Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 29 de abril de 2013

"Mais louco é quem me diz..."




Na minha segunda aula, aliás, no meu segundo dia de aula na universidade, minhas alunas me cercaram no corredor do módulo para me advertir sobre a colega: “Professora, não sei se a senhora já percebeu, mas X é bipolar. Ela está no auge da crise hoje, por isso ignore se ela sair do controle, se fugir à normalidade”.
Surpresa: eu não sabia não. “De perto ninguém é normal”. Eu já disse aqui que minha amiga mais que Irmã é esquizofrênica, mas a crise só veio aos 30 anos; que na minha turma de graduação, na UEFS, eu tive duas colegas esquizofrênicas e que já desconfiei de amigos e alunos meus, mas daí a olhar para a cara e acertar no diagnóstico, nem Freud!
A gente faz loucuras e diz besteiras e se acha no direito de chamar louca, louquética, o que for. Mas no caso de minhas colegas de classe, era assim: uma delas, C., era apenas descontrolada e ansiosa, com alguns episódios de hipocondria. No trato das relações humanas, gostava de fazer vergonha moral às pessoas, do tipo que procura esfregar na cara dos outros os favores feitos, as coisas ou quantias emprestadas, desfazer do conhecimento alheio, enfim, um perfil que pode facilmente se confundir com o de qualquer pessoa normal, arrogante e sem noção. Depois de muito tempo, quando forcei que ela fosse ver minha analista, soube do diagnóstico: esquizofrenia.
A outra colega, M., era arredia: não suportava que tocassem na carteira que ela ocupava na sala, era comedida nos modos, mas alterava a voz por qualquer coisa. Passados dois anos desde nossa formatura, ela alegava a perseguição do Presidente da República, atrás dela, pelo campus, no ponto de ônibus e etc.
Minha amiga mais que Irmã desencadeou sua crise por causa de um amor contrariado: ela já delirava, fazendo de um maconheiro, vagabundo (jamais trabalhou, nesses seus 42 anos de vida), que levou 11 anos para se formar, um artista plástico. Ele cursava História, comigo. Ele levou 11 anos para se formar, só para não deixar de ser estudante e ter que provavelmente trabalhar. Para ela, ele é um artista plástico: este é o primeiro delírio. Daí a dizer que implantaram um chip nela, que o Governador a persegue, que os artistas da TV a procuram e a ouvir mais vozes do que se ouve em micaretas, foi um pulo.
Nesta noite passada, porém, meu primo e todo mundo da casa dele não conseguiu dormir. Ele me contou que a mãe dele, que já tem episódios senis, achou que ele fosse mata-la por estrangulamento. Tudo isso porque ele foi acompanhar a mãe da sala até o quarto, sentou-se ao lado dela na cama e começou a conversar coisas amenas, para ativar a memória dela. O gesto de arrumar o travesseiro e pegar nos cabelos da mãe, fez com que ela acendesse o delírio. Neste caso, é coisa mesmo da senilidade, quadro específico que eu não sei dizer o nome, mas que redunda na paranoia.
Ela quis fugir da casa dele, gritou por socorro, falou barbaridades e, assim como eu, o filho do meu primo se pipocou em risos. Contando, a gente ri, porque não faz o menor sentido, é engraçado. Porém, ela não dormiu e fez barulho para que ninguém dormisse, com medo de ser morta pelo filho único – e até disse que os bens dela já eram todos deles, para quê mata-la? Sei é que o que nos fez rir, deixou meu primo exausto e entristecido. Ao perder o juízo, a pessoa que a gente ama já não está mais ali. É só um corpo, sem as memórias, sem o reconhecimento, sem a sanidade...
Minha aluna, porém, me chamou também ao canto, me explicou da bipolaridade, me preveniu do ocorrido, checou o que eu sabia e mostrou que ser bipolar não é viver apenas oscilações de humor e os altos e baixo que decorrem disso: a realidade é distorcida, a vida corre ao contrário, há pesadelos enquanto se está acordado, mil coisas...
Sei lá, acho que nossa época é propensa ao desequilíbrio.
Pode parecer cinismo e ironia, mas acho meio abiloladas, piradas e malucas essas pessoas que distorcem a realidade social, sabe? Porque a humanidade não erra em favor do próximo.
Então fica esse povo noticiando as atrocidades cometidas por bandidos em geral, e por bandidos menores de idade em especial. Mas aí atenuam a situação, querendo pôr sobre a vítima a responsabilidade da violência sofrida: o coitado do bandido não teve oportunidade na vida, é pobre, tem desejos de consumo não saciados, é esquecido pelo Governo, é excluído. Por isso mata, violenta, assalta, queima as pessoas vivas, estupra e etc. E aí eu olho para mim e para meus amigos que não tiveram oportunidades na vida, que somos pobres, que temos desejos de consumo não saciados, somos esquecidos pelo Governo e excluídos, e a gente se vira, estuda em escola pública, trabalha, lê, se vira ainda mais, se sacrifica e não mata ninguém.
Até Tati pensa assim: todo marginal tem razão de ser marginal porque a sociedade cria neles desejos de consumo aquém de suas capacidades aquisitivas.
E os defensores dos menores de idade jamais percebem que eles sabem o certo e o errado e que se têm astúcia para matar, roubar, estuprar, mutilar e torturar devem responder criminalmente pelo que fizeram. No modo de pensar desses aí, a vítima que se lasque, pois vítima maior é o coitadinho infrator, que é vítima do sistema. Responsabilidade, zero.
Tantas vezes o menor infrator monstruoso atinge um menor de idade e o povo fica romantizando, invertendo a lógica para favorecer o assassino!
Estes aí, sim, para mim, perderam o juízo: já não atinam entre a realidade e a fantasia, talvez porque nunca sentiram na pele a mão pesada do assassino, acham que tudo é exagero e responsabilizam o Estado pelo que é ato e responsabilidade pessoal. Todos nós temos escolhas: podemos fazer o bem ou o mal. Quem não tem sanidade mental e se desequilibra, não responde por si. Que pena que as pessoas perderam a noção dessas fronteiras.

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