Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A hora dos arrependidos




Já faz um tempo que desenvolvi um temor estupendo contra quem precisa se esconder sob o álcool, as drogas ou os remédios tarjas-pretas para assumir posições, desejos e atitudes. Foi, portanto, com indignação e medo que atendi ao Zero Dois, meu ex, às 23 horas da noite desta segunda-feira, após infinitos telefonemas rejeitados por mim.
Quis evitar o escândalo de alguém berrando meu nome àquela hora. Atendi, mas não abri o portão e disse claramente da inconveniência dele. Despachei, com todas as letras. Acho que álcool, drogas e remédios são, para alguns, verdadeiros tônicos de coragem... Ou simples poções de pretextos, sei lá... Até pensei que eu me comoveria, mas minha atitude foi outra, de incômodo e irritação.
Desliguei meu telefone fixo – que atualmente ganhou identificador de chamadas só por causa dele – e deixei meu celular no silencioso. Ao acordar, havia ligações dele que passavam de uma da manhã.
Também fiquei muito tempo em outro relacionamento, fazendo distanásia, arrastando comigo o que já havia morrido, numa lógica trágica de que enquanto há vida há esperança (e desespero, isso sim!). Esperamos que as coisas mudem, que os ventos soprem diferente, a nosso favor. E não é que cachorro velho não aprenda truque novo não, sempre é tempo de aprender: o caso é que mesmo quando tudo está errado e cada um sabe sua parcela de culpa, uma parte não se responsabiliza e resolve, inclusive, não ceder em nada.
E essas pessoas, as que se escondem sob artifícios que agem no humor e na disposição, são as que mais fogem da vida.
Dizia um psicanalista no Café Filosófico deste último domingo que o conceito de normalidade psíquica inclui pensar que ter sintoma não é sinal de ter doença; e a ausência de sintomas também não exclui as pessoas de terem problemas psíquicos. Exemplificou, ainda, algo que profundamente me toca, a saber: se todo mundo olha nos olhos dos outros, a pessoa que não o faz não significa que é doente – algo interessante porque não gosto de olhar na cara de ninguém, não gosto porque não gosto e porque sou tímida. Porém, os falsos tendem a dizer que isso é sinal de que sou falsa (senso comum engraçado, pois ao que parece, os que olham nos olhos sempre mentem, talvez com convicção forjada). E, por fim, o psicanalista disse que os normais são capazes de passar pelo sofrimento, pela perda, pelo luto, pela contrariedade e sobreviver, se refazer, resistir.
Mas esta outra porção de gente, não suporta a vida se não estiver dopada de qualquer coisa. Também por isso, não atendo ao apelo dos drogados de nenhuma espécie – das amigas tarja-preta aos amigos maconheiros, ninguém me comove mais! Se me deixo levar, é ainda pelos potenciais suicidas, porque estes realmente estão no limite, mesmo eu não cheguem às vias de fato de se matarem. Desta forma, eles precisam ver que a vida deles nos atinge; que a vida deles tem valor, que farão falta se morrerem, porque se para eles a própria vida não vale nada, é preciso que vejam que vale para alguém. Aí entro no jogo! O restante, não: já se matam diariamente com seus fármacos, barbitúricos, álcool...
Há pouco estava passando o clipe do Cold Play, Scientist, e eu lembre que Leandro me deu este clipe gravado, que ainda tenho. Coincidentemente, a narrativa mostra um acidente fatal e o retrocesso da exibição, como se fosse possível voltar atrás na vida, apertar uma tecla de retrocesso, um backspace, e fazer tudo diferente. E hoje faz quinze dias que Leandro morreu. Eu simplesmente sofro menos. Só isso. E penso se espiritualmente o causador do acidente tem dívida; ou se, sendo a morte predeterminada por Deus, o outro, este agente causador, é apenas um agente inscrito num plano prévio divino. E seja como for, realmente a vida não tem retrocesso. Obviamente, é por isso que dizemos sempre que se pudéssemos viver novamente faríamos tudo diferente e, também por isso, ainda nesta vida, as pessoas demoram a se arrepender e esquecem que as pedras lançadas contra alguém atingem e deixam marcas; que coisas quebradas não se emendam sem deixar defeitos evidentes, sem a promessa da durabilidade, com a corrente iminência de se quebrar ainda mais.

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