Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Foi Mal!

Acho que localizei minha questão neurótica com relação às cartomantes: para quê saber do futuro e acabar com a surpresa? – aqui é mera desculpa esfarrapada: não acredito em cartomantes porque o ser humano é imprevisível, tudo é imprevisível e o máximo que a gente pode descobrir é algum indício de causa e consequência, consultando aos poucos que dispõem de poderes arquetípicos que nada tem a ver com o mercado esotérico que manipula crenças, esperanças e desesperos.
Cometi uma calhordice e confessei à minha amiga. É que todo mundo sabe que sou simpatizante do Espiritismo porque é uma doutrina que propõe explicações e respostas plausíveis para o Divino e o Humano. Mas não acredito que tudo está escrito, nem que haja Destino e etc., mas leis de causa e efeito, para mim, fazem sentido. Acredito até que o ser humano deva evoluir moral e espiritualmente, mas também creio que se somos fruto da criação Divina, o Capeta pegou a gente sob empréstimo consignado, pois somos seres do Mal, guiados pelo mal, sempre a fim de fazer o mal e, por isso, precisamos ser controlados para não ceder a ele.
Definitivamente, não somos gente boa. Havendo a oportunidade, a gente faz fofoca, a gente é invejoso, violento, maldoso, cruel, egoísta, mal-agradecido, ruim, a gente é negligente e omisso quando poderia não ser, a gente declina de ajudar o outro, a gente usa os problemas e defeitos dos outros nas horas de raiva, em favor próprio... Bom, a lista é longa.
Assim sendo, tanto Thales quanto F.J., (espíritas kardecistas), não acreditam em acaso. Pensam, portanto, que houve uma razão para a gente se conhecer, pois “nada acontece por acaso”. Eu acredito em sorte e em acaso. Porém, como é confortável para mim que eles pensem que tinham que me conhecer, nunca discuto este ponto. Eis a minha calhordice: aceito qualquer sentença da crença alheia desde que ela me favoreça. Religião não se discute – pelo menos quando o ponto de discussão está a nosso favor (aqui ironia minha porque não há assunto que não possa e não deva ser discutido respeitosamente).
Lembrei, neste mesmo rol de discussões, do dia em que conheci Thales, naquele assalto que sofremos, em 2006.
Um dos assaltantes o tempo inteiro estava tentando me acalmar. Disse, então: “Fique calma, moça, nenhum de nós vai lhe estuprar. Se uma coisa dessas acontecesse ninguém aqui ia apoiar não, ele ia se ver com a gente!”. Ele pediu até para pegarem uma água para mim.
Vejam: ali eu vi que ele pensou que eu seria uma vítima “estuprável” para qualquer ladrão. Ali, sim, me assustei, porque eu não estava nervosa conforme ele pensava. Meu suposto nervoso era fruto da vida militar que nos previne que jamais se deve olhar nos olhos do assaltante. Eu baixei minha cabeça o tempo inteiro. Estava era preocupada que eles achassem a cópia de minha carteira militar que ainda estava comigo e que fizessem mau uso do meu diário, roubado naquele momento, com tantas intimidades e opiniões.
Quando passou a ação, lá vêm dois passageiros assanhados me dar abraços calmantes me apalpando. Como é que pode? E um outro, dito advogado, querendo se oferecer a me acompanhar em casa, pois se minha agenda continha meu endereço, os assaltantes iriam lá – típico aproveitamento e exploração dos medos pós-traumáticos.
Posteriormente ao registro em Delegacia e etc., na continuidade da viagem, Thales se sentou ao meu lado, me deu o número dele e etc. e quando a gente se encontrou devido à mera coincidência, ele disse que viu uns e outros ‘cantando’ as vítimas femininas. Eu disse: “Num momento como aquele, como a pessoa ainda consegue pensar nessas coisas?”. E daí concluí que o ser humano é encapetado. Tanto assim que correspondi às investidas de Thales mesmo posterior ao assalto.
Já que tinham levado tudo meu – das chaves de casa às muitas calcinhas, roupas, perfume, sandálias e etc. – pelo menos teríamos o ganho subjetivo da amizade – é, primeiro fomos amigos porque eu namorava outro sujeito naquele tempo...
Mas, então, ser uma pessoa do Bem exige demais do ser humano. Não quero dizer que conhecer alguém em circunstâncias adversas é ser calhorda. Pelo contrário: se sai algo de Bom do que é traumático, ruim, violento, significa que a gente pode reverter o Mal, ressignificar a experiência traumatizante.
Acredito realmente na necessidade de ser caridoso e de ter compaixão. Multiplicar as graças alcançadas através da ação da caridade – que pode ser através de um consolo, um amparo, um conselho, um pão, atenção – é a melhor maneira de ser grato a Deus. Dê a vela, se quiser firmar seu ritual de pedido ou agradecimento, mas multiplique o Bem, divida seu bem-estar, espalhe o bem... Isso a gente aprende quando percebe o que há de mal em nós. Ninguém gosta de admitir o que tem de mau e diabólico e si, mas é preciso enxergar os próprios demônios. Todo mundo tem: o padre, o pastor, o guru, a empregada doméstica, a socialite...
A história da Humanidade é permeada pelo mal: por qualquer coisa, por interesse capital e pelas diferenças, se faz a guerra; por qualquer motivo fabricado se persegue homossexuais, negros, judeus, índios,mulheres, pobres, idosos, curdos, vietnamitas, nordestinos, suburbanos, emos, tanto faz...
Os games violentos, os filmes violentos e as lutas do UFC tão em voga em nosso tempo não teriam plateia se não fôssemos violentos e maus – vai gostar de sangue e porrada assim no Inferno!!!
O Mal sempre edifica o motivo para se fazer presente porque ele é fácil, forte e sedutor, ainda mais num mundo em que se é ensinado a não ter pena, piedade e compaixão, considerados sentimentos feios, sinônimos de fraqueza. Bem disse Frejat: “Eu quero calor/e o mundo é frio”.

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