“Se não tenho a vida que quero, não quero a vida
que tenho”. Em síntese, foi esta a constatação que o palestrante que ontem se
apresentou na 35ª Semana Espírita nos advertiu como sendo algo próprio aos
depressivos. Seria mais adequada, talvez aos suicidas. Mas ele sabia muito bem
sobre o que estava falando. E acabou que a máxima reportada se adapta a várias
outras realidades: aos suicidas, aos viciados, aos depressivos.
Ele questionou a forma como cremos nas heranças
genéticas, mostrando que estas apenas nos predispõem. Logo, ter predisposição
não estar determinado, destinado a isso ou àquilo. Não obstante, ele explicou
muito bem a máxima que reproduzi no começo desta postagem: Se concebo que se a
vida não é como eu quero e que, por causa disso, não quero esta vida, posso
passar ‘a vida inteira’ brigando com a vida. Como adolescentes birrentos,
relutamos, empacamos, paramos em protesto contra uma realidade que não
queremos. Paramos como múmias, sem reagir.
Particularmente, eu já disse que embora possa
parecer contraditório, julgo que os suicidas são os que mais querem a
felicidade plena. Então, se a vida traz angústias insuportáveis, a felicidade
está acima da vida e, valendo pouco, para quê viver?
Mas o palestrante mostrou que diante uma vida que
não se quer, os que são estruturalmente considerados depressivos, param. Param
em inércia pura. Amparando-se no lastro dos remédios específicos, justificados
pela herança genética, vão vivendo suas vidas de pupilas dilatadas e sono
induzido – alguns, embutindo os desejos suicidas. À enfermidade pretensamente
física, alia-se a vulnerabilidade mental.
Quantas vezes na vida uma pessoa não se sentiu sem
saída? Quantas vezes eu me cansei dos dias todos iguais? Quantas vezes qualquer
um de nós não se sentiu impotente diante de uma injustiça, de uma mágoa profunda,
de uma perda, de um luto? E o natural, nestes casos, é viver a tristeza
plenamente. Algumas vezes é tristeza, ódio e mágoa. Mas a gente vive todas essas
angústias. Porém, chega um ponto em que começamos a reagir, a negociar o
bem-estar e a dar o peso certo de nossas responsabilidades no ocorrido, assim
como a localizar a posição exata em que estão a predisposição genética (nos
casos cabíveis), as ações do acaso (eu acredito em acasos), a meticulosidade
dos inimigos e desafetos, os jogos de sobrevivência na sociedade e a maldade
gratuita, porque ela existe sim. Desta forma, a gente retoma o que é nosso:
nossa vida. A vida da gente, é da gente. Por mais que a gente a transfira para
o médico, para o pastor, para o padre, para o líder espiritual, para o parente
ou para o melhor amigo, nossa vida é nossa.
Isso não quer dizer que ela seja independente. Não:
temos vidas interdependentes – dividimos infernos e céus no trabalho, na
escola, na família... E temos nossa parcela de independência que nos permite
ver o que podemos fazer para melhorar as coisas a nosso favor.
Infelizmente, isso é angustiante e trabalhoso. Vida
sem dor é impossível. Mas se o palestrante colocou os ‘birrentos’ com a vida
como sendo adolescentes mal criados, creio que há maturidade para tudo nesta
vida, inclusive maturidade afetiva – quando estes nossos corações já pisoteados
repetidamente por dores reconhece, como fez Carlos Drummond de Andrade ora mal
poetizado, que “o coração continua” (a saber, quando ele diz, “Vamos, não
chores./A infância está perdida./A mocidade está perdida./Mas a vida não se perdeu./O
primeiro amor passou./O segundo amor passou./O terceiro amor passou./Mas o
coração continua.”).
Esta resiliência que se confunde com aparente
resignação é o que nos faz superar as coisas ruins. E coisas ruins têm prazo de
validade extenso – quanto maior, mais a gente se desgasta, se desilude, se
fecha, se desengana.
Embora eu não concorde com a plataforma
mercadológica da autoajuda, há que se reconhecer que é preciso que a gente se
ajude, antes de esperar que alguém o faça. E se alguém o fizer, não poderá fazer
sozinho- daí que quando pensamos no clichê que diz ‘não quero ser coadjuvante
de minha própria vida’, depreendemos que somos nós os protagonistas e temos o
compromisso de conduzir a narrativa de nossa vida.
Processos de infantilização são comuns. Em maior ou
menor medida, todo mundo tem. Entretanto, a gente aceita ou não aceita o
pacto... E assina a sentença.