Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Em memória de um amigo abandonado


"Todos são iguais perante Deus". Oh, meu amigo, tenho que te informar que não estamos no Céu, certo? entendeu? então, aprenda rapidinho que vivemos em hierarquias, por mais que seu chefe ou o seu amigo poderosão se faça de camarada. Isso não é coisa do dia primeiro de abril, não é mentira!apenas as pessoas - aquelas pessoas perfeitas, melhores do que todo mundo, aquelas que são melhores do que você e eu, aquelas de espírito nobre e bons sentimentos - gostam de repetir essas frases para parecerem ainda mais superiores que nós, os medíocres que conseguimos ver o que todos vêem mas ninguém admite. Eu, pessoalmene, sou ainda mais má e medíocre que qualquer outro, porque assumo posturas e declaro minhas inimizades. Mas, como dizia o sábio filósofo do forró de duplo sentido, que eu tanto cito com estima e consideração, o mestre Sandro Becker,"esta vida é um buraco/o forte pega o mais fraco/ e...Ó!"
Tive aula ontem com um ex-colega de mestrado. Ele estranhou minha presença na sala dele, brincou, pensou que era pegadinha, mas a gente conversou sobre a vida acadêmica e profissional,após o horário de aula.
Putz, que não se mude da água para o vinho sem o risco de embebedar, o menino está antenado! Meu Deus do Céu: ele me contou que no primeiro ano como substituto, fez e aconteceu, arrasou, arrotou bibliografias,mostrou tudo que sabia, procurou aprender o que não conhecia, fez jus ao lugar conquistado...até perceber as regras do jogo.
Eu estou falando de um "queridinho", não das arraias-miúdas, dos peixes-pequenos como eu. Olha que se a vida do preferido foi recheada de perseguições, oxalá a minha, que nem fui elevada à categoria de gente?
Há um tempo atrás eu falava disso com meu professor de Metodologia do Trabalho Científico, o senhor Eurelino Coelho: da Mais-valia.
A Mais-valia é um conceito marxista plenamente válido para o tempo presente, segundo o qual o proprietário dos meios de produção, além de toda exploração explícita que possa praticar contra o proletariado, dispõe do tempo desse mesmo proletário que, num processo complexo de se explicar em poucas linhas, redunda na apropriação de excedentes por parte de quem domina os meios de produção.
Então, sobretudo, o proletário é explorado em seu tempo.
Não à toa, o capitalismo dirá que tempo é dinheiro.
Aí o meu colega me mostrou que administra seu tempo na universidade de modo a defender sua Mais-valia. E está certo. Levo a lição na mala: se você já é explorado em várias situações, naquilo que leva para casa para corrigir, no que elabora, nas reuniões de que participa, nos projetos de que faz parte, na assistência que dá aos seus alunos extra-classe, nos eventos em que colabora, em tantas outras situações, é você quem deve perceber esta exploração e se defender.
Horários desumanos ou horários em que a formalidade fala mais alto que o aproveitamento, são coisas descabidas. Infeliz de quem não vê, mas, por outro lado, se você é super beneficiado, se seu trabalho é reconhecido, se seu chefe não subestima suas necessidades, se seus superiores hierárquicos não desdenham de sua palavra, não desautorizam suas posturas nem lhe diminuem profissionalmente - e há muitos para os quais "seu desejo é uma ordem!" - porque não ser certinho, palmatoriazinha do mundo, perfeitinho e cumpridor? é a contra-partida. Eu não condeno, não.
Então me vem outra situação absurda: meu amigo, competente no que faz, não foi aprovado num concurso. Não, ele não perdeu: quem perdeu foi a universidade, ao não classificar alguém competente. Ele apenas foi reprovado. Justamente pela incoerência do resultado, sei que ele está ferido.
Vejam como a coisa funciona: o campus ao qual pertencia a vaga, declinou de mandar seus representantes para a banca. Isso faz presumir uma neutralidade da banca, porque seria até suspeito e provavelmente tendencioso aprovar um professor que já pertence à casa, como era o caso do meu amigo (substituto num campus, concorreu a uma vaga real daquele mesmo campus).
Ocorre que nos muros já não cabe mais ninguém, porque ficar em cima do muro é uma beleza: você senta a sua bunda lá e contempla as misérias lá do alto.
Eu, que acredito em acaso, afirmo que o acaso foi dando pistas para ele: num intercâmbio entre os candidatos, o meu amigo descobriu que a sua concorrente (que veio a se tornar a única aprovada) era amicíssima de sua outra colega de trabalho.
Sou suspeita, eu sei, porque a tal amicíssima da candidata aprovada não está na lista dos meus amigos - até porque, esta eu conheci quem é rapidinho e dou graças a Deus por ela não saber o que eu realmente sei sobre ela - mas o caso é que meu amigo se decepcionou com isso: a figura não quis compor a banca porque a sua amiga estaria concorrendo. Logo, lavou as mãos, para não ficar "mal" com ninguém, digamos.
Além dos mais, foi ela quem compôs os slides, quem cedeu o material e quem preparou a candidata aprovada. Sabiamente, naquela terra de gente em cima do muro, ela alegou "desconforto" para estar na banca. Ui! adoro gente boazinha!!!Êta Bigbrother.
De todo modo, a banca depreendeu que o meu amigo estivesse cheio de si e que presunçosamente se julgava o "dono da vaga". Esta é a desvantagem que poderia ser compensada se o tal campus tivesse representação na banca.
Assim, a banca foi endógena: todos eram professores de uma certa universidade e aprovaram sua pupila (naturalmente, da mesma instituição de origem dos membros da banca, ex-aluna deles).
Já fiz um concurso na UESB em que eu fui para lá de medíocre: dei uma aula pública que nem o pior professor de Ensino Fundamental daria. Mereci perder.
Por duas vezes fiz concursos em que reconheço que apliquei conceitos pertinentes, mas desconhecido da banca e, também fui vítima de preconceito de formação, por ter feito o percurso História-Letras.
Ser reprovado sem merecer é doloroso.
A gente fica pensando: "Será que a aula era sobre História da África e eu discuti os novos parâmetros da mídia audiovisual nos realities shows?"
É, porque costumamos ter noção do que sabemos e sobre nosso limites e deficiências, também. Não tem ego que seja tão forte a ponto de mascarar tanto um desempenho.
Das conversas com meus dois amigos, cada um a seu tempo e em seu contexto, eis que resolvo cuidar de mim - e eu já disse que a maré não está para peixe, mesmo sendo Semana Santa - está lá a droga da vaga disponibilíssima, feita para mim. Deveria se chamar: disciplina: Mara Vieira. Pois bem, está lá a disciplina de Cultura e Literatura, que pede experiência na área de Estudos Culturais, trabalhos publicados como os meus, pesquisas como as minhas e, juro, parece que pegaram a marca d'água de mim mesma, a sombra e o contorno e fizeram a vaga.
Como nada é tão bom que não tenha seus defeitos, devo dizer que a vaga é na UFRB, justamente num lugar para o qual eu não volto nem amarrada, nem por desespero: Amargosa.
Não quero dizer, presunçosamente, que a vaga seria minha: muito pelo contrário, minha experiência por lá mostrou a endogenia, também. Mas é a vaga sob medida, que corresponde à minha formação, indicando, inclusive, graduação em Letras ou História.
Na UFRB o campus dos meus sonhos é Cachoeira.
Aí vêm os problemas: a vaga de lá não corresponde ao que sei, nem à minha formação. Se minha inscrição for deferida, terei a desvantagem de tratar sobre o que eu não sei. Pode uma coisa dessas?
Não trabalho nunca mais em lugares distantes. Não, não quero. Osmando que me perdoe - ele é quem diz que eu tenho a teoria da minhoca: isso de ser apegada à terra - mas, sou telúrica mesmo.
Não há lugar melhor que a minha casa.
Quero uma vida normal, gente: não quero dormir sentada uma noite inteira, dar aula sem descansar, sem disposição e achar que isso é assim mesmo; quero ir ao cinema sábado, ou me trancar em casa e comer pipoca; não quero chegar em casa na madrugada de domingo depois de 07 horas de viagem...o problema é a distância - o cansaço, claro! Por exemplo, amo Xique-Xique como jamais gostei de Aracaju. Mas entre ambos e eu, há a distância...e aí voltamos à Mais-valia, porque eu não sou (ninguém é) remunerada pelo despêndio temporal, pelo tempo e saúde perdidos no trajeto. E nem sei se há preço que pague tudo isso em suas implicações indiretas.
Mas, conforme Machado de Assis, "Matamos o tempo,ele nos enterra." Ou mais exatamente como os Engenheiros do Hawaii, "Não querer perder a razãopara ganhar a vida/nem perder a vida para ganhar o pão".

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