Louquética

Incontinência verbal

domingo, 27 de junho de 2010

Como se fosse um tango


Não sei dançar a dois.
Para alguém que adora dançar, como eu, é uma contradição absurda não saber dançar a dois. Talvez isso revele um pouco da minha mínima habilidade de seguir o ritmo do outro ou de saber estabelecer o compasso, acompanhar e também conduzir...não sei fazer isso.
Quando escrevi minha dissertação, me encantei exatamente com um poema de Iderval Miranda que se chama "Como se fosse um tango". Ele diz o seguinte:

todas as sementes do nada
e a sempre falta.

Assim mesmo, em minúsculas.
Assim mesmo, pequenininho.
Assim mesmo, doloroso, revelador das angústias, das faltas, dos 'nadas".
Então, numa disciplina do doutorado caiu ,justamente para mim, um romance argentino. Na hora de fazer o artigo, nomeei "Como se fosse um tango", em paráfrase explícita com o poema de que falei.
Os Tangos e Boleros que compõem o romance Boquinhas Pintadas, de Manuel Puig, lançado em 1969, guardam uma relação estreita com o drama, com as decepções amorosas e angústias humanas, abundantes em suas letras. Nas danças, por sua vez, tangos e boleros devem ser executados em dupla, com proximidade física, com encenações, coreografias e dramatização.
O Tango nasceu no final do século XIX, na Argentina, nos subúrbios, sendo tocados, principalmente em cabarés e prostíbulos. Enquanto dança, o tango foi marginalizado e restrito, em princípio, às zonas suburbanas e periféricas por conta de ser considerado indecente. Somente as prostitutas poderiam fazê-lo, declinando dos pudores socialmente vigentes.
Posteriormente, Carlos Gardel inventou o tango-canção, ajudando a que o ritmo pudesse sofrer menos preconceitos e ganhasse o status atual, alçando prestígio artístico.
Também o bolero tem origem controvertida, mas reconhecidamente hispânicas, sendo representante dos empréstimos simbólicos das culturas de língua espanhola, seja na Europa ou nas Américas.
Eu acho tango lindo!
"Fumando espero al hombre que yo quiero!", lembro de memória essa voz, essa mulher cantando isso, com um tom de mulher da vida, como dizem por aí. E acho que talvez essa seja uma forma "original" de assunção dos sentimentos - e o tango é dançado assim, no rastejar das mulheres aos pés dos homens, em cenas de lágrimas, de abandonos, de arrependimentos, de perdas...
E quando do encontro, o tango tem toda aquela força da veracidade dos que se desejam: é quase um sexo dançado, artisticamente preservado na encenação do beijo, dos toques, da proximidade dos corpos...
Até os Engenheiros do Hawaií se renderam ao ritmo, com a música refrão de Bolero:
Eu que falei: nem pensar!
Agora me arrependo,
Roendo as unhas
Frágeis testemunhas de um crime sem perdão.
Eu que falei: nem pensar!
O coração na mão
Como um refrão de um bolero
Eu fui sincero como não se pode ser
Um erro assim, tão vulgar
Nos persegue a noite inteira
e quando acaba a bebedeira
ele consegue nos achar
num bar
Com um vinho barato, um cigarro no cinzeiro
e uma cara embriagada no espelho do banheiro...
Até me deu saudades das noites de sábado no Rio Vermelho, nos idos de 1999, 2000, 2001, 2002, 2003...e em seus revivals em 2006 e 2007, quando eu estava roxa de hematomas da paixão, querendo mais é morrer do que viver sem quem eu amava.
Na verdade, nunca aprendi a dançar a dois e agora vem você querendo mudar o meu passo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário