Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Nosso amor por Gabriel


"Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados." Gabriel García Marquez sempre faz isso comigo: me conquistar desde a primeira frase de seus livros. Foi assim com todos os livros dele que já li até hoje e está sendo assim com O amor nos tempos do cólera.
Gabriel é uma paixão para mim. Somente por ele redobrei a atenção para a recorrência/repetição dos personagens de Cem anos de solidão, porque fixar quem é quem em meio a tanto Aurelianos e tantas Amarantas, não é fácil - mas é encantador.
Estão Gabriel Elígio García e Luíza Santiago Márquez, pais de Gabriel García Márquez, como facilmente se pode deduzir, ilumina esta história de assumidos traços auto-referenciais deste fantástico escritor (nas várias acepções do fantástico, claro!), assumindo, obviamente, os nomes fictícios dos protagonistas.
"Florentino não deixara de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores contrariados, e haviam transcorridos a partir de então cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias."
Os amores contrariados, claro: amor e contrariedade são pares inseparáveis. O amor em Gabriel García Marquez não é inadvertidamente doce, é amargo, tem um cheiro amargo, o cheiro amargo das ilusões dissipadas, se lido no contexto do livro.
Agora, também eu tenho que abandonar esta paixão: a paixão por este livro que tem uma longa história. Mas meu abandono é por conta das minhas ocupações formais, pelos infinitos livros de História de Portugal que tenho para ler, obrigatoriamente, em prol de minha tese e pelos (Os) Lusíadas que me amarraram de novo, nos cantos VII e X, com urgência e data determinadas para prestar contas de minhas conclusões.
Pelo mesmo motivo abandonei Anna Karennina e o Conde Vronski me esperando no final do volume I - e dói largar os que amo em favor das teorias de que preciso e dos compromissos formais.
Mas a longa história que cerca O amor nos tempos do cólera, vai além de um simples desejo de ler: eu queria ter o livro. Sou assim, possessiva com livros: quero ter o meu.
Adiei a compra por dureza umas vezes, por forçadas opções, noutras.
Ontem eu estava chegando para minha aula e fui saudar um amigo. Ao virar na direção dele, dei de cara com uma edição do livro. Não resisti, parei tudo, peguei o livro, namorei, perguntei o preço...e meu amigo vendedor esclareceu que havia poucas horas que o livro tinha sido exposto, falou do antigo dono também.
Ora, o antigo dono, meu amigo, poeta,em situação de penúria - o que justificava a venda do livro.
Então também para mim há um gosto amargo de saber que o meu amigo está em dificuldade - ele, apaixonado por Literatura, a se desfazer de um grande amor porque precisa comer e pagar o aluguel.
Não pus o meu nome no livro. Talvez nunca o faça, no intuito da devolução; e melhor seria comprar um outro e dar de presente a ele, num contexto em que não lhe fira o orgulho e a dignidade.
É necessário dizer que por mais que odiemos o capitalismo, é sob ele que vivemos.
Por mais, Bruno, que você seja poeta, a vida não é poesia - a poesia pode ser a sua vida, mas a vida não é poesia. Aprenda com Ferreira Gullar que "o preço do feijão não cabe no poema", mas é preciso comer feijão, viu? o meu também está pouquinho.
Então, sigo aqui, com este amor contrariado sob várias formas, mas amando e amando muito Gabriel García Marquez...

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