Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 17 de março de 2010

Acasos


Lá vou eu no deleite dos homens que eu amo, como Millan Kundera, por exemplo. Mas ele, para mim, é como aquelas bandas de um hit só: só fez A insustentável leveza do ser. O resto, nem perca seu tempo, pode dispensar que não estará perdendo nada.
Aí vem um dos pontos do romance que me deixa apaixonada, claro por identificação:
"Só o acaso pode ser interpretado como uma mensagem. Aquilo que acontece por necessidade, aquilo que é esperado e que se repete todos os dias, não é senão uma coisa muda. Somente o acaso tem voz. Tentamos interpretar o acaso como as ciganas lêem no fundo de uma xícara o desenho deixado pela borra do café.
(...) O acaso tem suas mágicas, a necessidade não. Para que um amor seja inesquecível, é preciso que os acasos se juntem desde o primeiro instante, como os passarinhos sobre os ombros de São Francisco de Assis". (pp.54-55).
Este é um trecho que descreve todos os acasos que uniram Tomas e Tereza.
Por acaso, eu acredito no acaso.
Foi assim que eu conheci ele: por acaso eu precisei estar em Salvador num dia extraordinário, situação fora da minha rotina.
Por acaso eu estava no Iguatemi. Por acaso a gente se encontrou - entre aqueles tantos milhões de gente - ok, ele trabalha lá...e por acaso a gente estava indo para o mesmo lugar.
Numa sequência de acasos ainda maior, ele faz um curso em Lauro de Freitas, onde tem outro ponto de ligação comigo; por acaso somos paulistas...por acaso ele puxou assunto e a gente foi descobrindo um monte de paridades.
Não levei o acaso a sério e me supreendi ontem, quando passei novamente pelo Iguatemi, sem pensar em forçar o acaso e ele lembrou o meu nome, repetiu o tímido beijo de saudação da primeira vez, isto é de uma semana atrás.
Por acaso, ele acerta os meus gostos, mas não por acaso eu suspendi todas as perguntas possíveis, com medo de que a sorte passe.
Ele cursou Biologia e esta foi uma das primeiras coisas que disse a ele: "blablablá, você tem cara de Biólogo". Ele disse que, de fato, cursou Biologia.
Cá para nós, eu não conheço ninguém que tenha cara de biólogo. Nem sei de onde saiu isso, mas o engraçado é que eu acertei.
Ah, se ele soubesse que eu digo que dois pontinhos pretos no microscópio são um PRETOzoário e uma BLACKtéria. Ele me mataria pelo trocadilho bobo. Tomara que ele demore a descobrir que sou bobas, que sou louca.
E quando ele, olhando para os meus livros, me perguntou do meu curso, pratiquei o auto-preconceito e disse: "Já estou muito velha para cursar a universidade regular, sou aluna de doutorado"... e esse foi o fio da conversa que puxou o encantamento dele comigo ou por mim, sei lá, era recíproco.
Fiz igual à Conceição, da Missa do galo (de Machado de Assis): Disse que estava velha, ao tempo em que dizia: eu sei a idade que tenho. Veja a idade que tenho e compare à sua. E isso foi na primeira vez em que a gente se viu.
Por força da ocasião ele havia olhando muito minha identidade, a foto, não os dados - e me perguntou afirmando (!) se aquela foto era do tempo em que eu cursava História. Acertou, e a gente riu dos velhos estereótipos (não consigo segurar a lucidez por muito tempo e ainda falei: "É, acertou. Mas eu nunca fumei nada fora da lei, não.")
Ah, para ser bem sincera eu me divirto demais com os estereótipos (estou reproduzindo os estereótipos correntes, de autoria desconhecida):
História: Curso de maconheiro e sapatão; perfil: delírios marxistas e gente que se acha politizada.
Geografia: Curso de doidões viajantes: fazem viagem de campo, viajam na maconha e aprendem a chamar pedra de rocha;
Matemática: Curso de nerd frustrado.
Letras: Curso de gays e mulheres fúteis, velhas e fracassadas. Perfil: todo mundo é poeta e todos sabem tudo sobre gramática e Língua Portuguesa.
Engenharia Civil: Curso de rapazes comedores, lascadores e congêneres. Perfil: grandes promotores de festas, feijoadas e exímios jogadores de dominó. O curso teria, inclusive, as disciplinas: Introdução do Dominó; Fundamentos do Dominó I e II; Estudos Avançados do Dominó e Dominó e outras linguagens.
Física: Curso da evasão. Quem entra, nunca conclui.
Pedagogia: Curso ginecocrácico, majoritaritamente formado por mulheres loucas para casar, além de bibas e homossexuais ego-distônicos que só vão descobrir que são homossexuais após os 30 anos; curso cheio de ludicidade duvidosa. Perfil: Adoradores de Paulo Freire e sabem tudo sobre educação e psicomotricidade.
Biologia: Prefiro não comentar. Vai que por acaso ele acha o meu blog!mas, sendo biólogo você pode fumar canabis sativa e sair bem na foto, porque o que conta é o nome científico. Paro por aqui!
Enfim, em meus medos e na alegria do encontro dos acasos, retomo Kundera:
"Nossa vida quotidiana é bombardeada de acasos, mais exatamente encontros fortuitos entre as pessoas e os acontecimentos - aquilo que chamamos de coincidências. Existe co-incidência quando dois acontecimentos inesperados acontecem ao mesmo tempo, quando eles se encontram (...)
(...)O romance não pode, portanto, ser censurado por seu fascínio pelos encontros misteriosos dos acasos (como o encontro de Vronsky, de Ana, da estação e da morte, ou o encontro de Beethoven, de Tomas, de Tereza e do copo de conhaque), mas podemos, com razão, censurar o homem por ser cego a esses acasos da vida quotidiana, privando assim a vida da sua dimensão de beleza." (pp.57-58)

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