Louquética

Incontinência verbal

domingo, 15 de setembro de 2013

Das múltiplas minorias, ou entre Tubarões e Peixes Pequenos...




Há um tempo, não mais que dois meses, eu discutia com a minha turma de Literatura Contemporânea quem realmente teria autoridade para representar e ficcionalizar o drama dos marginalizados. Não obstante, partimos da máxima de Maria Carolina de Jesus, segundo a qual “Só quem passou fome pode falar de fome”.
Bom, de antemão eu já disse aqui que discordo da ala radical que dá exclusividade temática aos sujeitos que têm respaldo empírico para falar das coisas associadas. Outrossim, brinco e digo que só quem pode falar de negro é negro; só quem pode falar de mulher é mulher; só quem pode falar de gay, é gay... E só quem pode falar de morte é defunto!
Falácias deste tipo se sustentam porque durante muito tempo as chamadas minorias não falavam por si. Não que não tivessem voz – ou, como quis o brilhante e humilde intelectual Hugo Achugar, um “balbucio” (isso o intelectual uruguaio reproduz para desconstruir as ideias dominantes nos Estados Unidos e Europa de que os colonizados das Américas Ibérica e Latina não tem voz intelectual, não falam, não formulam pensamentos, não têm coesão no pensamento e só balbuciam – mas é que se a minoria tem voz, a maioria faz barulho. Daí que a minoria jamais seria escutada.
Minorias têm voz, mas o espaço da voz é político e ideológico. Como conquista, e não como concessão, dá medo de perder o que foi ganho. Acontece, porém, que a ala radical, devido aos antecedentes históricos que norteiam estas questões, crê que para o negro ter voz, é preciso que o branco se cale; para a mulher ter voz, é preciso que o homem se cale; para o gay ter voz, é preciso que os heterossexuais se calem. E, por conseguinte, quem pode falar de cada categoria é apenas ela, por ter conhecimento de causa.
Não creio nisso: um problema de mulher, é um problema de homem, pois se vivemos em sociedade, tudo passa a ser relacional. Aplico este mesmo princípio para as demais categorias. Se torcemos para que cresça a conscientização política de cada membro atingido pelo preconceito e suas consequências (cerceamentos profissionais, econômicos, educacionais, sociais, além dos efeitos psíquicos), deveríamos, igualmente, acreditar que parcelas consideráveis daqueles que exercem o preconceito e a opressão podem evoluir em sua conscientização, de modo a perceber os próprios erros em relação ao comportamento dominante. Seria, pois, uma postura soberba imaginar que uma parte evolui politicamente, enquanto outra se mantém retrógrada. Chamamos aos retrógrados de conservadores. Isso não é à toa: o conservador quer conservar o seu lugar; quer conservar o preconceito e quer determinar um lugar para os demais a quem ele julga (e subjuga).
Não é preciso ser gay para defender os gays, nem ser pobre para defender o pobre. É preciso defender o que é justo mesmo que não seja a gente a sofrer a injustiça – qualquer um de nós tem noção do que é certo e do que é errado, do que é justo e do que é injusto.
Também minhas turmas ficavam estupefatas ao perceberem o preconceito horizontal: preconceito horizontal é aquele que acontece ombro a ombro, como por exemplo: você pode ser filiada a um movimento feminista, mas ter posturas machistas e, ainda, ser branca e discriminar uma mulher negra; e você pode ser negra e discriminar à outra negra cujos cabelos são quimicamente alisados. Deste modo, num mesmo enquadramento de minorias estão submersas várias identidade cuja pluralidade pode ser captada como elemento passível de discriminação interna – estendendo a discussão, o pobre letrado pode discriminar ao iletrado; o negro do sudeste pode discriminar o negro nordestino e assim sucessivamente. As pessoas, e, neste caso, minhas turmas, realmente achavam esquisita esta reprodução. Uma pena que ela exista e dela nós podemos depreender que a capacidade que o ser humano tem de discriminar é infinita e, em linhas gerais, nenhum de nós está isento de sofrer ou praticar horizontalmente estas discriminações.
Passa a ser, portanto, ainda mais esquisito, que, diante de tantas pessoas que pelo menos verbalmente, querem um mundo melhor e não têm preconceito, ele ainda exista com tanta força, para várias situações e tipos sociais. Pior é concluir que nada disso se cura com teorias, mas com atitudes introjetadas... E isso demora tanto que dizem que até o Einstein disse que “É mais fácil destruir um átomo que um preconceito”.

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