Louquética

Incontinência verbal

domingo, 20 de janeiro de 2013

Saturno e eu

Não sou de isopor, nem de lata, nem de metal, por isso não vejo problema em me envolver com aquilo com que trabalho ou estudo. Envolvo-me com os temas, com as páginas, com tudo, de modo que, de minha tese, uma passagem em que o narrador criado por António Lobo Antunes traz os pensamentos de Pedro Álvares Cabral em seu retorno da África para Lisboa nunca sai de minha cabeça: “E agora que o avião se fazia à pista em Lixboa espantou-se com os edifícios da Encarnação, os baldios em que se ossificavam pianos despedaçados e carcaças rupestres de automóvel, e os cemitérios e quartéis cujo nome ignorava como se arribasse a uma cidade estrangeira a que faltavam, para reconhecer como sua, os notários e as ambulâncias de dezoito anos antes” (ANTUNES, 1988, pp. 11-12).
“E agora que o avião se fazia à pista”... Isso não me saiu jamais da cabeça porque eu acho que é este o momento em que as coisas se mostram claramente para nós, em nossa solidão de transeunte aéreo. Ali, da janelinha pequena é que avistamos ao que fica para trás e o que se mostra como destino.
Vejo esse imenso frisson com Kerouac, com Bukowsky, recrudescendo agora com a velha temática do ‘on the road’... Certo, não obstante o Walter Salles ser um homem bonito, charmoso e criativo, retomou o tema, pôs no cinema e está arrasando. Mas estas literaturas, as do Henry Miller (Sexus, Nexus, Plexus e etc.) e as do Carlos Castañeda eram leitura obrigatória no curso de História aqui da UEFS, autores da dita geração beatnik toda... Extraclasse, lógico, mas quem não lia se ferrava, até porque o predomínio de maconheiros e herdeiros ideológicos dos hippies e outros mal adaptados punks nordestinos era total. Boa forma de se entrosar...
Mas, então, se houve uns on the road; se se fala tanto em diásporas, em retirâncias e outros termos para os fluxos migratórios, o que dizer de nós? Somos ‘on the air’? Mudam-se as estradas, não as rotas. E meu blábláblá é forma de me preparar para minha viagem de amanhã, para a árida cidade.
Todo mundo se manda. Olha, as pessoas mudam de cidade por causa de emprego, deixam muitas coisas para trás, vivem até onde não lhes agrada porque viver com tostões contados (ou sem eles), ninguém quer. O profissional tem que ir onde a oportunidade está. E lá vamos nós.
Se relativamente perto e não dispendioso, a gente vai e vem. A gente vive em duas cidades, em três, tipo eu, que tinha apartamento em Aracaju, casa em Feira e república de professores em Xique-Xique. E o lado bom disso? A vida pessoal faz sofrer menos. E disso certa amiga minha se dá conta agora: exceto nos intervalos dos deslocamentos (isso para os que, como eu, não dormem no trajeto) não resta tempo para pensar em nada. Não dá tempo para sofrer, nem para lamentar... E depois de tudo, no dia do descanso, a gente descansa, vai a uma festa e a vida segue passando sem incomodar muito. Se esta rotina parar, todas as faltas se revelam.
Entendo os workaholics e também entendo meu orgulho de quem já sofreu muito e pode dizer: “Desta água não beberei”. Não bebi mesmo: agora que o pote está secando de vez e que a proposta se mostrou mais atraente, disse ao povo que vou. E irei. Dar um refresco nessa minha vida sufocada.
Amanhã baterei a porta da minha casa e só retorno dentre de quase dois meses. Depois de ficar uma semana aqui entre março e abril, volto para lá, mas lá não será Brasília e sim a cidade perto da fronteira. Fiquei pasma, ontem, quando soube que para entrar na Guiana Francesa precisa visto. Ora, mas o que tem lá para haver tanto protocolo? Ah, tá: Governo francês.
Fico olhando o mapa: avisto o outro país. A alma treme de medo do Cartel de Cali e de estar tão perto da rota do contrabando de cocaína... Depois penso: e daí? Dane-se: vou dar aula, não consumo nada, nem álcool, quanto mais pó? Estou fora!
Ontem eu disse a Rosana – que também se propôs a ir para qualquer dos extremos daqui a meses, conforme o trabalho solicite; ela que já deixou Feira há um mês para ir para Lençóis – que minha tia astróloga sempre me adverte sobre a presença de Saturno neste ano. Disse no mais claro português: “Planeta mal humorado! Não permite retrocesso: escolheu, não há volta!”. E pior que a tia me falou que a conjunção para o meu signo diz que Saturno vai predominar na minha casa profissional. Daí que se eu optei por ir trabalhar na casa do caralho longe, problema meu!
Não reclamo: tomei um bando de decisões de uma vez só, tudo no pacote 2013 e vou pagar o preço. Aliás, vou liquidar a dívida, porque não é fácil sair fechando portas atrás de si. Como no tocante ao velho relacionamento eu precisava não voltar nunca mais, tudo veio a calhar. Falo do velho relacionamento e não de FJ, que continua atencioso e mais presente do que os que são próximos... Distâncias geográficas, proximidades emocionais, fronteiras morais:haja cartografia!Vale o mapa astral, vale o mapa da vida.

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