Louquética

Incontinência verbal

domingo, 23 de dezembro de 2012

O show do palhaço velho

Bem-aventurada seja a vida dos outros, para a qual a gente sempre olha com olhos críticos. Assim é que encontrei subsídios para narrar o episódio e as aprendizagens com o show do palhaço velho. Antes, porém, preciso explicar que estou mega-mal-dormida como há muito não tenho estado: saldo da festa de ontem à noite e das berrarias da fé daquela igreja que fica em meu quintal, que interromperam meu sono.
Passei a tarde de ontem na piscina, num lugar bem longe e entocado nas brenhas de Oliveira dos Campinhos, cidade aqui perto. O longe não é longe em distância direta: é o difícil acesso. O nome do lugar é engraçado: Pedra da Égua. Brincadeira aí com a represa de Pedra do cavalo, mas meio mundo de doido se mete por lá para fazer trilhas, ver cachoeiras, desfrutar das frescuras ecológico-esportivas da moda. Lá fui eu. Fiquei até às seis da tarde, parando aqui e ali para roubar caju e mesmo para apenas derrubar as frutas e jogar para os bois das fazendas que margeiam a estrada. Não nego que me diverti, mas queria mais.
Ao chegar em casa liguei para amiga 01, aquela que nunca quer ir a lugar algum. Esta, por sua vez, falou que a amiga 02 – amiga de minha amiga – estava com fogo no espírito para sair. Juntamos a questão, amealhamos mais uma amiga 03, que é irmã da zero dois e combinamos de ir ao Antiquário que elas pensavam ter show do Nil Beatles. Segundo minha agenda cultural, não teria.
Enquanto não chegava o horário de sair, isto é, 22 horas, vai o sujeito que supostamente namora a zero dois e diz que quer vê-la. Ela propôs levá-lo. Por mim, tudo bem.
Cheguei depois delas. Fiquei feliz: era show da banda 80 na pista e ninguém sabia. Surpresa boa. Casa cheia. Diversão garantida.
Olhei a mesa, o terceiro elemento: o palhaço velho. Bateu um monte de interrogações na minha cabeça: “Como?”; “Hein?”; “Será?” e, finalmente, “Por que, meu Deus? Por quê?”.
O velho palhaço já passou dos sessenta anos. E não, ele não é sexy: é somente sexagenário e é a cara do Ronald Golias, subtraído o ar pitoresco do falecido humorista.
Pensamento de gente é a terra do capeta: pensei muito mal da zero dois. Concluí que aquilo ali só tinha uma resposta possível: dinheiro. A outra alternativa é o velho conhecido das mulheres: desespero de causa. Depois pedi perdão silenciosa e interiormente por tal absurdo, já que preço nenhum pagaria o vexame explícito.
Posso dizer que o palhaço velho berrava, fazia vergonha, gritava e cantava no meio do bar, que, para piorar, ainda não tinha som rolando. Um espetáculo de horror. Mas não sou monstruosa, atenuei a situação com a amiga zero dois.
Ela contou que ele chegou à casa dela já dopado de álcool, trôpego e com o carro fumaçando e que ela preferiu arrastá-lo e evitar que ele dirigisse naquele estado. Coitada: apostou na noite e no homem. Ele, quando eu cheguei, estava tomando um gim-tônica. Vez por outra, relinchava coisas. Nas ironias da vida, ela dizia para nós que ele era o cowboy, sabe-se lá por que. E eu saio da Pedra da Égua para conhecer o cowboy, que mais poderia ser o clownboy (clown=palhaço; boy=garoto... fica só o trocadilho raso porque de garoto ele não tinha nada a não ser o comportamento infantil).
Minha amiga zero dois é uma lady: educada, independente, elegante, de bom gosto. Ficava lá, num comportamento de mãe, ralhando o mau comportamento do velho palhaço, ameaçando ir embora... E a coisa foi a tal ponto que ela chamou o táxi e encerrou a festa ali. Coitada: partner improvisando o número do desaparecimento! Deixou a zero dois comigo e voltou para casa carregando seu fardo, um homem velho e ridículo, sem atrativos subjetivos, sem noção.
Poderia ter sido uma exceção, coisa de má impressão que tive porque só houve esse contato entre nós. Mas sei que não é só isso. Há bêbados engraçados, quietos, tristes, agitados e agradáveis... Aquele era só um palhaço velho e desrespeitoso, querendo aparecer. Eu só consegui ver um ser humano fracassado que continua com comportamento infantilizado, que não sabe o que fazer de si: espetáculo triste.
Respeitável público, ele gritou, cantou, foi indiscreto, pediu beijos de despedida da garçonete e, não obstante, deixou um legado desabonador: logo que ele saiu e fechou a própria conta, abrimos os pedidos meus e da zero três.
Esta mesma garçonete nos serviu e perguntou o que queríamos. Quando me ouviu pedir um cocktail sem álcool, perguntou em assombro: “Sem álcool?!" e eu disse: “Sim, sem álcool. E não bebo bebidas alcoólicas. Sei que você deve ter se influenciado por causa do homem que acabou de sair desta mesa!”.
Meu telhado é de vidro: o ser humano, com quem sou enrolada, bebe e dá vexames vez por outra. São vexames contidos, normais para bêbados e sob controle. Daí porque tenho conhecimento de causa, sei dos bêbados e olhando a vida alheia mais vi da minha vida. E que espetáculo triste, lastimável! Olha, a vida da gente é uma coisa que se os laços certos não são cortados, a gente se arrasta no que é desagradável, a gente arrasta o que é desagradável a vida toda e vende barato o que não tem preço, ou até fica de graça...
E como coincidência é o que não falta em minha vida, estava eu curtindo a festa, na loucura natural de quem gosta de dançar, quando de repente uma presença que eu já havia percebido de relance há um tempo, chegou mais perto, forjou uma trombada (de drink na mão e tudo), e eu pedi desculpas ao mesmo tempo em que ele. Não satisfeito, acariciou meu braço, apertou firme e levemente meu ombro esquerdo. Não foi qualquer contato: meu vestido tinha uma só alça, de modo que o apertinho foi gostoso mesmo. Trocamos gentilezas e, de repente, eu ainda dançando, lá vem uma figura sem-graça, presumível companhia do rapaz. E qual foi a coincidência: ele estava bêbado e insistiu em ficar me olhando dançar, procurando pretexto para estar perto... Sou ética, não pego gente acompanhada. E ele estava acompanhado pela coitada da sem-graça, por um drink e por um esquadrão de cervejas prévias. Era o bêbado mais bonito do lugar! Para quem acredita em destino, está claro... E para mim, que curto as coincidências, nada está escrito em lugar algum: a gente é quem cria o texto da vida da gente, com muitas co-autorias, autorizadas ou não, lógico. Tim-Tim!

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