Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 9 de julho de 2010

A mulher e seu passado


Fiquei observando a predominância daquele pensamento machista de pára-choque de caminhão, segundo o qual "passado de mulher é como cozinha de restaurante: se você conhecer, não come!".
Vejo lá na casa de minha tia o machista júnior do meu primo Marcelo digladiando com a namorada por conta do passado da moça. Não vejo a menor lógica em ciúmes retroativos, mas vejo que ele existe.
A vida de qualquer pessoa é composta por tudo aquilo que ela viveu.
No nosso curriculum vitae, a gente já traiu, a gente já amou, a gente foi medíocre, a gente foi injustiçado, a gente encheu a cara, a gente foi inconveniente, a gente viveu amores eternos de uma semana, a gente fez fofoca, a gente desejou o mal, a gente fez o bem, a gente ficou com o troco dado a mais, a gente devolveu o que não nos pertencia, a gente beijou gente, transou com gente (muitos com gente do mesmo sexo,com gente morta, com gente suja, com muita gente, com gente que nem é gente...), já riu dos outros, já foi falso, já mentiu até não poder mais, já desistiu de convicções, já insistiu em relações fracassada e em fórmulas impossíveis, a gente já se sentiu ridículo e já ridicularizou alguém, a gente já se arrependeu, a gente já deu dor de cabeça a pai e mãe, a gente já viveu ressacas morais, conflitos amorosos, impasses psicológicos, dúvidas, desejos, raivas incontáveis, a gente já blasfemou, já praguejou, já xingou absurdos... e isso seria diferente se não tivéssemos vida própria.
Aquele texto que eu cito e amo, A mulher e seu passado, de Rubem Braga (senhor, permita que eu não troque os Rubens!)mostra que benditas sejam as mulheres por tudo o que viveram, por todas as experiências que as fizeram ser como são.
Minha amiga adventista também passou por uma dessas,há uns anos atrás, mas agiu com cinismo: o mané que estava dando usn amassos nela após o culto perguntou: "Você é virgem?" E ela respondeu: "Não, por que? você é?!" com a maior cara falsamente chocada.
Entro na briga e digo na minha família que os homens têm passado também.
E por que contabilizar as transas dos homens é uma vantagem para eles, enquanto que supor a contabilidade sexual de uma mulher é depreciativo para ela?
Ser uma mulher rodada é péssimo e ser um garanhão é bom?
Levar o filho na zona é louvável e garantia de assegurar a heterossexualidade dele. E por que ninguém leva as garotas para deixarem de ser virgem a fim de garantirem a heterossexualidade delas? Não são seres humanos? não têm a mesma ânsia, curiosidade e necessidade de sexo?
Já tenho medo quando me vêm com aquela história de mulher experiente...oh, bichinho ambíguo!
Mulher experiente é mulher com idade avançada e coleção de relacionamentos formais, filhos derivados das experiências,pensões e conflitos também.
Penso que a mulher que casa 03,04, 05 vezes e tem filhos de todas estas relações, acreditou no investimento afetivo, na relação. Não tem que se envergonhar do passado, dos divórcios, dos ex...
Conto um caso verídico agora, na esperança de que, claro, a pessoa em questão nunca saiba disso: uma certa moça casou uma vez e não deu certo. Então casou pela segunda vez, embora sem as formalidades do cartório. Não deu certo; casou pela terceira vez. Voltou, então, para o primeiro marido.
Ao se divorciar deste primeiro marido que estava tomando o lugar do quarto, tinha uma relação tão boa com o futuro ex-marido que, em vista da notícia do divórcio, resolveu comemorar com ele.
Sério: os dois estavam felizes por se desvencilharem dos entraves legais da união.
Assim, caíram felizes na night soteropolitana.
Na agitação e na felicidade, ela engravidou deste ex e partiu para o quarto que é quinto de fato (olhe, não me trapalhem nessas contas!) relacionamento já com um bebê do anterior na barriga.
Agora, após uns 03 a 04 anos, ela e o primeiro marido resolveram se separar de seus respectivos cônjuges porque chegaram à conclusão de que os dois que começaram essa história foram feitos um para o outro.
É inacreditável, mas o referido é verídico e dou fé.
Eu não seria nada sem meu passado, sem minha história, memso tendo vontade de arrancar umas páginas, de queimar outras, de reescrever, de interpretar diferente certas passagens...o livro de nossas vidas é o passado, as pedras que rolaram.
Quando eu era pequena ouvia a chamada do filme Peggy Sue: seu passado a espera, não imaginava o enredo, mas achava engraçada a ideía de que alguém pudesse se reencontrar com o próprio passado, porque eu entendia que o tempo não agia retroativamente.
Já faz tempo.

Um comentário:

  1. "No nosso curriculuim vitae, a gente já traiu... " wow, fala por ti. mas admiro a coragem.

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