Louquética

Incontinência verbal

domingo, 2 de junho de 2013

Visões de um paraíso




Neste feriadão maravilhoso e prolongado, fui para minhas lindas paisagens do Baixo Sul. Como sempre, me deslumbro por passar no meio das águas, águas tão próximas que molham os pneus do carro e permite ficar olhando as embarcações indo e vindo.
Lá fez sol e todas as cidades próximas, em que passei, estavam cheias de turistas. Logicamente, não fui a passeio, mas a trabalho.
A imagem aí de cima é de lá, das terras em que trabalho. Sinto-me recompensada pela paisagem.
E disso muito me orgulho, porque até para abastecer o carro tivemos que ir ao Posto da Praia, que fica numa estrada excelente para rally.
Falando nisso, na volta ainda deu para ver os saltos incríveis, num campo apropriado para Motocross, as manobras e saltos dos motociclistas profissionais. Tivesse eu tempo e dinheiro, de lá não voltaria tão cedo.
Nesses dias, dei risada junto com meu par quando ele disse que eu era a única pessoa neste planeta a ter três empregos e não receber por nenhum. Assim ele concebe, e é verdade. Mas pelo menos lá eu me divirto. Às vezes me sinto indignada com o motorista, por exemplo, que não cumpre horário. Ontem ele se reportou á minha origem, confirmou um estereótipo e ainda quis inverter a ordem do discurso para instalar uma lógica que o beneficiasse. Explico: na sexta-feira ele me deixou esperando por uma hora e meia, para fazer a travessia da cidade em que eu estava até àquela em que dou aulas, a lindíssima – Mas, meu Deus, haverá na Baía de Camamu e Península de Maraú, paisagem que não seja bonita? – e este atraso gera um efeito dominó que compromete todos os demais horários a cumprir e a descansar. Ok. Lá vou eu, tipo Caetano Veloso (em O que será?), “atrasado e aflito”.
Para o dia seguinte eu advirto, peço, rogo, imploro para que se cumpra o horário de saída. Ele teima em estipular um horário de acordo com o que ele quer e não com o que eu necessito. Penso que esta seria uma hora de por a limpo a hierarquia, os acordos e os pactos. Penso duas vezes, porque não sou disso e condeno às amigas e inimigas íntimas que vejo humilhando empregadas domésticas, esfregando poderes, títulos e lugares sociais na cara dos seus teoricamente subordinados. Não obstante, fui militar e acho que isso de se ater à hierarquia é um jogo covarde que serve para ditar quem manda, quem obedece e, lógico, quem se insubordina.
Se insubordinar é se revoltar por estar por baixo, é reverter esta lógica, pois apesar de estar hierarquicamente abaixo, este ser humano de baixo se revolta contra o de cima, passando por cima dele, desafiando suas ordens, suas indicações. Resumindo: engoli o sapo!
Mas, como não poderia deixar de ser, ao saber que eu estava no lugar combinado, no horário combinado, na situação e condições combinadas, à espera que excedia trinta minutos, o motorista veio me confirmar que eu era mesmo paulistana, não havia dúvidas, porque eu era agoniada e o baiano era tranquilo.
Falou de minha ida ao trabalho no meio de um feriado prolongado, do cumprimento à risca de dias e horários e veio com esta de que baiano era conhecido por ser preguiçoso, porque é um povo tranquilo, que cumpre o que cabe nas condições que pode cumprir. Subi nas tamancas: falei claramente que isso era um preconceito absurdo, que tem baiano preguiçoso como tem paulista preguiçoso e ser humano preguiçoso em geral e que ele estava confirmando um estereótipo para se safar de uma responsabilidade.
Para piorar, nada do que ele teria que fazer foi feito, inclusive abastecer o carro e dar andamento em certos papéis. Aí ele apelou para o tal do “palavra é força”. Dos ditados inúteis que eu já ouvi, este é o que eu mais odeio.
Ele explicou que como eu o adverti no dia anterior, ao chegar o sábado foi a força da minha palavra de advertência, sugerindo um novo atraso dele que o fez se atrasar.
Qualquer um que me conheça minimamente sabe que esta balela de palavra é força comigo não cola porque não funciona para as coisas boas. Aquilo que nos favorece, se verbalizado, não acontece; mas o contrário, o que é temível, se verbalizado, se concretiza. Na acepção desse povo que crê nisso.
Esse ditado não é mais que uma camisa de força para barrar comportamentos e filtrar semanticamente as palavras, é mais uma daquelas patrulhas para evitar que se digam nomes e coisas desagradáveis, porque estas palavras temidas, se pronunciadas, se concretizam. Não dão mesmo prestígio às palavras boas, pois você pode morrer gritando por socorro e nem por isso ele vir; e não há quem aposte em loterias que não enseje boas palavras de sorte. Porém, as coisas boas não se concretizam nas palavras.
Então eu disse a ele que minhas palavras não são tão poderosas assim, que “o que é minha palavra ante sua força de vontade?”, ou seja, ele falhou quis compensar o atraso no acelerador do carro e ainda responsabilizava a mim por uma situação provocada por ele.
Como dei carona a uma fala puxa-saco, ela ainda disse que eu não lamentasse atrasos, porque muitas vezes isso era para em salvar de uma tragédia, que por um minuto se salva alguém, se evita algo. E eu rebati dizendo que as obras do acaso funcionam na ordem inversa, também: que por causa de um atraso muita gente morre e se estrepa, que não há mapa que anteveja uma coisa ou outra e que o máximo que a gente poderia fazer era se planejar e cumprir com o que compete a cada um.
Sou metódica, mas nem tanto assim. É que não me sinto confortável deixando os outros me esperando e cobro aquilo que dou.
Acredito que quando a gente erra, no mínimo admite e se desculpa, procurando não reincidir.
O motorista apelou ao além, ao estereótipo, ao preconceito, aos determinismos, para se safar de uma culpa e responsabilidade que era obra e graça dele.
Mas, excetuando isso, que, aliás, em nada diminuiu a felicidade da viagem de ida e de volta, adorei ter ido. Não tenho certas frescuras, não. É certo que desejei ir para a Cachoeira do Tremembé, de dar um giro em Itacaré, em Boipeba e depois, na volta, ficar em Morro de São Paulo até à terça-feira... Mas eu tinha que voltar, até porque os últimos fragmentos do muro que eu tenho a derrubar estão com certo atraso, haja vista as coisas concernentes ao meu mais recente emprego.
Andei pensando na minha ex-amiga, também: pois é, a pessoa até hoje foi incapaz de me parabenizar, desafiou minha lógica pessoal, que aplico porque vivo e acredito nela: Quando a gente ama um amigo, confunde as vitórias dele com as nossas próprias vitórias. Ela não veio comemorar comigo, não se irmanou... E acho que sugeriu que eu tivesse inveja dela, mas penso que só pode ser engano de raciocínio meu, pois eu não teria o que invejar naquela pessoa. Será que ela quer dizer inveja de coisas materiais? Não há nada de material na vida dela que, adquirido em 48 ou 60 prestações, eu também não pudesse ter, caso quisesse... Não deve ser, né? Eu nem tenho vaidades mínimas como usar joias ou investir na aparência externa da casa... Não faria sentido. Tenho vaidades, sim, culturais, estéticas, coisa de querer produtos bons, de qualidade, frequentar lugares bons, ser uma pessoa, como eu digo, Terceiro Piso... Bem, talvez seja o mesmo jogo do motorista: a pessoa não assume sua parcela de culpa e responsabilidade pelo ocorrido e apela para o plano abstrato, revertendo os lugares e desqualificando a vítima em favor do criminoso. Conheço esse jogo!

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