Louquética

Incontinência verbal

sábado, 3 de julho de 2010

Bastardos Inglórios


Ah, você vai ler essa porcaria mesmo, nem adianta eu ficar impondo censuras: está bem, estou perplexa, chocada, desencantada! Você acha mesmo que tudo está escrito. Para você, não há acaso, tudo está concatenado com um plano superior, isto é, tudo está escrito, determinado, implacavelmente.
E tudo está escrito com a aquiescência de Deus, conforme você presume.
Nada acontece sem a permissão de Deus.
Ah, como isso me dói.
Dói porque eu te perguntei sobre a escravidão negra e você assentiu.
Como ficamos? eu, você, seu Deus cruel...
Eu evoco esse deus cruel, esse Deus de Abraão que desce a madeira no cristão desobediente, esse Deus do Antigo Testamento, sabe? eu o evoco nos meus momentos de fúria de vingança, quando eu digo" "Deus te dê o que você merece" e que, como você bem sabe, implicitamente parafraseia a fala de Samuel L. Jackson em Pulp Fiction, que você lembrou, quando ele diz:
"O caminho do homem de bem é cercado de todos os lados pelas iniquidades do egoísmo e tirania dos homens maus. Abençoados os que, em nome da caridade e da boa vontade, conduzem os fracos pelos vales das sombras, pois ele é o guardião do seu irmão e o que encontra os filhos perdidos. E vou atacar com vingança e fúria os que tentarem envenenar e destruir meus irmãos. E quando minha vingança se abater sobre eles, saberão que eu sou o senhor".
Então, os sentimentos de vingança justos, aqueles que a gente destina a quem condenou a gente sem nos dar o direito à defesa, aqueles que nos acusam e nos condenam, mas não dão a saber de que somos acusados, aqueles que abusam de nós ou gratuitamente nos destratam, enfim, todas essas formas de fazer o mal gratuitamente, se instauram um ato de injustiça, é certo que merecem vingança.
Mas, pela sua lógica, houve escravidão, genocídio, hecatombes e seus pares por motivos que a minha concepção de um Deus de misericórdia não admitiria.
Você viu como eu me exasperei com Bastardos Inglórios?
No fundo, acho que Tarantino mostra que todos os oprimidos guardam sua cota de desejos de vingança.
Oh, que coisa boa ver Hittler pegando fogo!
Que bom que a ficção pode dar essa catarse de vingança, de nos permitir ver o contra-ataque dos judeus!
Um filme desse não alcançaria a glória que alcançou se não dissesse tanto quanto diz.
E então, Vista a minha pele!
Por respeito a mim e aos meus antepassados, explorados, expropriados, marginalizados, coisificados, não posso admitir que Deus seja aquiescente com isso, nem que tudo está escrito, nem que nada se faz sem a vontade de Deus...não, não pode! não faz sentido!
Não pode haver um povo escolhido em detrimentos de tantas etnias massacradas, de tantos povos subjugados...
Você, que tanto gosta de poesia, "...por favor, não esqueça da rosa de Hiroshima(...) estúpida, inválida"...
Não pode, baby, não pode ser!
Não me diga que o Japão mereceu.
Não me diga que Deus consentiu.
Olha, eu digo, "se Deus quiser", mas é no sentido de pedir a concessão dele, sabe? eu peço, sim, pelo amor de Deus, não pela determinação de Deus, porque eu acredito em livre arbítrio.
Meu amor por Deus é livre e me deixa livre.
Eu sou responsável pelas consequências dos meus atos.
Quem disse que o meu Deus concorda com meus desejos de vingança? não, ele opera pela Justiça. Por isso eu tenho que limpar o coração para dizer a Ele que dê aquilo que x pessoa merece, porque Ele não dará além do que a Justiça, por mais que o ódio despertado em mim possa dominar o meu coração.
Pense bem sobre tudo isso, porque em mim dói muito pensar sob o ponto de vista que você pensa, por mais que eu goste do seu macarrão e da sua companhia, entre tantos pontos em comum que nós temos, nessa amizade que se arrasta por quase uma década, num tempo subjetivo bem superior à cronologia.
Vamos dicutir outro paradoxos de Quentin Tarantino no almoço de domingo que vem? Claro, se Deus quiser!

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