Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Sampa


Sou paulista de nascimento e, sendo baiana de vivência, eu pouco conheço sobre São Paulo.
Não vou escrever uma linha sequer sem aquiescência de Tati, que será citada indiretamente ao longo deste texto - até porque a descoberta de uma afinidade intelectual com ela é o que motiva falar sobre São Paulo.
No início de dezembro de 2009, circulamos pela cidade sem os deslumbramentos comuns dos turistas, dos outros olhares...talvez nossa cabeça estivesse cheia de uma visão estereotipada de São Paulo, mas estar na terceira maior cidade do MUNDO não me deixou em êxtase.
Museu da Língua Portuguesa e afins só nos mostravam o etnocentrismo paulistano, os textos óbvios na voz de Fernanda Montenegro, a sequência previsível dos poemas recitados. Salvo isso, é só tecnologia.
Mas a gente via as pichações e os grafites urbanos.
Sinceramente, eu vi a pobreza dos brancos.
A pobreza da mulher branca que eu vi era uma pobreza educada, instruída e certamente decorrente do vício em drogas. A mulher, estava suja e cheirava mal até de longe, mas não era feia e era jovem.
Ela estava bem perto do hotel em que nos hospedamos. Enquanto esperávamos o sinal abrir, ela me pediu dinheiro. Pediu educadamente. Pediu com uma comovente educação e trocou comigo uma cumplicidade, como se me dissesse: "Eu sei que você é uma pessoa boa e eu sei que você sabe que eu também sou". Como eu não podia abrir minha bolsa naquele momento sem ficar insegura, ofereci a ela o que eu tinha em mãos: meu milk shake. Ela entendeu. Eu tive, sinceramente, muita pena daquela moça. Esta foi uma experiência tocante e que me marcou no fundo daquilo que chamamos de humanidade.
Lembrei de uma outra mulher em situação de miséria, em favor de quem eu intervim uma certa vez: ela se prostituiu porque precisava de dinheiro para alimentar aos filhos. Por ser uma mulher negra, o meu tio, que era o cliente, não quis pagar.
Ela chorou tão desesperadamente que eu fui ver o que era, ali, nas proximidades da minha porta. Lembro que meu namorado pagou o dinheiro a ela e a gente fez isso sem ferir moralmente a moça.
Meu tio, monstruoso, deu de ombros!
Posso afirmar que estas duas experiências com a pobreza (claro, uma branca, outra negra, mas as duas, femininas) mexeram profundamente comigo.
Bem, eu vi as pessoas práticas, envolvidas na sua prática, no ganhar dinheiro...com suas eternas mochilas que pareciam kits de sobrevivência.
A sobrevivencia é uma coisa por lá, no sentido da dignidade como o paulistano come um churrasco grego. E como não tem vergonha de vender as frutas fatiadas para consumo imediato no centro. Sim, fruta para comer na rua! Isso na Bahia é um tabu. Assim como comer ovo (observação de João Neto sobre a dieta/almoço lá em Campinas)
Eu vi muitas gravatas.
Numa manhã, vi uma prostituta bem humorada, de uns quarenta e outros anos, na Rua Augusta, mexer com os rapazes transeuntes.
Numa tarde, vi uma prostituta encostada a um hotel na Praça da Sé, fumando e fazendo propostas aos homens.
Numa noite, vi uma prostituta com seios gigantescos que me fizeram supor se seria mais pesado levar vida de prostituta, ou o peso da existência, ou levar aqueles peitos desproporcionais. Ela estava super mal humorada, fumando, subindo uma ladeira perto do Bexiga.
Vi de longe as velhas putas da Praça da Luz - mas estas têm documentário próprio passando na GNT. Se cito as putas e as prostitutas com esse diferencial linguístico, não é gratuitamente.
Vejam vocês como São Paulo vive do sexo. E sexo é trabalho por lá, com clientela para todos os gostos e ofertas variadas - lembram que boa parte das putas da Praça da Luz passam dos 50 anos? e a convicção com que defendem sua profissão? É tudo um espetáculo sociológico porque imaginamos uma terceira idade ( e as idades a ela próximas) de um outro modo.
Paradoxo fantástico, pois que os homens ordinariamente preferem às mulheres jovens e trocam as de 40 por duas de 20, conforme pensamento corrente. Elas desafiam isso.
E como pode esse negócio também paradoxal de termos dois marcos culturais como a Pinacoteca e o Museu da Língua, dividindo espaço com as putas?
Vi o taxista, deslumbrado, mostrar orgulhoso a nós duas a quadra da escola de Samba Vai-vai. Ih, meu Deus! Não sei escrever vai-vai!
Senti aquele mau cheiro absurdo de esgoto aberto, que exalava da estação da Luz e das próprias dependências do Museu da Língua Portuguesa.
Não me lembro de ter conseguido dormir mais do que às 06 da manhã, porque as sirenes de ambulância são uma trilha sonora repetitiva na cidade.
Pelo olhar de Tati, vi aquele céu cinzento. O céu de São Paulo nunca é alegre. Eis uma cidade melancólica.
Também não vi a vida noturna tão alardeada pelos meus amigos: foi um sacrifício achar uma peça em cartaz por lá.
Festas e boates? só de strippers e outras de teor similar.
Não vi prostituição para mulheres - vi os gays e travestis e demais profissionais do sexo voltados para o público masculino.
O diferencial de Campinas continua valendo: único lugar em que vi um prostituto na rua, a serviço das mulheres. Mas, Campinas é bem parecida com Salvador, na composição étnica, nos falares, nos comportamentos... se você olhar bem, o interior de São Paulo é igual a qualquer outro interior urbanizado.
O que São Paulo tem de melhor são os homens: lindos, altos,estilosos...o Centro de São Paulo recebe hordas incríveis de tipos variados de homens, para todos os gostos: It's raining man, aleluia!
Pareço deslumbrada?estou mesmo! não costumo ver homens bonitos nem em Feira de Santana (se vejo a espécie rara, cutuco quem está ao meu lado e enfatizo: "UM gatinho! ei, UM gatinho!"), nem em Salvador, nem nos lugares onde trabalho. Mas em São Paulo, eu via homens lindos nas ruas, no metrô, nas lojas, no boteco da esquina...haja Deus!!! aí eu cutucava Tati com a mesma observação!
Ela, iludida, achou que em Campinas eu fosse ficar naquela empolgação e falar: "gato!gato!gato!"...não aconteceu isso. Afinal, Campinas não tem gato não, gente: é tão raro quanto por estas terras baianas. Por conta disso, ela concluiu que o meu tipo é o paulistano - e acertou, mas os mineiros de tipo paulistano me agradam também. O caso não é a procedência, mas o perfil físico. O diferencial real do paulistano é a iniciativa: se ele quer, ele aborda. Pronto! homem baiano é passivo, fica na espera...
Tati adora os orientais e seus descendentes que eu, nada discreta, chamo de tamagutchi.
Outras coisas ótimas que São Paulo tem são suas lojas outlets, a comida, os preços de sapatos e dos cosméticos e, claro, militares gatíssimos. O resto é construção ideológica massiva que conquista a cabeça nordestina. Só isso!
Mas, adoramos São Paulo, a da vida real.

Nenhum comentário:

Postar um comentário