Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 24 de dezembro de 2018

Ele, ela, elos...




Tenho várias amigas, mas duas em especial, que adoram dar satisfações a seus respectivos pares. Adoram a cobrança sobre onde estão, com quem estão, o que fizeram, etc., e se comprazem nisso sem a menor vergonha. Assumem adorar o grude – gostam de grudar nos outros e que grudem nelas.
O que me parece um sufoco, para elas, significa um fetiche, atenção, prazer...
Não tenho essa natureza. Por sinal, qualquer coisa me sufoca, me afugenta.
Tem uns malucos, onde se incluem muitas mulheres, que defendem a submissão da mulher.
Não pensem que é a submissão política (e o que não é político nas atitudes humanas, né?), é a submissão padrão mesmo, da ‘mulher sábia que edifica o seu lar’, é subserviente, está a serviço do homem, defende o casamento com unhas e dentes mesmo que ele não valha nem o esmalte com que pintam as unhas...Elas acham que a mulher atual “perdeu a essência” e isso não lhes cheira bem.
Quando traídas, culpam ‘a outra’, como se o homem, pobrezinho, não tivesse escolha, não tivesse saída, fosse indefeso nas garras das sedutoras oferecidas, uns coitados que não podem dizer ‘não’.
Elas se ajoelham para o sexo oral, em sinal de submissão, mas não têm reciprocidade. Casam com esse grande homem que sexualmente não faz nada pela mulher e guarda o melhor do sexo para as amantes.
Mulher sábia engole sapo. Engole outras coisas. Adoece sexualmente e não sabe como isso aconteceu.
Que fique claro que não é por ser mulher que a pessoa defende as mulheres, nem deseja igualdade entre as partes.
Acham que é assim, que na natureza é assim também, que está escrito que é assim que deve ser.
Não é preciso ser feminista, nem ser afetada ou amarga para notar que esse modelo de comportamento machista e patriarcal escraviza as mulheres.
Aquele filme velhíssimo, chamado “Mulheres perfeitas” mostra bem isso: o modelo de mulher perfeita. Perfeita demais para ser normal. O final do filme dá as resposta: o modelo é feito por homens.
Os amigos machistas eu não saberia contar quantos são. O poeta também é e tem ficado pior.
Hão de me perguntar: “mas você está há três anos com um sujeito machista?”. Eu vos direi: ele encobria. Mais ainda: vivo há décadas com os sujeitos machistas de minha família – de minha rua, da escola, da universidade, do planeta. Tenho uma tia especialmente machista e espetacularmente hipócrita, que conta um história ridícula de que saiu virgem do primeiro casamento, porque o marido era doente e mal respirava. Desta tia, lembro que levantei desesperada numa noite, quando eu tinha 11 anos, porque ela gemia e chamava o nome do então namorado e eu, criança, achei que ele estava batendo nela...Até chegar à porta do quarto e perceber que aqueles gritos não eram de dor...
Uma santa que gritava alto, hein?
Esta tia se vangloria da pureza delongada. Machista, defende um modelo de mulher afinado com a vontade dos homens.
Então, meu poeta veio com umas revoltas chatas, a reclamar de minha independência, do meu jeito, de minhas respostas, de minhas atitudes e ainda teve o desplante de sugerir que a mulher domina o homem quando, sexualmente, está por cima dele. Não teria proposição mais ridícula, ainda mais porque eu sou mulher e não tenho como propósito dominar ninguém – no máximo, busco domar meus instintos e dominar meus ímpetos.
Não vejo graça em escravizar, em mandar em alguém.
Outra coisa que me deixou estarrecida foi quando, por duas vezes, O poeta me induziu, pedindo e sugerindo com gestos e posturas, a colocar comida na boca dele – sim, eram sobremesas e era eu quem estava comendo...Mas não sei dizer como isso me espanta.
Duas interpretações possíveis: alimentar alguém é coloca-lo na condição de criança, de filho, a quem se dá a papinha na boca;
Outra interpretação é a de que ele se porta como dependente, como se estivesse inválido, fosse incapaz de se alimentar sozinho. Freud diria do mais óbvio, da fixação na fase oral e seus desdobramentos. Todavia, só em citar isso, me apavoro.
Não gosto de gente que não manda em si mesma. Algo que deveria ser prioridade em nossa cabeça é isso: a vida da gente é nossa.
Você pode ter filho, mãe doente, parentes dependentes, todo tipo de contexto que funcione como meio coercitivo do exercício de sua liberdade e de sua vontade, mas a vida é sua.
Não é por egoísmo mas, por mais que a gente ame alguém, antes de todos, de todo mundo, a gente deve amar à gente. Se declinarmos disso, iremos, depois, culpar os outros por nossos destinos.
Não serei eu a ditar como as pessoas devem ser, mas sei muito bem que modelos eu não vou reproduzir e a que forças não irei ceder.


domingo, 23 de dezembro de 2018



Parece um padrão, de tão repetitivo que é. Predomina mais entre as mulheres que entre os homens e todos nós conhecemos alguns casos bem próximos: as pessoas vivem o máximo possível de luxúrias, se deleitam sem pudores no sexo, se largam no álcool, nas drogas, nas badalações, nas atitudes ilícitas, nas irresponsabilidades desenfreadas e nas mais altas inconsequências e, de repente, um dia, alegam que ouviram um chamado de Deus. Pronto: vão limpar a ficha numa religião qualquer, mas nas protestantes sobretudo. O passo seguinte é condenar nos outros tudo aquilo que elas já fizeram.
A seguir, se tornam fiscais do sexo alheio, controladores da liberdade, das ações e das atitudes e, em boa parte do tempo, vão cometer tudo que cometiam antes, porém escondidas sob o véu da hipocrisia. Só encerram a carreira de mundanidades quando estão velhas, fora de circulação.
Oram como os grandes fariseus: gritando, se exibindo, colocando Deus antes de tudo, em suas palavras mas nunca nas atitudes reais.
Em minha rua tem dessas pessoas.
Em minha família tem dessas pessoas.
Elas estão por toda parte.
As que fazem trânsito religioso são ainda piores: condenam amanhã as atitudes da religião que as abrigavam hoje. Tornam-se detentoras de verdades absolutas, monetarizam seus arrependimentos e as ressacas espirituais que carregam porque, depois de muita peregrinação entre segmentos espirituais e em pecados paralelos (ah, elas acreditam em Pecados), colocam culpa nos outros, são supostamente bastante íntimas de Deus, senão por fé, por medo do Inferno.
Acreditam no jejum, que fazem alardeando, como se fosse uma greve de fome em favor da humanidade - certamente por pensarem que Deus ganha muito se elas declinam da gula, do que ganharia se, ao invés de passar fome para se exibir para os outros, dessem comida a quem realmente tem fome. Desse tipo aí, tem na minha rua, na família, entre os meus amigos...
Estou falando nisso porque estou no meio do período mais hipócrita do ano, onde essas coisas se repetem.
Para alguns, tudo isso é necessário: os rituais fazem com que eles creiam mais em si mesmos. Uma fé ostensiva, para os outros verem, podem convencê-los de que tudo aquilo é verdade: precisam do rito, dos símbolos e das testemunhas.
Mas, também conheço poucas mas verdadeiras pessoas religiosas. É que elas são discretas: não estampam fé em camiseta, nem em adesivos de carro, não esfregam na cara dos outros a oração feita em favor deles, nem fazem caridade para aparecer em coluna social.
Desses não há em minha rua.
Desses não há em minha família. Mas, asseguro que existem.
São respeitáveis, amorosos, caridosos, tudo naturalmente. Acho que Deus deve morar neles, até porque não se tornaram o que são por arrependimento, por hipocrisia, por dor, para limpar a ficha, por medo do Inferno...Por isso são poucos. Mas, é gente em que boto fé!

sábado, 22 de dezembro de 2018

Quem convidas para a tua mesa?



A liberdade é uma casa de muitas portas. Muitas vezes, a gente diz: “Livre-se disso!”, como se fosse apenas um ato de jogar fora, se esquivar de uma situação, deixar uma pessoa, um hábito, um vício, um lugar...
Livrar-se de algo é, realmente, ficar livre daquilo, consolidar a própria liberdade. Por isso, reitero aqui uma afirmação de tempos atrás: exerça sua liberdade de não querer, seja lá o que for.
Exerça a sua liberdade plenamente, analisando, antes de tudo, que necessidade você tem de manter ou de se manter preso a seja lá o que for.
A gente muda. Muda a nossa percepção. Até o amor muda e muda de forma tão premente, que acaba – em alguns casos, acaba mal. Mas, na maioria dos casos, vale a pena.
Se o amor se tornou algo pesado e chato, é que já não é amor. Bem assim a amizade e o contato com certos parentes.
Uma coisa é o cerimonial, o ritual, a burocracia dos contatos...outra coisa é você ter que suportar o convívio. Este último é sempre alternativo. Mesmo que a pessoa more perto de você ou trabalhe em sua repartição – desgastante, eu sei, ignorar a pessoa ou não dar bola à presença dela, mas não é necessário prolongar esse convívio. Não leve quem te desagrada para a sua casa, para o seu dia...
Há amizades unilaterais: você gosta do amigo. Ele pensa que gosta de você e, entretanto, tem posturas autoritárias, nunca é concessivo ou, simplesmente, é uma pessoa chata e egoísta, que adora ser servida e que se acostumou a decidir tudo por todo mundo. Às vezes, esses tiranos são bem enturmados, por situações prévias, de infância, de outras coisas – e é claro que mesmo os amigos mais malas têm qualidades que nos atraem para o rol das amizades e que a gente põe na balança...Outros, não: a gente gosta deles apesar das falhas. Mas, por ser amizade unilateral, uma hora a gente se pergunta se precisa mesmo se submeter àquilo, aturar aquela pessoa chata, ruim...Há os egoístas máster, que colocam a gente na lista dos programas, mas o comando é deles, só se ouve no carro o que eles determinam, só se faz o roteiro de lazer e viagens que ele quer...Não é uma coisa suportável. Pergunte-se se você precisa disso.
Agora é período natalino. Época de eclosão da hipocrisia. Alguns sapos, a gente engole, por conta da boa educação  - programas ruins, trocas de presentes com gente odiável, contenção de mágoas em eventos sociais, correspondência aos falsos votos de gente que, sabidamente, torce pelo nosso mal e pelo nosso insucesso...Eis-no abraçando gente escrota. E o que eu digo? Relaxa, que isso passa. São sapos que a gente engole, às vezes, para favorecer as aparências, a harmonia social, para agradar nossa tia boazinha. Lembre-se sempre de manter distância, não se expor ao veneno...
Outra dica valiosa: não caia na tentação de ostentar sucessos, ganhos, conquistas... Não vale a pena esfregar na cara dos outros. Uma hora a notícia chega sozinha aos ouvidos que precisam saber.
É a coisa mais clichê que se pode dizer ou esperar, mas “O tempo é o senhor das verdades”. O tempo é um grande mestre que sabe mexer as peças do tabuleiro, revirar lugares, confirmar suspeitas, desfazer equívocos e ilusões...
Ter fair play ajuda também. O ajuste de contas pode ser nosso, conosco, introspectivamente...Ou pode ser externo, mas, se você não está tão bem quanto gostaria, assuma sua parte nas causas da situação atual. Perdeu a a partida, mude a estratégia ou saia do jogo.
Não adianta sonhar: para algo mudar, você precisa contribuir.
Antes de qualquer coisa, livre-se do que não lhe serve mais ou de quem você não quer mais ser serviçal.
A gente sempre deve saber a hora de deixar a mesa, seja por estar satisfeito ou por perceber a insatisfação. Cuida, também, de escolher direito quem convidas para a tua mesa: não é preciso partilhar presenças incômodas, que tornam o momento indigesto.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Vale somente o que está escrito



Lá se vão as livrarias brasileiras, fechando, pedindo concordata, abrindo falência.
Já dei aula de Leitura e produção de texto, assim como de Literatura Contemporânea: duas grandes experiências para que quer saber quem é quem no mundo das Letras. Minha conclusão contraria o politicamente correto: defendem por aí, que as pessoas leem mais hoje em dia; que os recursos digitais multiplicam as leituras, que as pessoas leem por meio de textos, imagens, sons, tudo que compõe o hipertexto...
Dizem, também, que as pessoas leem tanto, que qualquer cidadezinha tem sua Feira Bienal do Livro, além dos tantos Festivais de Livros que pipocam no país.
Meu diagnóstico, porém, é este: as pessoas não leem quase nada fora do universo da autoajuda. Leem muito mal e a fórceps os conteúdos acadêmicos. Escrevem tão mal quanto mal leem.
E o que fazem, afinal, nas Feiras Bienais do Livro e seu congêneres? Ora, tiram selfies.
Mesmo fenômeno que acompanhou as grandes frases de Clarice Lispector jamais ditas ou escritas por elas: devido ao lugar privilegiado do universo letrado, do peso desse capital simbólico que é deter a cultura formal, parecer que lê é fundamental.
Há muitos autores e muitos livros, sim: sustentados no esforço individual de patrocinar a produção, nuns casos; na egolatria autoral, em outros...Tem bons autores e bons livros, na disputa plena por um espaço. Entretanto, o espaço literário é uma área negociável em que nem sempre os qualificativos verdadeiros vencem as viabilidades financeiras.
Livro também dá lucro. Não obstante, não é um objeto cultural barato
Amo livros.
Nunca deixei de comprar livros, mesmo na maior das crises.
Hoje, leio menos do que eu gostaria, do que deveria, porque preciso focalizar nos livros diretamente relacionados ao meu trabalho e às disciplinas que ministro; e nos livros de minha formação espírita. Mas, em paralelo, vou lendo uns livros que me devo.
Minha meta é ler o livro de Isabela Figueredo, chamado “A gorda”, que é um romance português contemporâneo
Também me devo uns livros de António Lobo Antunes, como “Memória de elefante” e “Da natureza dos deuses”.
No momento estou lendo “Os sofrimentos do jovem Wether”, de Goethe; e já comprei uma edição linda e completa de Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos.
Ler é preciso. Juro que me diverte, que aprendo...sempre aprendo...
Entendo, porém, que as pessoas, em sua maioria, pensam que ler é chato, principalmente porque requer concentração, esforço de compreensão...E o povo brasileiro não é muito chegado a esforço algum (lembram? Lei do Menor Esforço. Logo, querem emagrecer sem exercícios e sem sacrifícios; ter bônus sem ônus; se formar sem estudar, etc.).
Mas do fechamento de tantas filiais de livrarias, eu queria mesmo dizer que sinto muito, que adoro os ambientes de livrarias e adoraria ainda mais se não houvesse um vendedor grudado em mim, tirando minha liberdade e que, em sua maioria, eles pudessem saber classificar os livros que vendem...
Livros e café: mistura boa que consola e cura; parte importante de um lazer gostoso, tanto quanto a música.  E houve um tempo em que eram livros e CDs...
Não há PDF que substitua o livro físico, aquela relação que Clarice Lispector descreve em “Felicidade Clandestina”: o livro é um amante, é um amor, um companheiro...Os que não nos agradam, a gente larga; os que nos prendem, nos acompanham.


terça-feira, 13 de novembro de 2018

A outra parte do jogo



Todo inferno, para mim, são as angústias. Ninguém está livre delas. Elas sempre nos espreitam, embora haja tanta gente querendo dopá-las com cerveja.
Eis-me de novo à Psicanálise.
Não deixei o consultório por me achar acima das angústias: é que elas mudam de cara, de casa psíquica...
Por mais que estejamos felizes, plenos, em paz...são meras tréguas de validade indefinida.
Às vezes a gente desvia das próprias angústias, para ajudar os outros e para isso fomos feitos.
Hoje em dia lido melhor com as angústias dos outros, apesar de eu nunca ter sido indiferente. Já me envolvi com as angústias alheias, em demasia, por uma empatia não com a causa, mas com os sintomas.
Da velha casa, de que tanto me queixei neste blog, das ruínas, dos escombros, não ficou nada. Tudo resolvido. Quando a psicanálise du tudo que podia dar, veio a vida real e me trouxe uma parte desconhecida de minha família materna, como a peça final do quebra-cabeças que nunca me distraiu.
Tudo certo.
Tudo em paz.
Até as pazes com Deus, finalmente, veio: entendi que tudo foi o que deveria ter sido. Sem sortes, sem privilégios, sem preferências...tudo justo.
Minha causa na psicanálise agora é outra, toda minha. Como seres relativizados e relacionais, encontrarei minha família, de novo, nas estradas da minha questão atual.
Sei é que adoro ser sozinha.
Sei que preciso estar sozinha.
Queria apenas ter o direito a isso.
Acho que se eu fosse criada pela família de minha mãe, teria sido muito infeliz, porque tirariam minha liberdade.
A família paterna, negligente, me deixava livre. Pude estudar. Poderia ter me drogado, por exemplo...Mas, pude estudar, como poderia qualquer outra coisa, já que os perversos olhos punitivos de minha madrasta eram também de extrema negligência.
Se a gente bem soubesse que a liberdade vale qualquer preço, não se prenderia à toa.
Eu me arrependo profundamente das poucas vezes em que forcei uma barra, em que inventei romances para preencher vazios, em que me enrosquei com gente que não tinha nada a ver comigo, gente repulsiva e disponível, que me distraía das angústias reais ou que, descaradamente, aceitava o pacto e gostava de ser usada.
Pelo menos, nunca fui de maltratar ninguém. Porém, meus desafetos são claros.
De quem não gosto, não gosto.
Causa-me o maior mal-estar com um dos casos do passado, hoje amigo ou gente de meu convívio, vem recordar detalhes de noites perfeitas, de filmes, músicas, cheiros e gostos de momentos fugazes e errados para a minha consciência...
Também tenho vergonha do segundo homem que quase amei: depois de textos caudalosamente escritos, visceralmente escritos numa sinceridade absoluta, acabado o interesse, jamais gastei mais que meia dúzia de palavras com ele.
Há que se dizer, fiz por onde: ele saiu de meu pensamento e a atenção é proporcional ao interesse. Não me interessa mais. Nenhum deles. Acho que, como passado, os que não viraram meus amigos, sobreviveram em meu interesse por conta de revanches vingativas...passou. Não me interessam mesmo.
Sigo com o Poeta, que às vezes quer mudar o ritmo do jogo, que pensa que dá as cartas...ora, não sabe ele: quem corta sou eu!


domingo, 28 de outubro de 2018

Fair play!



Talvez devêssemos mesmo guardar uma certa distância das pessoas, para evitar devassar as verdades de cada uma. O excesso de intimidade vaza as películas das verdades ocultas, das verdades encobertas...
Se agora reclamamos das inimizadas extra e intra-familiares, foi porque finalmente enxergamos aquele preconceito outrora abafado, louco para sair pela boca afora, mas impedido pela educação, pela vigilância do politicamente correto. Mas ele estava ali. Bastou uma eleição, uma identificação ideológica e o monstro saltou para fora da cela.
Também na vida a dois, seria preciso que não desejássemos saber de tudo, conhecer tudo sobre o outro...nossa curiosidade nos suborna, faz tirar a pele do cordeiro e encarar o lobo, o chacal devorador, que silenciado, dorme oculto nas sombras dos bons relacionamentos.
Já desfiz uma amizade tristemente, porque o amigo, do sexo masculino, interpretou minha educação e descontração como sendo uma declaração de amor. Tenho vergonha até de falar, mas só tive um amor na vida. A vida tem muitos amores, sim. Mas aquele amor que bate, modifica e transtorna o ser, só tive um.
Amor não anda livre pela esquina, aos montes...
Gostar do Poeta, eu gosto. Amar não anda fácil.
De repente vem o desconforto da má interpretação e, para evitar novas confusões, nem ‘bom dia’ eu dou mais ao amigo citado. Deus me livre! Ainda mais, que nada nele me atrairia como homem – ficou, pois, na admiração pela inteligência e criatividade, apesar dele não ser feio. Amigo é amigo, não flerte.
De outra amiga, fica a consideração em meu coração: gosto dela, vou gostar eternamente... Mas, hoje em dia é preciso bem pouco para que eu perceba o pouco-caso, a distância...Então, viajei para cidade em que ela mora, curti o que havia a curtir, mas não a procurei nem a procuraria jamais.
De outro modo, há também os laços desfeitos que te libertam das pessoas ‘pesadas’. São os amigos interesseiros, oportunistas, que estão mais interessados em terem alguém para dividir a gasolina do que partilhar a amizade real. São aquelas pessoas mofadas, que nunca fazem nada por nós, nunca saem, nunca partilham, exceto em causa própria, incluindo a gente nos programas e nas viagens apenas para reduzir o impacto financeiro dos gastos.
Meus amigos reais permanecem em minha vida. Pode ter a crise que for, eles estão comigo no desemprego ou na fartura, na alegria e no transtorno, dando força durante a fraqueza e dando porrada na hora em que não me emendo e insisto num erro. Estes são meus irmãos verdadeiros, a família real, fora da consanguinidade, não há distância que afaste ou derrube.
Acho que precisarei muito dos meus amigos, agora que o Brasil revela sua simpatia por um tirano. Serão quatro anos ainda mais difíceis para o cidadão comum, especialmente para os que não se deixam levar pelas parcialidades que atraem os incautos. Mas, enfim, estive do lado certo do front. Fair play!

sábado, 6 de outubro de 2018

Para quem precisa...




Andei em contato com ex-colegas de trabalho, do tempo em que fui militar. Encontro por acaso, num show da Legião Urbana, há uns quinze dias e me colocaram no grupo do povo.
Que o Brasil está dividido, todos sabem. Mas, o nível da lavagem cerebral a que a coisa chegou, é estupenda. Todos fascinados, comprando briga, abdicando do respeito, abrindo mão da racionalidade...
Claro está que o “Coiso” vencerá as eleições. Chamamos o candidato da extrema direita de “Coiso” para não promover o nome dele na internet.
Por mim, quem quiser que vote na sua própria avó. Para um país que suportou Michel Temer, nada mais surpreende. O caso é observar gente que estudou História, Geografia, Sociologia, votando no Coiso e afirmando os preceitos do programa de governo dele, que nega o mal da Ditadura, que defende o armamento da população (opa, devo dizer que, sim, isso é bastante inteligente: a segurança pública fica a cargo de cada um. Interessante isso, porque já resolve um problema para o Governo Assim, cada um que se defenda); que subestima as mulheres e os negros, os nordestinos, os pobres...
Desta vez, porém, apesar do citado aglomerado de gente cônscia que votará nele (no Coiso), finalmente nenhum FDP poderá colocar a culpa na classe média – porque, no Brasil, até desastres naturais são culpa da classe média, se o bolo não crescer, a culpa é da classe média, tudo na política é responsabilidade da classe média. Enfim, tem pobre, negro gay, nordestino, mulher, todo mundo declarando votos para o Coiso. É uma paixão daquelas bem cegas, é uma síndrome de Estocolmo coletiva.
Por outro lado, o que tem no outro ângulo do cardápio? Gente que teve a oportunidade de governar e perdeu o poder da noite para o dia; gente moderada e gente exasperada; gente clichê e gente delirante, de modo que fica mesmo difícil apostar em renovação.
Ainda que o Coiso não ganhasse, nada mudaria para melhor com um novo presidente. De fato, acho até que o resultado das eleições é um dado secundário, frente a um dado maior, expresso no quanto os brasileiros querem ter porte de armas, sim; querem liberdade para dizimar ladrões; querem declarar abertamente seus preconceitos (para eles é mera opinião) contra homossexuais, mulheres e negros; e os pobres concordam com isso, até endossam opiniões conservadoras. Este é o país real que o politicamente sufocou, achando que basta evitar palavras, basta vigiar declarações, que o racismo acaba, que a homofobia acaba. Este é o povo, que também anda cansado dos mesmos e pensa estar elegendo outros.
Embora eu não vá votar no Coiso, embora eu não pense assim, também sou povo. Minha família é povo (e que povo ruim), meus alunos são povo, meus amigos são povo...o povo é isso, essa massa rude e heterogênea de gente que pensa salvar o barco do naufrágio cuidando apenas do seu próprio lado. Tenho pena de nós... Tenho pavor os meus parentes e amigos fanáticos.
Confirmadas as expectativas, é tempo de aturar as trevas.

sábado, 15 de setembro de 2018

O preço da avareza



Por um daqueles lapsos que a gente não sabe como veio e como ocorreu, me vi praticando a avareza.
Ora, se tem algo que acho feio, ridículo e imperdoável, é a pessoa ser pão-duro, mão de vaca, sovina, avara.
Essas pessoas que, a despeito de economizar, compram tudo de terceira qualidade, de terceira mão, de quinta categoria, argumentando que o efeito é o mesmo dos gêneros de primeira qualidade – para alimentos, roupas, sapatos, diversão...
Daí que eu estava no supermercado e hesitei em comprar o queijo caro fracionado. Opa, era fracionado. Logo, o preço era caro e a fração, sim, mas nem tanto.
Cinco dias antes, hesitei em comprar o lanche da companhia aérea pela qual eu viajava (LATAM), porque dar 16 reais num misto é uma afronta! Mas juntei uma ocasião e outra (embora eu tenha comprado o lanche e o queijo) e vi que, se hesitei, eu estava avara como as pessoas que conheço. Apenas com o diferencial de que as pessoas que conheço e são avaras, fariam e fazem qualquer coisa por dinheiro, inclusive desonestidades de todos os tipos, especialmente contra estabelecimentos (um troco não devolvido, uma mercadoria ou prato não lançados na conta, ficam automaticamente em omissão...
Sorte a minha que me enxergo – talvez, meu ano da guarda tenha soprado ao meu ouvido aquela advertência salvadora para que eu me corrigisse.
A vida custa caro e a inflação excede as estatísticas oficiais, em que não cabem mesmo os custos reais da vida cotidiana. Mas, um perfume original será sempre original, ainda que a imitação seja barata e parecida; as coisas que nos dão prazer, que trazem resultado, mesmo tendo seus substitutos, não aceitam imitação,

quarta-feira, 8 de agosto de 2018

Sim, eu posso!



Comecemos por um fragmento de música de Belchior (Comentário a respeito de John) com o qual muito me identifico: “Saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu decida a minha vida!”
Normalmente, não me meto na vida de ninguém.
Se discordo de algo, fico na minha, em silêncio...muito raramente comento e, muito menos, vou tirar satisfação ou impor meu ponto de vista.
Não consigo entender a perplexidade das pessoas diante do fato e eu não querer ter filhos. Sim, eu posso simplesmente não querer. Não quero!
Sinto muito, mas nunca foi minha meta. Eu não vou me submeter ao desejo dos outros para e enquadrar nas exigências sociais. Para mim, não há o “Woohoo, filhos!”. Não quero. Desde os 13 anos eu já pensava isso. Boa sorte para quem quer, quem tem...Impor condições não vi me fazer mudar.
As pessoas convictas da maravilha que é ter um filho perdem seus respectivos e preciosos tempos para me converter e me converter. São piores que vendedores de lojas de departamento querendo impor nossa adesão a cartões, porque precisam atingir a meta. Ora, suas decisões são ótimas...para a sua vida. A minha é minha.
Imagine se eu fosse obrigar todo mundo a ter doutorado ou a ser espírita? Pois é.
Eu não sei de onde vem nossa personalidade. Sei que ela se transforma, em certa medida, pelas experiências e vivências individuais.
Sei, também, que a pressão social exerce força sobre todos nós. Contudo, se ainda tenho liberdade, faço escolhas que nem sempre vão coincidir com as da maioria.
Não quero ter filhos. Não gosto de grude. Não faço visitas. Não gosto de receber visitas. Não quero casamento. Gosto de namoro. Gosto de ficar sozinha. Gosto de ficar sozinha e em paz em minha casa. Não gosto que ninguém mande em mim, nem em minhas coisas, por isso, gosto muito do que é meu – isto posto, não cedo a invejas, porque só tenho poder sobre aquilo que é meu. Desta forma, a vida todo fui assim: eventualmente, posso até pedir algo emprestado, mas logo compro o meu, para eu poder dispor daquilo.
Há coisas que a gente pode socializar e outras que só fazem sentido se compartilhadas. Eu nunca seria a pessoa, porém, que pega seu barco, iate ou lancha e se manda no meio do mar, em viagem solitária. Mas, eu seria a pessoa que pega qualquer avião ou o próprio carro para ir à praia sozinha, para fazer uma boa viagem sozinha, para ir a um show sozinha...porque odeio dependência.
Não sou dessas pessoas que deixam de ir às festas por não ter companhia. Exceto se for um lugar em que vão me importunar – pessoas sós sempre têm que lidar com gente que acha que a gente precisa da companhia delas, é tipo quando a gente quer ficar em paz, chorando, e aparece alguém para consolar e impedir o processo natural de encarar as dores da vida. Entendo os que o fazem de bom coração, mas quando eu preciso de ajuda, peço.
Sou carinhosa e amorosa – com gato, com gente, com quem vier – e o fato de eu gostar de ser e de estar só não me torna pouco sociável, amarga, mal humorada, seca ou fria.
No amor eu sou assim: presente, intensa, companheira...até já tive ciúme...Mas se o outro não esboça a vontade de estar comigo, ainda que a ruptura possa doer, eu deixo a pessoa em paz.
Quem quer a gente, fica com a gente. Forçar a barra, impor a presença, querer obrigar o outro a amar a gente são expressões toscas de um egoísmo tacanho (para mim, é como se o insistente dissesse: ‘Quem você pensa que é, para não desejar ficar com alguém tão maravilhoso, poderoso, perfeito e especial como eu?’ ou mesmo “eu só vou insistir porque eu tenho certeza de que uma hora você vai notar que eu sou o melhor para você!”). É o louvor ao ‘eu’.
Para mim, é igual às referidas pessoas que querem me obrigar a ser mãe porque o certo é ser mãe, porque toda mulher quer ser...
Ora, pensamento e convicção tacanhos! Acham que eu estou perdendo algo...Sim, estou perdendo: a paciência.


quarta-feira, 25 de julho de 2018

Ah, meu Deus!



Bem, como me assumo espírita, preciso reiterar que aquela base do espiritismo, que prega a fé raciocinada, é o que me faz aderir à doutrina.
Não concebo um Deus burro, incoerente, injusto...Mas também não perco meu tempo para explicar isso às outras pessoas.
Isso de religião e de fé, é coisa muito particular. Cada um que faça a sua viagem. Também o espiritismo prega que o espírita não deve jamais tentar converter ou convencer alguém. Nada de proselitismo. Isso também me agrada.
Para ser espírita é preciso estudar.
Não vemos fantasmas nem cremos em almas penadas, infernos, demônio ou pecado original (aliás, né, minha gente, a vida tem mais é pecado falsificado mesmo!). Tudo tem explicação lógica, se encaminhando pelas leis da Física, da Filosofia, da Química, da Psicologia e da racionalidade.
Há respostas que não temos. Há respostas que a Ciência modificará, dada a transitoriedade de nossa capacidade de apreender o mundos, as leis, Deus...
Fiz esse preâmbulo porque o meu primo Machista júnior agora é protestante da igreja Universal.
Eu dei os parabéns a ele.
Não preciso falar da distância de nossas crenças e dos nossos pareceres, mas fiquei feliz por ele, justamente porque a cada um é dada a escolha de seu caminho.
Uma vez eu disse isso aqui, que sendo eu uma pessoa de poucas invejas, me convenci de que não posso ter nenhuma inveja, porque a vida de cada um, é de cada um. Não há injustiça: é que a vida de Cláudia é a vida de Cláudia, é a realidade dela, a necessidade dela, o mérito ou fardo dela; A vida de Ana, Patrícia, Bárbara, Margaret, é de cada uma e, por conseguinte, é construção e caminho espiritual que segue a tônica do ‘a cada um segundo suas obras’. Não há loteria espiritual...
Isso me sossega.
Decerto, enfrento gente ignorante? Todos os dias. Especialmente os que se julgam pertencer à religião certa, à interpretação bíblica certa, enfim, às ortodoxias...Diante das quais, me inspiro nas lagartixas e somente balanço a cabeça.
Mas, aí está: também vou confessar minha ignorância. Eu não sabia que o Espiritismo distinguia com tanta clareza a natureza dos sonhos, a saber: quando ele é alegoria do inconsciente; quando vem do subconsciente; quando ele tem natureza espiritual em si, metaforizando ou esclarecendo, por exemplo, conteúdos de vidas passadas.
Fiquei ainda mais feliz: não somos simplificados nem mistificadores.
Essa é a minha escolha. Dá vontade de dizer aos outros: "esta é a minha escolha!Favor me deixar em paz como eu vos deixo com suas respectivas escolhas."
Então, gosto desta paz da independência e da liberdade de escolha. Cada um na sua!
Não gasto meu tempo nem minhas palavras para interferir nas escolhas dos outros, nem me valho de argumentos rasos para criar polêmicas. Estar em paz é deixar os outros em paz.
Gosto de ser instada a estudar. Adoro a descoberta: é meu jeito de aumentar a minha paz.

terça-feira, 24 de julho de 2018

Par, entes: entre parênteses



Voltar ao blog é voltar para casa. Nunca deixei a casa, mas precisei viajar: o tempo tomado pelos caminhos do trabalho.
Nunca convidei ninguém para vir aqui, ler coisa nenhuma. Nunca fiz propaganda do blog...Gosto desse quase anonimato e não sou de chamar visitas à minha casa. Outrossim, considero, também, da seguinte forma: se a pessoa gosta de determinados conteúdos, vá aos referidos conteúdos. Quem não gosta dos meus conteúdos, basta não vir aqui, porque não sou eu quem está visitando...
Faz parte da liberdade ter escolha.
Eu me sentiria ridícula coagindo.
Não convido ninguém para ler meus artigos, nem exibo troféus de publicações, aprovações ou títulos acadêmicos. Nem me interesso por fazer propaganda (marketing pessoal), nem pretendo causar inveja. Mas, aí sou eu. São minhas escolhas.
Falando nas escolhas, anos vão e vêm; décadas passam e as pessoas prosseguem com seu parecer estúpido sobre a minha vida, afirmando que algo me falta por eu não ter filhos nem casamento.
Desde os 13 anos, minha consciência já era essa: nada de filhos, nem de marido. Nada tenho contra as famílias, mas nunca essas coisas estiveram em minhas metas. Naturalmente. Nasci assim. Não fui criança de brincar de dona de casa, nem tive boneca bebê. Nunca me deslumbrou esse negócio do matrimônio – exceto como vaidade, porque eu achava bonitinho as minhas amigas de adolescência com aquelas alianças. Só.
A família da minha mãe me encontrou.
Gente que eu jamais vi, que eu nem presumia que existia...Gente carinhosa, tios, tias, primos...Eles fizeram buscas, usaram o serviço de inteligência da polícia e, se nada disso fosse suficiente para completar a minha alegria, revelações sobre o período que antecedeu à morte de minha mãe serviram para eu, finalmente, dar razão ao meu pai, ouvir declarações inéditas dele e me reconciliar com ele em definitivo, sem nenhuma marca de mágoas prévias.
Por questões de privacidade, não vou contar todos os detalhes, mas focalizo no seguinte: também os parentes que recuperei e ganhei não entendem minha solidão.
Gente, eu gosto de ser só. Eu fui filha única o tempo inteiro; eu convivi com uma família numericamente reduzida, eu acho excitante estar só, eu não suporto fazer visitas, receber visitas, conviver prolongadamente com alguém...aliás, um homem, para mim, deve sempre saber a hora de ir embora. Por isso, casamento, para mim, é inviável.
Namoro é uma delícia!
Gosto de sentir saudades, de planejar o encontro, de dormir junto de vez em quando e aproveitar a presença do meu par, das partilhas e das esperas, do meu tempo para mim mesma, de minha casa para mim mesma, de estar só.
Daí vem minha família e me põe no grupo de what’s app da família e toda hora alguém quer conversa com essa novidade chamada eu.
É muito bom ter quem se importe conosco...Mas, não dá para ser esse grude, essa rodada de prestação de satisfação, esse interrogatório constante...
Ando atarefada para fechar o semestre letivo numa universidade pública e começar um outro em outra universidade; meu poeta está doente há semanas, com uma virose absurda, que me obriga a atenções e paciências; de quebra, essa surpresa em minha vida. Não dava para escrever, em mesmo tempo para o Facebook sobrou.
Mas, estou feliz. Estou grata a Deus pelo novo capítulo...vamos escrevendo outras páginas.


sexta-feira, 22 de junho de 2018

Todo tempo




Bom, também não sou preparada para o envelhecimento de meus alunos e ex-alunos.
Quando eles estão na faixa dos 20 e nós, professores, na faixa dos 30 anos, dá para administrar com normalidade a vida. 
Aí eles passam aos 30 e uns; e chegam mais perto de nós, de um modo que as linhas demarcatórias das idades já não são nítidas.
Não fui preparada para isso.
Para mim, serão eternas crianças. Por isso, dói ver os que envelheceram, contrariando nossa clara diferença...Meus alunos, outrora cabeludos, com penteados exóticos, descambam para a calvice...
O tempo, mais generoso com as mulheres, desenham perfis maduros, contorna olhos com rugas e põe cansaço em fisionomias que já foram leves, pueris...
Preocupações outras, que não mais o ingresso no mercado de trabalho ou o destino nas pós-graduações, mas o peso dos divórcios, das separações, das perdas sérias, dos conflitos interiores intensificados pela mão pesada das responsabilidades com a família...
E, sim, aqueles que modificaram a cara, mas não a situação, de modo a se tornarem crianças irresponsáveis, dependentes, que marcaram passo no tempo sem sair do lugar, como sob uma brisa fria de naftalina e do pó dos sepulcros dos sonhos renunciados.
Neste ponto, queria que o tempo só passasse para mim.
Mas, é isso: tudo passa e nós passamos.

Minha cara!



Depois de muitos anos, mudei a foto de perfil do Facebook.
Que não se conclua que não o fiz antes por aquelas razões banais, do tipo aparentar estar anos mais nova: tive amor à foto, tirada por Marluce. Tenho um respeito imenso por quem me fotografa, quem pacientemente entra no jogo das imagens, com interesse, carinho...
Não sou mais aquela pessoa, aquela mulher no espelho: é uma foto bonita, de um momento em que me libertei de um grande e único amor vivido. Era alforria. Era a foto do soldado que volta vivo e vitorioso da guerra, mas com feridas e traumas.
Respeito minhas guerras e meus hematomas.
Olho, com espanto, meu pai e meus ex-professores usando fotos de 30 anos atrás nos perfis de Facebook, de What´s App, e penso que eles estão como Cecília Meireles, a perguntar “em que espelho ficou perdida a minha face”. Creio que é uma das coisas mais tristes da vida, esse momento em que a pessoa não reconhece a si mesmo no corpo que o tempo transformou. Esta não-identidade que leva a loucuras, do tipo dizer que “a juventude está na cabeça”, para driblar a decrepitude inevitável do ser.
Não quero aparentar desleixo. Adoro a vaidade estética e acho que todo dinheiro gasto em se sentir melhor, mais bonito ou mais jovem, vale a pena. Mas é preciso aceitar a idade que se tem.
Pode não parecer, mas os homens sofrem mais com isso: não somente pelos cabelos que o tempo leva, pelas rugas que o tempo traz, pela diminuição da resposta física ao sexo, mas porque eles fingem que só as mulheres envelhecem. Traem, portanto, à percepção de si mesmos e esse é um escudo frágil.
Sorte da novinha que um dia puder envelhecer e contar de seu passado feliz.
Sorte dos homens que, ao desejarem uma mulher, se interessam por ela, antes de verificar critérios cronológicos e, que se se importam com isso, assumem, desistem e procuram outras mais afinadas com seu gosto particular, sem necessariamente, caírem na má educação.
Sorte da gente, que segue a trilha da vida, prezando por estar em seu melhor possível.
Foi muito difícil ter 16 anos. Pode ser gostoso no tocante a estar novo. Contudo, para mim, pouco adiantou: eu era frágil, desprotegida, muito responsável precocemente, insegura e não tinha independência real.
Não foi fácil ter 25, mas passei a existir no momento em que obtive meu emprego fixo, por menos atraente que ele me fosse.
Depois, veio o Mestrado e o amor: duas experiências que nos envelhecem por dentro. Não tive a menor dificuldade em fazer minha dissertação e muito menos em fazer minha tese de doutorado que, aliás, terminei antes do tempo. Meu problema era a vida, eram as buscas, eram as respostas...
Não que eu não tenha sentido medo, pânico, pavor, mas encarei a vida com o máximo de coragem possível. Essas coisas, de que não contam os retratos, são as que me definiram, são as que dão minha imagem real.
Sei que mudei, que sou mais segura e menos negativa; que sei renunciar e persistir, amparar e bater, ignorar e me defender...Ah, sim, sei muito mais sobre sexo e sou mais feliz no sexo hoje em dia.
Reitero aquela passagem que tanto amo um conto de Rubem Braga, porque tenho afinidade literária e me identifico com as palavras dele, porque ‘bendito seja’ tudo que me fez ser quem eu sou.

"Ela conta a história de uma freira que a atormentava no internato, em seu tempo de menina; de um homem que a fez viver longamente entre o desespero e o tédio, a revolta e a humilhação. E fica meio magoada porque a tudo eu sorrio, porque eu não pareço participar do sentimento com que ela fala contra essa gente que passou. Afinal ela também sorri: "Você é meu amigo ou amigo da onça?"

Sou seu amigo. Mas rico ri à toa, e eu me sinto vertiginosamente rico porque essas histórias, alegres ou tristes, ela me conta de mãos dadas, junto de mim. Digo-lhe isso; mas não lhe confesso que aprovo e abençoo todas as coisas e pessoas que povoaram seu passado, e tenho vontade de dizer:
"Benditos teu pai e tua mãe; benditos os que te amaram e os que te maltrataram; bendito o artista que te adorou e te possuiu, e o pintor que te pintou nua, e o bêbedo de rua que te assustou, e o mendigo que disse uma palavra obscena; bendita a amiga que te salvou e bendita a amiga que te traiu; e o amigo de teu pai que te fitava com concupiscência quando ainda eras menina; e a corrente do mar que te ia arrastando; e o cão que uivava a noite inteira e não te deixou dormir; e o pássaro que amanheceu cantando em tua janela, e a insensata atriz inglesa que de repente te beijou na boca; e o desconhecido que passou em um trem e te acenou adeus; e teu medo e teu remorso a primeira vez que traíste alguém; e a volúpia com que o fizeste; e a firme determinação, e o cinismo tranquilo, e o tédio; e a mulher anônima que te vociferou insultos pelo telefone; e a conquista de ti por ti mesma, para ti mesma; e os intrigantes do bairro que tentam te envolver em suas teias escuras; e a porta que se abriu de repente sobre o mar; e a velhinha de preto que ao te ver passar disse: "moça linda..."; bendita a chuva que tombou de súbito em teu caminho, e bendito o raio que fez saltar teu cavalo, e o mormaço que te fez inquieta e aborrecida, e a lua que te surpreendeu nos braços de um homem escuro entre as grandes árvores azuis. Bendito seja todo o teu passado, porque ele te fez como tu és e te trouxe até mim. Bendita sejas tu." (Rubem Braga em "A mulher e seu passado")

domingo, 10 de junho de 2018

Pão e prece


Acho que, geralmente, as religiões conduzem a um torpor, a uma certa cegueira...Talvez por oferecerem o preço do acolhimento, talvez por que sejamos nós a nos deslumbrar com descobertas, consolos, explicações.
Não há religião perfeita, mas há aquela que é ‘perfeita para você’, porque se ajusta ao seu pensamento, às suas necessidades, ao seu momento.
A porção mais válida de nossas vidas provavelmente está nas experiências pesadas que nos conduzem às crises.
Há os que preferem desviar o pensamento, ignorar, tomar álcool ou Rivotril. Eu, que aprendi que os problemas não acabam se a gente fugir deles, aguento e sigo.
Meu poeta não estava preparado para me ver em crise. Provavelmente, subestima minha reação às angústias da vida...ou me considera fútil...Sei que ele não é único. As pessoas não me dão o direito a ter crises...quase que me mandam tomar um chá e deitar, até passar...A seu tempo, meu pai me dava dinheiro para a crise passar; meu ex-namorado, me mandava ir ao shopping. Donde concluo que eles pouco sabem ou sobre crises ou sobre mim..ou, talvez, sobre suas próprias angústias.
Crise nem sempre é setorizada: uma parte puxa à outra. Primeira parte: Sou espírita. Muito me dói observar nossos defeitos, ainda mais quando eles nos saltam à cara.
Pode ser que os defeitos sejam da unidade que frequento, mais do que da doutrina, em si, mas tal como qualquer entidade voltada à religião, encontrei muito machismo explícito, especialmente praticado pelas mulheres.
Há uma relação intergeracional conflituosa, porque as mulheres mais velhas são ainda mais machistas, ainda mais de pensamento ortodoxo politicamente falando...Acham que a Ditadura jamais existiu no Brasil; que o PT é comunista e que tivemos um governo comunista; acham que Sérgio Moro é um bom moço, moralizador da Pátria...Acham que mulher tem que ser mulher em seu papel tradicional socialmente marcado.
Se fosse para traçar um perfil geral, eu nem sei como poderíamos falar em evolução em meio a mentes tão retrógradas, às declarações de alívio ao perceberem a improbabilidade de terem filhos gays... Poxa, foi uma decepção e tanto ver isso de maneira tão explícita. Ali há muito preconceito. Ali, mulher não tem vez.
Sigo gostando de ser espírita – o que não anula a crise.
Gosto da prece, da concentração necessária para estar em prece - e a prece é o pão precioso da introspecção real.
Gosto de ter fé raciocinada, de encontrar resposta para coisas aparentemente absurdas – das quais, entender a licantropia e as razões de alguns crerem tanto em Lobisomem; dentre outros fenômenos captados do senso comum, mas que têm uma lógica interna, causas, explicações racionais...
Sou assim mesmo: se gosto de algo ou de alguém, isso ocorre na totalidade. Não sei gostar e achar que é perfeito. Amizades, amores, ídolos...enfim.
As outras partes da crise se relacionam com escolhas, com minhas inconstâncias, com fatores humanos que a gente julga que vão sumir após a adolescência...
Mas esta sou eu.
Este é o meu caso. O meu. Cada um que viva seus pareceres, suas opiniões e suas crises, porque são particulares, pessoas e personalizados. O meu é o meu, que ninguém mexa nele.