Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Depois que o fim do mundo acabou!

O homem é um ser de angústias. Assumo aqui a paráfrase de Heidegger para quem o “homem é um ser para a morte”. Lógico: em momento nenhum nós nos pertencemos. Pertencemos a quem nos devora, isto é, ao tempo. E com o passar do tempo a nos devorar, vem a mais clara evidência da finitude, como quer o filósofo.
Gente que é gente – e não uma ostra fútil, vazia e sem pérolas – tem angústia. Claro que tem o bando de sacanas tarja-preta que a qualquer turbulência existencial está aí chantageando a mãe, o pai, os irmãos, responsabilizando o primeiro amor ou a professora negligente que tiveram, tudo a pretexto de não cuidar de si mesmo. E como eu costumo afirmar, remédio controla sintomas, não cura causas. Logo, a vida e suas angústias são para a gente resolver. E as que são insolúveis e mais fortes que nós, merecem uma trégua e o reconhecimento que vamos conviver até o último suspiro com elas.Tomar remédio controlado para não perder o controle deveria ser exclusividade dos esquizofrênicos
Bem, o caso é que o mundo não acabou e eu estou com a conta da televisão por assinatura atrasada porque todo dia em que chego à lotérica, as filas estão um pandemônio, o retrato do fim do mundo. E isso me dá uma angústia filha da puta tremenda porque toda hora a Sky mete uma tarjeta pedindo para eu ligar, o que se traduz por: “Porra, você tem que pagar a gente!”.
Não tenho nada contra o natal, não. É igual ao período junino: me entoco em casa. Vez por outra, as festas vêm até mim e tal e coisa e coisa e tal. O que me aflige é que o azeite de oliva acabou e até ir à padaria me dá angústia porque é gente demais.
Olha, quando o IBGE divulga que o Brasil é habitado por duzentos milhões de habitantes (dados meramente ilustrativos porque parei de contar quando atingimos os 160 que não sei se bilhões ou milhões), a gente entende isso de forma muito abstrata e imprecisa. É na hora da fila, é na hora do natal que a gente vê o que isso significa. A rua fica cheia de pés, cotovelos, joelhos, cabelos, barulhos, numa massa também abstrata que nem parece gente. Quem diz que a multidão traz o anonimato, descurou de que junto com o anonimato vem uma anamorfia, uma desfiguração, sabe? Uma massa de gente.
Ironizo minha amiga que diz que vai sair: “Ah,é?”, digo eu, “Vai se divertir mergulhando nas multidões das lojas, das ruas, das filas?”... Isso é porque aqui em Feira de Santana o Feiraguay está para a cidade assim como a 25 de março está para São Paulo. Não existe natal, do rico ou do pobre, sem Feiraguay.
Aviso aos caras-pálidas: Feiraguay é lugar onde se revendem contrabandos não somente provenientes do Paraguai, mas de diversas partes do mundo. No Feiraguai é possível conseguir roupas, perfumes, peças para carros, objetos de decoração, eletroeletrônicos e até órgãos para transplante.
Hoje a muamba vem mais da China, mas o nome prevaleceu. Daí o nome Feira Guai, obviamente. E como eu sou inimiga declarada da Receita Federal, também declaro que não considero contrabando como crime e já expliquei isso aqui antes: a mercadoria é comprada, é paga com dinheiro em outro país. Portanto, o comerciante não roubou. Para entrar no Brasil, teria que passar pela alfândega e sofrer as tarifas absurdas que a União estipula, a fim de comer sua parte de lucros... Na minha lógica, se alguém está fora da lei é exatamente o representante do governo que quer morder o coitado do sacoleiro ou seja quem for que pagou pelo que está levando. Mas isso é problema velho e a julgar pelo que fez Gérard Depardieu para escapar à tributação francesa – ou seja, ele rejeitou a cidadania francesa e picou a mula para a Bélgica – essas gulas dos impostos não são exclusividades do Brasil. Se já disse que a tribo dos Papachanas tem poucos remanescentes e que os índios Aquidaoânus se multiplicam, acrescento aos estudos étnico-indígenas que fiz, que a Tribo Tação vai dizimar os pobres e ameaçar os ricos, apesar destes últimos sempre se livrarem das armadilhas e entrar em conchavos e negociatas para escapar.
E eu não estaria escrevendo agora se não fossem outras angústias – ah, está bom, vou confessar: estou com uma PUTA bruta enxaqueca e a angústia é toda movida pela TPM – e porque estou de passagem aérea comprada bem para perto de uma fronteira (a quatro horas da fronteira), para ir trabalhar. É que a pressa é inimiga da paciência e como estou financeiramente quebrada, topei de cara a proposta de emprego no fim do mundo porque é como se eu assinasse o cheque do fim das minhas pindaíbas. Se afirmo que é próprio ao ser humano ter angústias, admito que sou desesperada para resolver as minhas. Sentir angústias e não ter dinheiro eleva em 198% a sensação depressiva e tudo de ruim que a angústia tem. Na verdade é um agravante potente.
Então, sofro porque gosto da minha casa, gosto do ser humano com quem sou enrolada afetivamente, gosto dos meus bichos e constituo laços com tudo que há em meu entorno, até mesmo com a ingrata cidade em que vivo.Não troco isso por nada, não troco minha vida de angústias por certos ouros, mas cá está o eixo da angústia.
E tudo isso é culpa do mundo que não chegou ao fim. Se chegasse, resolveria essas porcariazinhas dessa minha existenciazinha medíocre. Agora, tenho que pegar filas!

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