Louquética

Incontinência verbal

sábado, 2 de março de 2013

Palavras nuas


Conversei ontem com o meu pai e resolvi remexer os escombros de uma parede quase derrubada. Aliás, chamo de muro.
Resolvi levar a sério como quem acorda e descobre que já cresceu: vou terminar tudo que comecei e resolver tudo que ficou pendente.
Percebi que minha vida tem que ter a minha participação, senão eu viro coadjuvante e fico assistindo antagonistas, figurantes e personagens secudárias decidindo meu destino ou influenciado sobre ele.
Não nego: tenho lá umas estagnações por preguiça; penso que tem lutas cujo prêmio não vale a pena, levo na esportiva e também decidi não me preocupar com certas coisas.
Até o presente momento nada demais aconteceu em minha vida, mas posso dizer que por caminhos imperceptíveis, venho cumprindo todas as promessas que fiz a mim para este ano.
Respeito muito a opinião de quem é importante para mim e talvez por causa de uma outra conversa com FJ, antes dele ir embora, tomei por promessa de honra um conselho que recebi. Gosto dele sei que o conselho é certo, lá vou eu, pagando a dívida moral comigo mesma.
Por razões que eu desconheço,fui remexer outra fonte: Obtive uma confissão forçada do meu ex, mediante vodka e conversa mole, e descobri que o desgraçado leu tudo do meu engavetado livro. Dos dois, o que é pior.
No caso do segundo, escrito entre um aeroporto e outro, num período de amores contrariados e em que eu estava triplamente desequilibrada. Pior do que ler meus livros é saber que o miserável sabe me ler e depreender o que ronda minha ficção.Vou mudar tudo!ou quase tudo do segundo livro. O primeiro, não:tenho um amor absurdo por Todas as mulheres se chamam Maria.Amor não tem preço. Amor não se vende e é por isso que ele está engavetado até que a psicanálise (quando eu voltar a ela)me ajude a resolver o caso.
Conversando com umas amigas sóbrias concluí que todas nós temos medo do ego dos escritores em geral e dos poetas em especial - esta gente que se pensa sensível, especial e superior. Nas nossas experiências foi o perfil predominante...
Quando eu conversava com Rodrigo no sábado passado, antes do flerte, quando eu ainda me pensava 'irmãzinha' por ser a intocável prima do amigo dele, falei disso, das pessoas confundirem o homem e a obra. Daí que eu repeti que os caras que tocam violão pegam milhões de mulheres porque elas acreditam que se eles tocam músicas românticas, são necessariamente românticos. E no caso dos cantores profissionais isso é bem verdadeiro e talvez justifique o harém de Fábio Júnior e os muitos amores de Chico Buarque e os não poucos do Vinícius de Moraes.
Desnudas as palavras ( e também os poetas), não há correspondências entre a embalagem e o conteúdo; entre o livro e a capa; entre a pessoa e os escritos.
O que a gente escreve tem muito da gente, mas não é a gente: ora é o avesso do que somos, ora é o que gostaríamos de ser, ora é o que projetamos sobre a vida de quem conhecemos.
Aí Rodrigo falou da personalidade arrogante do Moacir Gadotti, que é do mundo da teoria da educação; e em nada me surpreendeu: no universo teórico, achar causa e consequências para isso e aquilo, constatar misérias, deficiências, insuficiências, necessidades de mudanças, etc., não quer dizer que aquele teórico pratique o que ele recomenda.
Tem gente com discurso marxista que é, entretanto, grande proprietário (vide o exemplo do finado Oscar Niemeyer que, sendo rico, era marxista. Não obstante deste podemos dizer que pelo menos 'forçou a distribuição de renda' e partilhou seu capital com presos políticos e com a classe pobre em algumas situações). Mas naquela UFBA em que estudei,vi muita gente gabaritada e dona de teorias dos Estudos Culturais que,no plano teórico e discursivo, pregava a igualdade e a justiça social. Na vida real, oprimia os porteiros do Instituto de Letras e a qualquer pedido ou ação de seus empregados domésticos dizia tratar-se de 'uma ousadia falar daquele jeito ao patrão/patroa'. E é daí que eu ironizo e digo que estes querem a igualdade, desde que a igualdade não passe pela cozinha deles.
É normal confundir a obra e o autor; a letra e o cantor, etc.,mas a vida real é quem dá o tom da realidade.
Se ainda falo mal dos poetas - e já não estou sozinha nisso - é porque também a meu tempo confundi o sujeito lírico com o sujeito sem-vergonha que era o autor. Creio que toda mulher faz isso: pensa que aquelas palavras tão minuciosamente escolhidas, que o cuidado com rimas e ritmos, que a preciosidade imposta na textualidade poética reflete o autor. Nada mais improvável. E dizendo isso lanço meus pedidos de desculpas a Chuck, que é poeta e amigo. Ah, sim, amigo pode.
Para demonstrar a sinceridade de meus pedidos de desculpas, também para Chuck deixo aqui uns versos da mais linda poesia musicada* da contemporaneidade:
"Ah, lelek,lek,lek,lek,lek,lek
Ah, lelek, lek, lek,lek,lek,lek
Girando, girando para o lado.
Girando para o outro
No passinho do volante
Quero ver o baile todo!."

*Deus me perdoe!

Nenhum comentário:

Postar um comentário