Já faz um tempo que desenvolvi um temor estupendo
contra quem precisa se esconder sob o álcool, as drogas ou os remédios tarjas-pretas
para assumir posições, desejos e atitudes. Foi, portanto, com indignação e medo
que atendi ao Zero Dois, meu ex, às 23 horas da noite desta segunda-feira, após
infinitos telefonemas rejeitados por mim.
Quis evitar o escândalo de alguém berrando meu nome
àquela hora. Atendi, mas não abri o portão e disse claramente da inconveniência
dele. Despachei, com todas as letras. Acho que álcool, drogas e remédios são,
para alguns, verdadeiros tônicos de coragem... Ou simples poções de pretextos,
sei lá... Até pensei que eu me comoveria, mas minha atitude foi outra, de incômodo
e irritação.
Desliguei meu telefone fixo – que atualmente ganhou
identificador de chamadas só por causa dele – e deixei meu celular no
silencioso. Ao acordar, havia ligações dele que passavam de uma da manhã.
Também fiquei muito tempo em outro relacionamento,
fazendo distanásia, arrastando comigo o que já havia morrido, numa lógica
trágica de que enquanto há vida há esperança (e desespero, isso sim!).
Esperamos que as coisas mudem, que os ventos soprem diferente, a nosso favor. E
não é que cachorro velho não aprenda truque novo não, sempre é tempo de
aprender: o caso é que mesmo quando tudo está errado e cada um sabe sua parcela
de culpa, uma parte não se responsabiliza e resolve, inclusive, não ceder em
nada.
E essas pessoas, as que se escondem sob artifícios que
agem no humor e na disposição, são as que mais fogem da vida.
Dizia um psicanalista no Café Filosófico deste
último domingo que o conceito de normalidade psíquica inclui pensar que ter
sintoma não é sinal de ter doença; e a ausência de sintomas também não exclui
as pessoas de terem problemas psíquicos. Exemplificou, ainda, algo que profundamente
me toca, a saber: se todo mundo olha nos olhos dos outros, a pessoa que não o
faz não significa que é doente – algo interessante porque não gosto de olhar na
cara de ninguém, não gosto porque não gosto e porque sou tímida. Porém, os
falsos tendem a dizer que isso é sinal de que sou falsa (senso comum engraçado,
pois ao que parece, os que olham nos olhos sempre mentem, talvez com convicção
forjada). E, por fim, o psicanalista disse que os normais são capazes de passar
pelo sofrimento, pela perda, pelo luto, pela contrariedade e sobreviver, se
refazer, resistir.
Mas esta outra porção de gente, não suporta a vida
se não estiver dopada de qualquer coisa. Também por isso, não atendo ao apelo
dos drogados de nenhuma espécie – das amigas tarja-preta aos amigos
maconheiros, ninguém me comove mais! Se me deixo levar, é ainda pelos
potenciais suicidas, porque estes realmente estão no limite, mesmo eu não
cheguem às vias de fato de se matarem. Desta forma, eles precisam ver que a
vida deles nos atinge; que a vida deles tem valor, que farão falta se morrerem,
porque se para eles a própria vida não vale nada, é preciso que vejam que vale
para alguém. Aí entro no jogo! O restante, não: já se matam diariamente com
seus fármacos, barbitúricos, álcool...
Há pouco estava passando o clipe do Cold Play, Scientist, e eu lembre que
Leandro me deu este clipe gravado, que ainda tenho. Coincidentemente, a
narrativa mostra um acidente fatal e o retrocesso da exibição, como se fosse
possível voltar atrás na vida, apertar uma tecla de retrocesso, um backspace, e fazer tudo diferente. E
hoje faz quinze dias que Leandro morreu. Eu simplesmente sofro menos. Só isso.
E penso se espiritualmente o causador do acidente tem dívida; ou se, sendo a
morte predeterminada por Deus, o outro, este agente causador, é apenas um
agente inscrito num plano prévio divino. E seja como for, realmente a vida não
tem retrocesso. Obviamente, é por isso que dizemos sempre que se pudéssemos
viver novamente faríamos tudo diferente e, também por isso, ainda nesta vida,
as pessoas demoram a se arrepender e esquecem que as pedras lançadas contra
alguém atingem e deixam marcas; que coisas quebradas não se emendam sem deixar
defeitos evidentes, sem a promessa da durabilidade, com a corrente iminência de
se quebrar ainda mais.
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