Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Do beijo ao sexo




Sexo é uma sintonia: quando a gente tem, tudo se encaixa, tudo dá certo, tudo se complementa... E como a gente não encontra isso com todo mundo, quando a gente dá de cara com quem anda no mesmo ritmo, toca na mesma sintonia, fica difícil se desligar.
Quando eu vi que F.J. tinha as “noites perfeitas” para me oferecer, corri léguas dele. O senso comum está certo: “Quando bate fica!”. E eu pensei nele um tempo imenso. Foi questão de sorte a gente ter marcado outro encontro, ele negligenciar o horário, eu conhecer Vítor, conhecer Ricardo e, por uma questão de outros acasos, desde então namorar Ricardo. E isso durou dois anos.
As águas rolaram, o tempo passou e eu nunca mais vi F.J. e muito menos encostei um dedo nele, até chegar este ano – e numa sequência de acasos, alguns provocados por mim, outros realmente casos do acaso – e eu perceber que a sintonia continuava a mesma. E como já estou adulta, independente e dona do meu nariz (e do resto do meu corpo), posso finalmente me jogar no que desejo. Como mulher, não posso dizer que gosto de sexo. Mas gosto. Gosto de sexo com ele e fico extenuada e feliz após nossos encontros. O problema está na fronteira que a gente gostaria de edificar entre o amor e o sexo, mas que, como qualquer outra fronteira, é imaginária, falha, porosa... E de vez em quando a gente tem uns repentes de querer colocar freios nas coisas, com medo de se apaixonar. Pelo menos eu não sou ciumenta como ele é; e ambos somos sinceros – às vezes sinceridade magoa, mas como preferimos a verdade, tudo se resolve no final.
Não somos casados com ninguém, não moramos com outras pessoas, não temos, portanto, certos problemas que costumam permear as relações imprecisas/indecisas. Reconheço, todavia, que tenho resistência a assumir a relação. Não lembro ao certo desde quando isso começou acontecer, mas andei me fazendo de livre e desimpedida, quando isso é, sim uma condição, mas não um fato em si. Logo, nego os meus relacionamentos, minto no Facebook ou pode ser que isso não seja mentira, mas a intenção interior de não constituir laços e assumir afetos. Falha minha!
Algumas relações fracassadas sobrevivem por outros meios: a segurança, a cumplicidade, a amizade e coisas congêneres seguram a gente. Em contrapartida, às vezes a gente se prende pelo sexo bom, mas a relação só tem isso, ou tem somente medo e desejo... Pessoalmente, fico indecisa e insegura. E também penso se o fato de haver imprecisão não contribui para que sejamos tão pares, paritários, cúmplices, felizes reciprocamente no sexo... Talvez sejamos como Tomas e Sabina, de A insustentável Leveza do ser. O caso é que eu odeio a Sabina. Eu jamais gostaria de ser como Sabina, uma chata, indecisa, que pensa que vive para o prazer, mas que desperdiça os grandes amores para se fingir de espírito livre. Porém, a sintonia sexual que ela tem com Tomas é algo admirável. Por outro lado, é interessante a forma como Milan Kundera tece a personagem e relativiza o que ela é como mulher. Quem traduz a inscrição de Sabina no gênero feminino, é Franz:
“Pequenos léxicos de palavras incompreendidas.
MULHER
Ser mulher é para Sabina uma condição que ela não escolheu. Aquilo que não é consequência de uma escolha não pode ser considerado como mérito ou fracasso. Diante de uma condição que nos é imposta, é preciso, pensa Sabina, encontrar a atitude certa. Parecia-lhe tão absurdo insurgir-se contra o fato de ter nascido mulher quanto glorificar-se disso.
Num de seus primeiros encontros, Franz disse-lhe com uma entonação diferente: “Sabina, você é uma mulher.” Não compreendia por que ele lhe participava essa novidade no tom solene de um Cristóvão Colombo que tivesse acabado de encontrar as margens de uma América. Só mais tarde compreendeu que a palavra mulher, que ele pronunciava com ênfase especial, não era para ele a designação de um dos dois sexos da espécie humana, mas representava um valor. Nem todas as mulheres eram dignas de serem chamadas de mulher.”
(KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Rio de Janeiro: Record, 1983, p.95)

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