, como insistir num convívio?

Será preciso dizer que se você manda mensagem para alguém e esse alguém não lhe responde (ou leva dias até isso), essa pessoa está lhe comunicando, através do silêncio, que não quer conversa com você? A atenção é proporcional ao interesse.

O que mais um ser humano precisa fazer para o outro entender que não deseja mais o relacionamento?

Sempre achei feio quem foge e não assume os términos, mas acho ainda mais preocupante quem ouve a comunicação de término e insiste em ficar ali, ao lado de quem não pode ir embora, por ser a dona da casa.

O Cara é interesseiro, apesar de ter dinheiro e ganhos pessoais, mas antes de tudo, ele tem uma total falta de dignidade. E isso é coisa para olhar e aprender a não reproduzir por aí.

Um mal-entendido, uma briga temporária, valem um diálogo e valem a tentativa de não ruptura. Todavia, o pedido de separação, a declaração verbal de que não mais se quer a relação, deveriam ser suficientes para evitar o litígio e cada um seguir seu rumo.

A todo momento a gente ouve a mídia comunicar os feminicídios e reproduzir os boletins de ocorrência onde consta ‘que não aceitava o fim do relacionamento’. E não aceitar o fim é forçar quem não lhe quer a querer a estar com você, porque só o seu querer importa. Que gosto terá um relacionamento forçado?

Delongar o mal-estar do convívio, ver-se em situações íntimas do lar, dividindo espaços com quem não lhe quer, valerá mesmo a pena?

Quem tem juízo, se toca da realidade. Coloca a viola no saco e vai tocar em outra freguesia.

O ciclo da humilhação está ali, a dignidade já foi pisoteada, o vale-tudo não valerá de nada.

 


quarta-feira, 16 de outubro de 2024

ANIVERSÁRIO DO BLOG




Nem preciso dizer que ainda não me sobra tempo suficiente para colocar as pautas em dia, sobretudo a de comemoração dos 15 anos deste blog.

Sim, eu não faço propagandas, eu não divulgo entre amigos, eu não procuro seguidores: venham os que quiserem, voluntariamente.

Amigos, por aqui, iriam inibir minha escrita. Minha censura seria grande, a necessidade de substituir nomes, lugares e espaços de coisas narradas seria terrível.

Estamos em 2024 e já nem existem blogs -  se muito, o povo do humor e dos memes, lá do “Ah, negão!”, o blog do Joe – este, sim, eu sigo, porque tem comentaristas que são verdadeiros personagens; e gente de carne, osso, ectoplasma e CPF válido, com boas ideias e com os quais anonimamente eu aprendo, eu simpatizo. Porém, são poucos os blogs sobreviventes (eu não poderia deixar de citar o Paulo Tamburro) e uns poucos mais, gatos pingados que não migraram para praças do YouTube ou, simplesmente, largaram o barco.

E por aqui tivemos muitas fases ao longo destes 15 anos. Fase de rebeldia, de revolta política, de exasperos culturais, etc. Mas, deixarei isso para a futura comemoração que, espero eu, aconteça em fins de novembro. A ver!

 

 


Maestros do caos


 


Parabéns para quem descobriu que a Terra é redonda e que o tempo não retrocede. A Terra. O tempo. Porque há pessoas de pensamento quadrado e há gerações que retrocedem no tempo, em termos de mentalidade e comportamento, rejeitam avanços em leis, direitos, costumes. Acham que ‘antigamente tudo era melhor”. Concordo com elas, afinal, para um torturador e um ditador, nada melhor do que um tempo em que se podia torturar e matar tranquilamente, sem ser incomodado por leis e denúncias ou ameaças de punição – sossega, no Brasil ninguém nunca foi punido por isso.

Era tão bom antes, sem gente correndo atrás de direitos trabalhistas! Hoje em dia, para sorte de quem tem saudades da escravidão, pelo menos há o sub-proletariado que se convenceu de que é patrão de si mesmo, que faz seus horários...

É de espantar que as pessoas não olhem para quem rege a orquestra do caos. Os maestros em que se vota ou com os quais se é indulgente.

Especialmente no plano da política, as pessoas votam apenas por simpatia. E eu, cá, pensando nas incontáveis vezes em que votei em gente que eu não gostava, que sequer beneficiaria minha classe trabalhista específica (que governo favoreceria professores?), mas que era o melhor em sentido global! E uns seres humanos com as desculpas mais nonsense, mais distantes da lógica, vota em palhaços que destroem o circo após o espetáculo do enriquecimento pessoal.

Há tantos abismos interiores a se misturar com as crises externas, essas de nosso tempo e de nosso contexto histórico!

De fato, vivemos de fé e de remédios. Há que se rezar por um governante menos monstruoso do que o anterior; há que se rezar para que a Polícia não nos confunda com o ladrão; e que o ladrão não nos confunda com a polícia; que não fraudem nossas contas; que o nosso alimento contenha menos veneno; que a guerra no país vizinho não gere aumentos em nosso itens de consumo; que a indústria não leve a água que nos resta e acabe com o ar de que precisamos...

Não olhamos maestro: odiamos o migrante, o imigrante, o refugiado, o que tem outro gênero, o Outro, que sempre será a causa de nossas misérias.

A partitura do caos é culpa do pobre, do negro, dos LGBTQIA+, do nordestino, do venezuelano, do chinês, só não é culpa do maestro, de nosso político favorito.

E, no fim, rezamos por um remédio que nos faça dormir – porém, sem sonhar, porque aprendemos que sonhos são ilusões e ‘não se pode criar expectativas’; e queremos um remédio para manter a atenção e reter memória; e remédios para emagrecer, sem precisar de esforço físico; e remédios infinitos para não ser triste, para não sentir faltas e nem sequer sentir a si mesmo...qualquer remédio que cure as coisas intrínsecas à vida, anestesiando as dores, as faltas, o ego.

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

Low profile involuntário

 


A vida não dá pausas e os assuntos se acumulam.

Fiquei involuntariamente low profile.

Escrevi textos que não cheguei a publicar. Perdi o timing e acabei engavetando os assuntos, então, bastante interessantes (coisas que vivi, vi e ouvi): os homens idosos que, numa festa, mostravam nudes recebidos e compartilhavam pareceres sobre bundas e relevos de corpos – enquanto suas ainda jovens e bem cuidadas companheiras se distraíam com a banda que tocava; - a amiga que largou preconceitos e resolveu namorar um septuagenário mas, que, critica ofensivamente ao filho deste cara 70+, pelo fato do rapaz namorar uma mulher dez anos mais velha; as minhas questões pessoais e particulares que me fizeram declinar de quem eu gosto, porque, afinal, não adianta ficar por amor, namorar por amor, se o relacionamento me faz mal...enfim, assuntos que se empilharam e agora não vou mais desenvolver em texto.

Não vai dar tempo de falar do quão canalha e escroto era Delfim Neto, aquela cria podre da Ditadura, sempre louco pelo poder, que morreu velho, feliz e impune; nem vai dar tempo de virar a cara de nojo pela morte de Sílvio Santos, um grande comunicador para as massas, que soube espalhar uma fanfic sobre mesmo e fez crer que um dia ele foi pobre, foi camelô e ascendeu social e economicamente (não, meu povo: ele sempre foi rico. Trocou o sobre nome Abravanel por Santos, justamente, para aparentar simplicidade e pobreza - se liga, meu povo), aquele ser humano bajulador de ditadores, de classe rica e que, sabia jogar com os sonhos do pobre, induzindo a compra de inúteis capitalizações e outras falsas oportunidades e que,  igualmente, morreu bilionário e feliz.

Passaram-se dias e Olimpíadas, passaram os absurdos da eleição de São Paulo e a premência de um eleitorado ávido por gritarias e certos tipos que, de mau caráter a mal educado, lhes parece original, genuíno (vimos esse filme 17 ou 22 vezes)... e segue o tempo passando – eu, cá, a afirmar que não vejo tanto problema com os políticos quanto vejo com os eleitores. Penso, todo dia, que Lira não estaria onde está, Geddel Vieira Lima não estaria onde esteve, nem Sérgio Moro estaria onde está se alguém não os pusessem lá. E quem é que os coloca lá, a não ser os eleitores? Então, o problema é a outra banda da fruta.

Vejam o Rio de Janeiro. Será que só há um só perfil de candidatos, sempre? Tirem suas conclusões.

Certa vez tratei sobre isto por aqui, constatando que, hoje em dia, há um maior número de pessoas com formação escolar formal – muito acesso à universidade, a meios de informação e de formação, trocas intelectuais favorecidas e compartilhadas – mas, não houve avanço na formação do pensamento independente e nem mesmo à lógica. Sim, a lógica! Aquela coisinha básica de algo fazer sentido, de causa, consequência, efeito, coerência...sumiu! É cada absurdo, cada pensamento absurdo que encontra amparo nas pessoas...e cada distorção cognitiva, que faz uma parcela da população acreditar em ameaça comunista e desacreditar dos efeitos da ação poluidora do ser humano sobre a natureza; que faz acreditar num mundo de todo tipo de loucura, que faz o Teocentrismo parecer besteira – bem feito! A gente ria dos que achavam que comer melancia de noite causava a morte; dos que queriam se envenenar com manga com leite...mas, olha aí os que nos cercam! Delírios dignos de usuários de drogas sintéticas, psicodélicas ou sei lá mais o que...

Ah, Caetano Veloso, "quem lê tanta notícia?"

sexta-feira, 12 de julho de 2024

O jogo das respostas ocas

 



Às vezes, é preciso dizer o óbvio, porque a gente até esquece o que está à nossa frente. Pois, bem: sou um ser humano, vivo o que vivem os seres humanos em suas intersecções do existir.

Quem de nós nunca rejeitou alguém, não por orgulho, mas por não querer a pessoa? E quem de nós já não esteve na outra ponta da história e foi rejeitado e rechaçado? Humanos que somos, já passamos por isso.

Não é fácil, mas, a gente sabe que tudo passa e, por experimentarmos os dois lados da moeda, se formos adultos normais e saudáveis, a gente segue, a vida segue e deixamos a segunda pessoa da questão em paz.

Isso não exclui, como disse Caetano Veloso, “ondas, desejos de vingança” porque se o caso for de separação, isso inclui a ideia de que fomos trocados. Mas, isso também passa.

Dei muita risada com uma história que ouvi, sobre uma moça que, ao se separar, fez de tudo para melhorar a vida e a aparência; e ainda disse aos amigos em comum com o ex: “Isso é para ele ver o que perdeu”.

Por incrível que pareça, a resposta do ex, dada publicamente como réplica, foi: “Por que somente agora? Por que ela esperou acabar a relação para, então, se cuidar?”.

Tem muita coisa aí: como a pessoa deixa de se cuidar ou volta a se cuidar por causa dos outros, de fatores externos? Que ser humano é este, que não dedica tempo a si mesmo?

A vingança, neste caso, é se tornar atraente. Mas, a pessoa mobiliza energia para melhorar por vingança; e não mobiliza energia para melhorar para si mesma, por necessidade e vontade?

Sosseguem: não existe troca. É que amor passa, desejo acaba. Quem deixa a relação também sofre, porque a vontade de sair da relação é conflituosa e não chega de vez. Também é aos poucos que se vai descontruindo a relação.

Não dá para estar só e se dedicar a si mesmo porque o relacionamento acabou. Dedicar-se a si mesmo é algo constante.

É a pergunta que a gente precisa se fazer: se o relacionamento acabar, o que me sobra?

Deveria sobrar vida própria, amigos, carreira, ambições pessoais e sonhos. Não dá para o relacionamento/ o Outro ser tudo.

Parece de uma recorrência surreal mas, há algumas horas, passei por mais uma onda de insultos por parte de um homem que se sentiu rejeitado por mim. Foi por pouca coisa: colega de centro espírita, ele brincava com gracejos de flertes. Por estar ocupada, não respondi com frequência e fui cobrada nisso. Expliquei – estou ocupada – mesma razão, aliás, porque não tenho vindo aqui no blog.

Acrescentei que achava divertido trocar palavras com ele, haja vista o peso e seriedade dos meus dias. Via leveza e graça nas conversas.

Ele me respondeu com rispidez, alegando não ser palhaço para trazer riso algum a mim e que entendia que minha desatenção era sinônimo de minha rejeição por ele. Acrescentou o peso de palavras estúpidas às quais eu nada respondi nem responderei.

Tiro meu time de campo, não faço o jogo, nem acato provocações. 

Claro, senti o fato de ser mal interpretada, mas ele não tem peso em minha vida, não tenho convívio contínuo, não sou obrigada a vê-lo e a importância dele, para mim, é minúscula, não excedendo a de qualquer outro ser humano ao qual, de modo cristão, dedico fraternal voto de bem-estar. Fica, portanto, a dica: gente, não é preciso responder a tudo e a todos.

Não comprem briga nem percam tempo dando respostas a quem nem interage verdadeiramente em sua vida. Deixa a pessoa lá, no cantinho. Não é vácuo, é a ausência de necessidade de discutir, explicar, justificar.

Não gosto de ser negligente, mas há coisas que a gente não deve mesmo se prestar a priorizar.

Largo meu Facebook por meses, raramente acesso até mesmo comentários em blogs, sites e fóruns também por muito, muito tempo, porque esqueço ou minha vida real não dá conta.

Entre gastar horas respondendo a quem quer briga, holofotes ou biscoitos; ou estar abraçando quem eu gosto, ler um livro, tomar um café, brincar com meus gatos, sinto muito, mas declino de responder. Temos mais o que fazer do que gastar tempo e palavras com esse tipo de situação. Tempo é vida: não vou gastar minha existência com quem pouco conta. Não entre no jogo: vença a partida - caia fora!


quinta-feira, 30 de maio de 2024

Veredito

 


Donald Trump foi, há pouco, condenado, em um dos poucos processos movidos contra ele. Esbravejou contra o veredito e contra o juiz. Eu só não acredito que possa haver tanta gente a idolatrar um sujeito desses – e falo dos fãs mundialmente localizados.

Entendo que chegamos a um tempo em que todo mundo quer prosperidade, apostando em bets, acreditando que terão rendimentos de jogador de futebol famoso, sonhando que o ‘trabalhe enquanto eles dormem’ ou que um Deus compensador e justiceiro fará com o que é seu chegue em forma de fortuna. Entendo até quando passamos a declarar termos um ‘sonho de consumo’ que incluía o que não estava à venda e o que sequer tem preço. Entendo, sou humana, frequento shopping, me entulho de coisas que não usarei com frequência e sou daquelas pessoas cheias de roupas novas que, contraditoriamente, sai sempre com a roupa velha, por acreditar que aquela roupa me cai bem e me deixa mais segura. Não me coloco como melhor do que aqueles de quem falo. Sou um deles, num mesmo tempo, sob mesmas influências. De diferente somente o olhar, porque eu não me identifico com milionários toscos e desumanos, nem com uma aberração como Trump, por exemplo.

Objetivamente, momento brasileiro me desencanta. Acabou o presidencialismo. “O rei, reina. O parlamento governa.” Nossos militares (brasileiros) golpistas e vândalos, tal como os torturadores e assassinos do período da ditadura, desde muito foram anistiados. O sonho de correção da ordem, o sonho de justiça desceu a ladeira correndo, dobrou à Direita.

O povo dobrou-se à Direita, à Extrema Direita. O Brasil é uma democracia teocrática e, com sorte por pelo menos ainda ser democracia. Aqui, qualquer canalha que fale em Deus é eleito e tratado como o Próprio.

Somos um país de muitas igrejas e poucas escolas; e de escolas que funcionam como igreja, onde falta a fé na iniciativa individual na construção do conhecimento, ou seja, acham que basta dar escola, prover professores e a educação se fará. Não, não há milagres na área: ou o aluno participa ativamente do processo de conhecimento ou o resultado é zero. Gostamos da lei do menor esforço, de sentar e esperar... Esperar messias, salvadores, quem quer que seja que lute por nós.

Gostamos de magia também: de força do pensamento, de orações e simpatias, de coach e de constelação familiar, gostamos muito de respostas prontas e de guias. Olhando de perto, a falta de maturidade é imensa.

Fica fácil seduzir as massas aqui: basta quebrar coisas, gritar e ameaçar, mostrando a força truculenta do homem com H, porque afinal estamos desolados com a justiça e alguém precisa demonstrar coragem. Gostamos dos mais fortes, como convém a um país que é “Gigante pela própria natureza”.

A política é um campo em que somos despreparados enquanto povo. A gente apenas briga e se divide, como bons analfabetos políticos, conforme ensinou Bertold Brecht. Não gostamos de argumentos, nem de análises: a gente elege por simpatia.

Também caiu o Projeto de Emenda à Constituição que criminalizava a disseminação de notícias falsas. Claro, né? Se a verdade aparecer, fica difícil vencer uma eleição – e o povo foi aprendendo que mentir e ofender é liberdade de expressão.

Na hora da eleição, a verdade pouco importa. Não temos aqui consciência de classe, o trabalhador se acha empresário, empreendedor e patrão; o pobre não sabe que é pobre, se sente classe média e assim vota em favor dos milionários – os mesmos que exploram os trabalhadores.

Interessante é ver os pobres distópicos falando dos supostos socialistas de Iphone. Quem gera riqueza é o trabalhador. O Iphone é feito por trabalhadores. Vício velho, aliás: país que tem trabalho escravo nas páginas de sua história deveria saber que se é o escravo quem trabalha, o que faz o branco? E se a classe senhorial é trabalhadora, para quê foi preciso escravizar o semelhante? Bem, deixa para lá, não se dê ao trabalho...

sábado, 4 de maio de 2024

O amor, depois de um tempo


 

Quem não quer um relacionamento bom, com entendimento recíproco, carinho, acordos, cumplicidades? E diante de uma decepção amorosa ou diante da simples necessidade de esquecer, quem não deseja que tudo passe logo?

Para esquecer alguém, a gente precisa se convencer de que deve desistir, que o que a gente PRECISA é muito diferente do que a gente QUER. Então, se precisa esquecer, isso vai levar meses, ter altos e baixos, dores e angústias. E um dia passa. Apenas se ajude: crie coisas para se ocupar: um plano, um curso, uma meta...se precisar, viaje e fique longe, largue a vida do ser amado, corte laços e contatos; sustente sua solidão e um dia tudo finda.

Amar não é divertido: é um exercício pesado que pode ser gostoso, mas também cansa e desgasta.

Ao contrário do que eu pensava, agora que não amo ninguém não estou melhor que antes. Continuo sofrendo, só mudam as causas e os contextos. Mas, admito: é melhor sofrer por mim mesma do que por terceiros.

Aliás, há um prazer delicioso em poder dizer: “Dane-se! Foda-se!”, e não precisar mais viver à mercê de correspondências afetivas.

Concordo com meu primo: segurança é fundamental. Ele diz que mulher gosta é de segurança. Eu me incluo entre estas. Não quero gente que não inspira confiança nem me dá segurança. Definições, cartas claras, margens de certezas e poder contar com as pessoas com quem nos relacionamos é a base de poder desenvolver o circuito das trocas.

A vida volta para o eixo – um pouco mais vazia, porque eu já não amo e também não tenho com quem sonhar. Sonhar é fundamental para tocar o barco.

O Homem de Capricórnio já se convenceu que eu não vou atrás dele, que não escrevo, nem busco criar coincidências. A gente se viu há uma semana, depois de dez dias de tentativas dele de se aproximar de mim. Fomos ao cinema, conversamos vagamente coisas aleatórias.

Depois, um contato íntimo e sem sabor me mostrou o quanto eu desejava estar em paz na minha casa. Eu achei que o amava, que tinha por ele os mesmos sentimentos de um ano atrás. Não, não tenho.

O amor acabou, a paciência e a espera também acabaram. Eu não sei se ele fez acabar ou se esvaziou sozinho. Tem um resquício de um gostar, as doçuras de lembranças passadas, esse tempo imemorial que turva a percepção e só nos dá resumos de uma satisfação de outrora.

É muito triste procurar o homem que eu amei e ver: não existe mais. Era o amor que fazia este homem ser o Grande homem. Apequenou-se. Daí que eu fico distante, ele diminui, não faz falta, não causa as preocupações da insegurança que um dia eu tive, aquele medo da perda, aquele medo da falta. “E onde não queres nada, nada falta” – não há mais o meu querer. A falta volta-se para meu umbigo.

Meu analista me disse que tudo que agora vejo, é porque olho para mim.

Eu disse que não me reconhecia. E é verdade. Cadê eu? São as minhas diferenças que se mostram no espelho.

Vi o Homem de Capricórnio e o meu coração não acelerou. Não tive coragem para mentir um “eu te amo!”; não cobrei conversas nem acertos, não fiz propostas nem esperei promessas. Acabou. 


terça-feira, 2 de abril de 2024

O interior do mundo interior


 

Na faixa de maturidade psíquica que alguns de nós se encontra, já é possível admitir e aceitar que sempre conviveremos com a falta.

Também já fiquei indignada pensando em gente que tem tudo, tipo os tantos cantores de que a gente teve notícia de cometer suicídio.

Se esse povo com inteligência, dinheiro, talento, beleza e fama, não aguenta o peso de existir, ficamos cá, do outro lado da realidade, imaginando ‘se eu estivesse no lugar dele, com tudo que ele tem, seria muito feliz’. E também imaginamos por que mesmo tendo tanto, porque eu sequer mencionei a juventude, ainda assim as pessoas vivem numa infelicidade explícita, correm para vícios, morrem cedo – Kurt Cobain; Chriss Cornell, Amy Winehouse, dentre outros.

Igualmente, quando vejo mulheres bonitas, jovens, ricas e poderosas bradando a traição sofrida, vejo que na vida real estão todos sujeitos aos mesmos destinos, comuns à humanidade.

Também penso, quando nas minhas dores, como seria bom haver remédio para esse tanto de capivara psíquica.

Minha amiga foi pedir ao analista um jeitinho de se envolver com um homem, mas sem se apaixonar. Ele disse que isso não é possível, porque não há escolhas. Pode ocorrer paixão ou não ocorrer. Zero garantias.

Sou favorável a corridas, dança, atividades físicas, em geral, para esses quadros – rejeição sofrida, término de relacionamento, perdas, lutos, tristeza e angústia – porque ajuda a impulsionar estados dopaminérgicos. Não acho, contudo, que depressão se cura com lítio, que os troços dos sofrimentos possam ser resolvidos com antidepressivo e anti-qualquer coisa. Ficar dopado  (embriagado, dopado, delirante em crenças fundamentalistas) só vai anestesiar a dor. Daí, o efeito passa e é preciso se anestesiar de novo. Eis o vício.

Sou a favor da sublimação. O senso comum diz isso de uma maneira grosseira, sugerindo que se ‘procure um lote para capinar’, ‘uma roupa para lavar’. É recomendável se ocupar, a fim de dar descanso para o pensamento, que se fixa apenas numa causa, num objeto, num objetivo.

Acho um desrespeito a indústria farmacêutica e seus representantes da categoria médica, sugerirem que somos movidos a hormônios, a substâncias químicas – sim, elas exercem influência – enquanto somos mais complexos do que isso.

Porém, tem que viva em fuga, quem mude de assunto, quem queira curar dores tomando cerveja, ou traçar compensações por meio de exageros em sexos vazios, em compras, em desequilíbrios disfarçados de aquisições materiais... são tantas as encenações de cura.

No fim, não podemos nada, de fato. Na hora da dificuldade psíquica (todo tipo de dor existencial), não sabemos quanto vai durar, não determinamos o fim. Determinamos a dignidade nossa no meio da questão. Portanto, medimos se vale a pena passar por humilhação para mendigar amor, seja do par ou dos pais; e desde que o Outro não os corresponda, de que valeria ficar com alguém, forçando a que ele queira o que ele não quer; sonhando em fazer o outro lhe ter amor? Nossos problemas vão além disso: esbarram na busca por reconhecimento, em esperas por gratidão...e tudo que vem do outro também é incerto. Isso vale mesmo uma vida?

Largar, declinar, desistir, não são derrotas. Até quando valeria insistir? Quando tempo estamos dispostos a viver em função desse detalhezinho que, se obtido, dará uma alegria temporária, até que nossas faltas sejam novamente evidenciadas? A vida é jornada e é batalha, conforme nos ensinou a Odisseia. Mas, creio eu que a vida é busca – buscamos, encontramos, buscamos outras coisas, encontramos, perdemos, buscamos de novo num looping infinito.


domingo, 31 de março de 2024

Os sonhos que me acordam


 

Ao cansaço se fez juntar a total falta de tempo. E como eu fico com saudades do blog, da escrita, desses encontros com anônimos que acompanham esta página.

Há tantas coisas que acontecem na minha vida, mas, às vezes, até parece que não houve movimento.

Vou aqui priorizar meus relatos de psicanálise, pois que foi neste ano que voltei ao consultório, já em minha segunda tentativa de analista após a morte da minha primeira.

Começando pelo fim, ele disse não se sentir mais à vontade para se enquadrar como psicanalista. Disse se identificar como psicólogo cognitivo-comportamental.

Confesso que odiei a troca, embora, de fato, em nada alterasse o andamento das sessões. É que, neste caso, a postura do profissional é mais intrusiva.

A psicanálise lhe deixa sozinho, na sala, com seus monstros. No máximo, nomeia cada um, mas a você cabe levar um papo. Já a psicologia, conduz e convoca, mostra e se intromete.

Não dói menos, mas é esquisito que alguém me diga para que lado olhar.

Vou ficando, preciso experimentar. O provável é que eu deixe as sessões daqui a um pequeno tempo, por não me enquadrar nesse negócio. Tenho vergonha de admitir que a Psicologia me parece insuficiente, talvez seja somente preconceito meu. Não sou fechada a mudar de ideia. Veremos.

Na vida real, o efeito foi que eu fiquei acomodada com alguns problemas. Parei de digladiar, aceitei, não quero guerrear com angústias insolúveis.

No campo afetivo, vi que preciso de estabilidade mesmo. Fiquei com quem eu já estava, mesmo num relacionamento morno, que me priva de muitas coisas de que gosto e não terei.

O Homem de Capricórnio me fez dois acenos. Respondi de forma vaga, fui formal e monossilábica. Velho paradoxo: gosto dele, mas não será bom voltar para alguém que não me dá parte do que eu preciso e quero e, ainda por cima, não me oferece estabilidade.

Com minha família, segue a administração de contatos formais e o controle de minhas impaciências.

Ultimamente, o trabalho me pegou de jeito. Ando por demais ocupada.

Acredito que eu não esteja vendo os deslocamentos que faço, as mudanças em transcurso porque estou elaborando lutos. Sei que é temporário. Depois, acordo. E este é o ponto: será que deixei de sonhar?


quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

É o bicho!

 


Aproveitando a excentricidade e a excepcionalidade deste dia 29 de fevereiro, quero aproveitar para declarar que continuo a mesma pessoa de postura política que sempre fui. Não passo pano para a realidade, não idolatro malandro de partido algum e sei muito bem minha classe social, meu gênero e minha etnia – cuja consciência já sinaliza meu impedimento de ser alinhada com qualquer pauta da Extrema Direita.

Hoje, quando noticiado o assassinato em massa das pessoas na Faixa de Gaza, na hora em que se buscava alimentos e utensílios distribuídos pela ajuda humanitária (não sei dizer, neste momento, o número exato, mas passou de 100 pessoas), posso dizer que senti muito por cada um que lá estava e mais ainda pelos que sobreviveram, porque vão chorar seus mortos e prosseguir no cenário de dor e incertezas. Notei, com dor ainda maior, quanto se faz uso de pobres e indefesos jegues e jericos naquela região. Amo os bichos, em geral. Mas, cavalos, burros, equinos de todo tipo, amo ainda mais e já me meti em muita briga para defender os bichinhos.

É muito terrível carregar pesos, levar seres humanos e ser chicoteado por eles. Sem contar a brutalidade da violência em si, a sede e a fome que esses animais passam. Imaginem tudo isso num cenário de guerra! Os animais em meio a conflitos criados pelos homens que, teoricamente, são seres racionais!

Na hora em que defendemos os animais, sempre aparece um palhaço para falar que a criança abandonada merece isso e aquilo e etc. Nessas horas, convém perguntar: “E você, atualmente, ajuda quantas crianças?”. E quando você vai olhar de perto o cristão hipócrita, ele é somente um hipócrita querendo aparecer e que não contribui em nada para melhoria de coisa alguma, mas vai catar algum versículo para amparar a própria pequenez. Só não entendo as razões que fazem com que esse tipinho de pessoa se incomode com quem defende bichos ou causas fora do seu interesse. Desde que eu não vá à porta dos outros convencê-los de meu próprio ponto de vista; ou que a circunstância venha a modular situações de opinião, a ordem é: "cada um na sua e a vida continua". Lógico que se a pessoa mora conosco, convive conosco ou dela nós dependemos para sobreviver, tudo muda. Porém, não entendo porque raios há quem perca tempo para tentar dissuadir quem gosta de bicho.

Certamente, pessoas assim nem sabem que são mamíferos bípedes...ou, a depender da crueldade de cada coração, nem sei que espécie de gente podem ser.


Oi, sumida!

 


Quem nunca se deparou com um “oi, sumida!”? Sim, sabemos que o sumido, de fato, é o sujeito que nos interpela. Sabemos, também, que essa pessoa que sumiu, resolveu reaparecer por algum interesse próprio – seja para um sexo casual; para pedir um favor ou engrenar alguma conveniência (aquele tipo que diz que vai estar na cidade em que você mora dali a dias – certamente, quer sexo e hospedagem grátis. E sem querer decidir por ninguém, recomendo: se isso ocorrer, diga à tal pessoa que “aproveite a cidade”, feche sua porta e sua vida, a menos que você deseje entrar no jogo). Se o sumido for você, se ligue, porque as ações e situações já são previsíveis, portanto, dificilmente você vai lograr êxito.

Mas, bem: estando na sessão de psicanálise, posso dizer que situações do passado, quando ali convocadas, me parecem exatamente um grandessíssimo “oi, sumida!”

Pequeno adendo aleatório: peço a devida vênia para a licença poética de dizer: puta que o pariu! E não sei porque caralhos as pessoas escrevem os vocativos sem as vírgulas, o que piora oi, sumida! – preguiça ou ignorância? Provavelmente, é desleixo mesmo.

Coisas encobertas na memória dão o ar da graça e haja hematoma psíquico a se revelar.

Situações psíquicas inconscientes fazem verdadeiro strip-tease, tirando peça por peça, lentamente, num jogo de se mostrar e se esconder. Enfrento, no momento, um gigantesco calo psíquico. Faço até abdominal para poder ‘empurrar com a barriga’, mas, agora, o psicanalista resolveu que preciso resolver – sim optei por ser redundante aqui. O jogo com a linguagem é o que prevalece na psicanálise (em alguns casos, a linguagem corporal indica algumas coisas, mas não acredite piamente que ‘o corpo fala’ – o corpo pode ser treinado e controlado, como habilidoso ginasta, expressar suas artes e iludir a plateia, simulando seguranças e posturas, inclusive, fazendo certos contorcionismos sociais – ora, nossas carinhas de felicidade ao apertar a mão do desafeto ou nossa suposta altivez em ocasiões sociais desfavoráveis são exemplos disso. Por vezes, somos pavões, mostrando belezas temporárias e artificialmente conquistadas; ou somos gatos de pelos arrepiados para nos mostrarmos maiores ante nossos inimigos).

Também ao contrário do que ouvimos por aí, não temos o poder de fazer ninguém nos amar. O ódio é gratuito, facilmente aprendido, distribuído, aceito. Desde criança – e aqui, cito as filhas de minha madrasta, na época, tão crianças quanto eu, mas que aos sete anos já sabiam que o certo era me odiar, e odiavam com sádico capricho. Fazer alguém nos odiar é fácil e infalível. Fazer alguém nos amar é impossível.

Quem quer se arvorar a trazer um amor de volta em 3 dias, seja por meio de magia ou mandando uns capangas ir buscar o ser amado, pode trazer e amarrar, mas aquilo nunca será amor.

Se um sujeito, dentre o casal, se esforça sozinho para estar junto ao outro; se sempre é como se fosse necessário matar um dragão a cada vez que se quer estar com o príncipe ou com a princesa, não há chances disso ser amor.

Não me reporto a quem mora longe; aos que têm plantão e jornadas de trabalho específico (médico, músico, atores, etc) e cujos fatores são sempre impeditivos para certos planos do estar juntos. Trato de quem inventa desculpas ou, diante de um empecilho real, não constrói meios de estar com o par.

Ninguém quer ser rejeitado, nem mal-amado. A gente até esquece que já rejeitou algumas pessoas na vida e que amou insuficientemente – e aqui, cito isso porque é do ser humano viver os dois lados da questão.

Com quantos ‘nãos’ se faz um término? O quanto esperamos para constatar que o outro não quer nada conosco? E quando os afetos são de natureza diferente; e a gente não quer namoro, mas quer o amigo? Então, é preciso ter essa sensibilidade.

Minha amiga gasta horrores com ‘trabalhos rápidos e garantidos’ para manter um certo caso. Mesmo admitindo que houvesse alguma eficácia no trabalho sobrenatural, qual o sabor de estar com quem sabidamente não nos quer? Vale a pena forçar o Outro a querer o que ele não quer? Vale a pena estar com o Outro a qualquer custo, trazer para perto quem emocionalmente está distante?

Por discutir isso com sinceridade, minha amiga fica de cara amarrada comigo. Apesar de tudo, ela entende e sabe que eu tenho razão, mas não se esforça para processar o luto de um término e libertar a pobre pessoa do cativeiro das chantagens emocionais (até filho imaginário ela inventou). Não aceitar o fim de um relacionamento significa não aceitar a realidade, nem aceitar que o Outro tem vontade própria, desejos próprios e autonomia, porque também quem ama, mesmo amando, pode sair da relação se perceber que não está bom nem está saudável aquilo tudo. Amar não basta. Porém, sem amor, pior ainda.

O ódio pode ser manipulado, ensinado e facilmente se desenvolver. Amor, não. Quem me dera amar a pessoa certa, amar quem me ama – a vida seria bem fácil.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Lutos e carnavais

 


Não fui ao carnaval e não iria de forma alguma, porque muito já gostei da festa e, no presente – retroativo, na verdade, a 2016 -, não me interessa a festa e respectivas atrações. Danço músicas de carnaval, vou a festas carnavalescas fora do carnaval, entretanto. Neste ano, um agravante a me afugentar das folias: minha amiga, Rosana, morreu na sexta-feira de carnaval.

Diz-se que se o paciente é terminal, as fichas já estão colocadas acerca de seu futuro. Porém, o terminal é algo de prazo elástico, mais significando que a doença não tem cura e não regredirá do que, exatamente, um cronômetro acelerado para o momento da morte. Portanto, pode-se durar anos enquanto paciente terminal. Nesta seara, Rosana tinha idas e vindas – temporadas longas e intermitentes no hospital, concomitante às festivas voltas para a casa da família, de modo que fiquei outubro inteiro com ela, excetuados meus dias de trabalho e o período subsequente, quando da internação e morte de meu tio.

De meados de janeiro para cá, voltei à psicanálise. Encontrei um excelente profissional e, se tomo sustos com minhas descobertas pessoais, mais me tranquilizo por estar em boas mãos. Finalmente, dentre meus muitos lutos reais, processo o luto simbólico pelo fim de meu relacionamento com o Homem de Capricórnio.

Assevero, sem medo, que há muita distância entre um relacionamento que começa; e outro, que recomeça. Não é que não valha a pena recomeçar, mas hoje em dia me interpelo se eu deveria ter voltado para ele após nosso segundo término. Decerto, é preciso tentar para ver e, às vezes, ver para saber – e saber para se convencer. Então, não parece ser justo sustentar hipóteses ilusórias sobre futuros imaginários. Normal: como teria sido ‘se’. E nas nossas ilusões, o futuro sempre teria sido lindo. O cotidiano, contudo, seguia me mostrando desenhos diferentes.

Minha outra amiga, para encarar a separação, ilude-se maratonando vídeos sobre homens narcisistas.  Mais uma moda chata, que busca diagnosticar genericamente e classificar. Para mim, alguns homens são apenas canalhas mesmo – do contrário, estaríamos vivendo uma epidemia de narcisista – como se já há séculos os homens não saíssem para comprar cigarros, sem serem fumantes, largando a moça grávida e sozinha; como se as leis protetivas às mulheres houvessem brotado do chão, supérfluas. Na verdade, ela tem dificuldade de aceitar que foi deixada, de admitir a rejeição sofrida e, assim, busca justificar o homem que se foi, explicando razões que ela interioriza como absolutas verdades. Mas, quando indagada sobre o que é, afinal, que ela faz na suposta psicóloga atual, desconversa e muitas vezes se assusta quando faço relatos de meu processo de análise – o que me leva a presumir que ou ela está com péssima profissional, ou sequer vai  a nenhuma psicoterapia. Fica a dica: o YouTube não substitui uma sessão de psicanálise. Se for um youtuber sensacionalista, midiático, cheio de clickbait, pior ainda.

Há canais bons, tipo o de Christian Dunker, Marcos Lacerda, Lucas Nápoli, Emanuel Aragão. Porém, são todos gente séria (o canal do Ludoviajante não é de psicologia, mas tem excelente conteúdos correlacionados). Podem vender cursos e livros, mas não embarcam na mercantilização sensacionalista de muitos outros. E em nenhum momento eles vendem soluções, sentenças, laudos genéricos e fórmulas infalíveis. Há coisas que só a gente pode fazer por nós, não dá para terceirizar.   

Então, sigo tocando o barco, com a coragem dos náufragos e dos sobreviventes.


quarta-feira, 3 de janeiro de 2024

As pedras do castelo

Sabe aquela filosofia de para-choque de caminhão, que diz: “Fiz o meu castelo com as pedras que jogaram em mim?” Verdade imensa está sob essa aparente bobagem. Assim, para muitos, o fato de ter sido desafiado, atacado ou, mesmo, humilhado, pode representar um estímulo para mudanças extremas. Nunca vi carga motivacional maior para alguém, dentre os meus mais próximos. Não é todo mundo, porque cada um reage de um modo, mas os que de fato acatam a ofensa como um desafio, dão respostas silenciosas gestadas calmamente no planejamento e no método. E estão certíssimos.

Sem planejamento, método e disciplina, nada feito. Dou os exemplos: um certo funcionário temporário que eu conheço era constantemente atacado no desempenho de suas funções. Ele ouviu, respondeu aqui e ali, mas, após um tempo, calou e seguiu. Em silêncio, construiu a própria escada: após dois anos, passou em segundo lugar para o concurso do INSS... e nem deu tchau a ninguém. Simplesmente, sumiu...só se viu o pedido de exoneração.

Outro exemplo: Patrícia pesava quase cem quilos. Ouviu o que as pessoas gordas ouvem, de conteúdos depreciativos, de insinuações de preguiça a desleixo. Obviamente, o exterior dela revelava questões internas. Nunca é fácil ouvir grosserias, mesmo quando travestidas de boa educação. E assim foi: Patrícia emagreceu, sem paranoias, sem desespero. Foi, com o tempo, acertando nas comidas, porque não queria perder o prazer dos sabores; se ajustou às atividades físicas. E foi ficando mais atraente para si mesma. Se bem me lembro, foram quase dois anos até ela estar bem consigo mesma, porque não nos faltam colegas e amigas a recorrer a programas radicais de emagrecimento, cirurgias bariátricas e etc., mas como forma de agradar aos outros. 

Essa pressão externa para enquadrar todo mundo num padrão, todos nós sofremos. Algumas vezes a gente não dá bola, porque há coisas que são nossas, são nossos gostos e ponto final – em meu caso, as pessoas querem me obrigar a morar em condomínio (porque todo mundo mora); a ter outro carro (mas, eu amo carros vermelhos); a ter comportamentos e aparências igualmente padronizados; etc. e eu já contrario a todos porque não gosto de cerveja, de vinho, de nada que contenha álcool; e muito menos gosto de feijoada, maniçoba, mocotó, açaí, refrigerante, doces açucarados e nem pizza...

Os clichês de sonhos, fantasias se repetem. Intromissão e críticas até sexualmente, a gente recebe – e aqui acrescento que por eu não gostar de sexo oral em mim e afirmar isso em conversa coletiva com as amigas, vieram os protestos. Ora, há coisas particulares, individuais, há territórios que são terminantemente pessoais. Incrível como as pessoas sentenciam que somos obrigados a gostar e a querer o que elas julgam ser o certo, porque medem o mundo pela circunferência do próprio umbigo.

Aqui eu citei os amigos íntimos, realmente íntimos, que discutem intimidades porque têm tal liberdade. Porém impor padrões e determinar o gosto alheio, é uma forma de agressão.

Uma ex-amiga costumava sempre me dizer, diante de alguma discordância: “reveja os seus conceitos!”. Claro, eram os MEUS conceitos que estavam errados.

Todavia, quando a crítica vem e, de alguma maneira, ela tem fundamento ou encontra repercussão na gente; se é algo que ressoa com a nossa verdade interior, vale a pena mudar. Mas, mudar nos termos de uma melhora, com o que pode ser mudado. Recentemente também aprendi tudo isso, porém, num sentido oposto: se para casar há namoro, noivado, enxoval e cerimônia, para sair de um casamento, de um emprego, da casa dos pais, igualmente é necessário etapa, tempo e planejamento. Ninguém conhece alguém hoje e casa depois de amanhã. Então, o descasar, o desfazer e o deixar também exigem tempo, requer construção. E quem termina no ímpeto, no impulso, bate a porta e sai, corre mais risco de voltar atrás – todo corte requer elaboração...E um castelo requer uma boa base - e fortalezas, sempre fortalezas que o protejam.