Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sob outro ângulo...


Entender as coisas a partir de um novo ângulo às vezes pressupõe colocar-se de cabeça para baixo. Eu não sei se fiquei de cabeça para baixo para entender a minha amiga ou se foi ela quem pôs as coisas invertidas: ela me explicou que sempre volta para o idiota cafajeste (que nem repara nela, que a deixa esperando noites e noites, que se aproveita da generosidade dela e que nada oferece em troca) porque quer. Ela volta porque quer. Ela se deixa iludir porque quer. Logo, desconfio que a ilusão não seja, assim, eficaz – e se há consciência da situação, não se pode alegar engodo ou estelionato afetivo da outra parte.
Na versão por ela oferecida, é assim: ela não valoriza o sujeito cafajeste e por isso, usa a companhia dele como atenuante da carência. Disso resulta que ela não se magoa com as traições dele, porque não são traições, pois ela sabe e não vai brigar por algo que não tem valor; ela sabe que ele a subestima, mas não se importa porque a opinião subjetiva dele é que é subestimada por ela e, enfim, se até hoje a relação não é séria no sentido do compromisso e das trocas recíprocas que deveriam nortear qualquer espécie de casal, para ela, tanto faz: por questões de consciência, ela diz que nunca seria feliz com ele caso se casassem e tivessem filhos, pois sabe quem ele é, sabe o quanto ele é omisso e irresponsável.
Mas apesar disso tudo, meu conselho foi o de sempre: que ela ficasse sozinha, pois iria apenas oficializar para si mesma esta solidão, uma vez que o cara de que se fala aqui é ausente, é egoísta e, para piorar, sexualmente preguiçoso. Se não cortar o vínculo, ela vai comer migalhas conscientemente e declinar de perseguir a meta de um banquete.
A gente critica os casais que não tem nada a ver porque geralmente é a soma de dois mundos diferentes e igualmente carentes, por isso, desigual: não são só meras diferenças – de idade, de aparência, de nível cultural, social ou econômico -; tem alguém ali negociando, propondo a troca do ‘tome isto e me dê aquilo’. Quase sempre se somam as carências – do menino feio com a mulher mais velha; da mulher bonita com o homem velho rico; da mulher jovem, bonita, carente e independente com o homem confortavelmente casado; do rapaz bonito, pobre e sem autoestima com a mulher mais velha e dominadora; até às mais complexas combinações que aos olhos da gente não combinam em nada e que maldosamente nos faz pensar que há alguma coisa errada por ali.
No caso da minha amiga, tem mesmo – mulher jovem, bonita, inteligente, independente e carente – acha que nunca vai achar um homem que preste, que todos os homens que já passaram pela vida dela nunca a escolheram como esposa, nunca valorizaram nada nela e apenas ficaram o tempo suficiente para se aproveitarem do amor desmedido que só as pessoas carentes sabem dar, na esperança de receber um retorno proporcional. Falei de uma, lembrei de outra (a lindíssima Ana Paula) e enquanto findo este texto, mais e mais mulheres conhecidas minhas me vem à mente, pela igualdade de condições, pela falta de percepção sobre si mesmas, pelos desesperos de causa que vivem, loucas para casar e ter filho antes dos quarenta anos, custe o que custar; loucas por uma companhia, mesmo uma má companhia... E quem sou eu para falar de tantas e não olhar para mim mesma? Claro que quero uma boa companhia, mas não consigo mesmo pensar em casamento, filhos e coisas do gênero. Continuo temendo as coisas eternas, até que a morte os separe, as traições nos separem, sempre querendo o gosto doce do namoro, da novidade e da espera que justificam arrumações e surpresas, planos e histórias construídas a dois nas paisagens diferentes de cada encontro... Acho que ninguém nunca deveria ficar sozinho a ponto de se desiludir, porque sonhar é preciso, é um gás a mais na vida...Desejo que minha amiga, que é consciente, saía deste enlace chato e sem futuro. Não se sai de uma dessas sem os hematomas das saudades, da sensação de perda e dos sentimentos normais que acompanham uma ruptura. Porém, não me furto de sustentar a opinião de que não há solidão pior do que a companhia de um homem cafajeste – e disso, eu entendo com conhecimento empírico da questão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário