Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Enquanto houver vida




“Se não tenho a vida que quero, não quero a vida que tenho”. Em síntese, foi esta a constatação que o palestrante que ontem se apresentou na 35ª Semana Espírita nos advertiu como sendo algo próprio aos depressivos. Seria mais adequada, talvez aos suicidas. Mas ele sabia muito bem sobre o que estava falando. E acabou que a máxima reportada se adapta a várias outras realidades: aos suicidas, aos viciados, aos depressivos.
Ele questionou a forma como cremos nas heranças genéticas, mostrando que estas apenas nos predispõem. Logo, ter predisposição não estar determinado, destinado a isso ou àquilo. Não obstante, ele explicou muito bem a máxima que reproduzi no começo desta postagem: Se concebo que se a vida não é como eu quero e que, por causa disso, não quero esta vida, posso passar ‘a vida inteira’ brigando com a vida. Como adolescentes birrentos, relutamos, empacamos, paramos em protesto contra uma realidade que não queremos. Paramos como múmias, sem reagir.
Particularmente, eu já disse que embora possa parecer contraditório, julgo que os suicidas são os que mais querem a felicidade plena. Então, se a vida traz angústias insuportáveis, a felicidade está acima da vida e, valendo pouco, para quê viver?
Mas o palestrante mostrou que diante uma vida que não se quer, os que são estruturalmente considerados depressivos, param. Param em inércia pura. Amparando-se no lastro dos remédios específicos, justificados pela herança genética, vão vivendo suas vidas de pupilas dilatadas e sono induzido – alguns, embutindo os desejos suicidas. À enfermidade pretensamente física, alia-se a vulnerabilidade mental.
Quantas vezes na vida uma pessoa não se sentiu sem saída? Quantas vezes eu me cansei dos dias todos iguais? Quantas vezes qualquer um de nós não se sentiu impotente diante de uma injustiça, de uma mágoa profunda, de uma perda, de um luto? E o natural, nestes casos, é viver a tristeza plenamente. Algumas vezes é tristeza, ódio e mágoa. Mas a gente vive todas essas angústias. Porém, chega um ponto em que começamos a reagir, a negociar o bem-estar e a dar o peso certo de nossas responsabilidades no ocorrido, assim como a localizar a posição exata em que estão a predisposição genética (nos casos cabíveis), as ações do acaso (eu acredito em acasos), a meticulosidade dos inimigos e desafetos, os jogos de sobrevivência na sociedade e a maldade gratuita, porque ela existe sim. Desta forma, a gente retoma o que é nosso: nossa vida. A vida da gente, é da gente. Por mais que a gente a transfira para o médico, para o pastor, para o padre, para o líder espiritual, para o parente ou para o melhor amigo, nossa vida é nossa.
Isso não quer dizer que ela seja independente. Não: temos vidas interdependentes – dividimos infernos e céus no trabalho, na escola, na família... E temos nossa parcela de independência que nos permite ver o que podemos fazer para melhorar as coisas a nosso favor.
Infelizmente, isso é angustiante e trabalhoso. Vida sem dor é impossível. Mas se o palestrante colocou os ‘birrentos’ com a vida como sendo adolescentes mal criados, creio que há maturidade para tudo nesta vida, inclusive maturidade afetiva – quando estes nossos corações já pisoteados repetidamente por dores reconhece, como fez Carlos Drummond de Andrade ora mal poetizado, que “o coração continua” (a saber, quando ele diz, “Vamos, não chores./A infância está perdida./A mocidade está perdida./Mas a vida não se perdeu./O primeiro amor passou./O segundo amor passou./O terceiro amor passou./Mas o coração continua.”).
Esta resiliência que se confunde com aparente resignação é o que nos faz superar as coisas ruins. E coisas ruins têm prazo de validade extenso – quanto maior, mais a gente se desgasta, se desilude, se fecha, se desengana.
Embora eu não concorde com a plataforma mercadológica da autoajuda, há que se reconhecer que é preciso que a gente se ajude, antes de esperar que alguém o faça. E se alguém o fizer, não poderá fazer sozinho- daí que quando pensamos no clichê que diz ‘não quero ser coadjuvante de minha própria vida’, depreendemos que somos nós os protagonistas e temos o compromisso de conduzir a narrativa de nossa vida.
Processos de infantilização são comuns. Em maior ou menor medida, todo mundo tem. Entretanto, a gente aceita ou não aceita o pacto... E assina a sentença.

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