Louquética

Incontinência verbal

domingo, 6 de junho de 2010

Toda mãe sempre sabe


Dizem que toda "Mãe sempre sabe", mas acho incrível não apenas a existência deste livro de autoria de Edith Modesto, mas a criação do GPH (Grupo de Pais de Homossexuais), ONG muito bem vinda em tempos de intolerância e em tempos de mudança na família. Sim, a orientação sexual também é um assunto de família.
Às vezes cito os desesperos dos meus amigos mais chegados, buscando esconder dos pais a homoafetividade, a realidade...e há alguns com maior humor que, assistindo aos escrachos como o Big Biba Brasil, cantam junto aquela paródia da abertura: "se seu pai soubesse quem você é...".
Há armários blindados e há outros entreabertos, entre os meus amigos. Mas, sai do armário quem aguenta. E se o armário é confortável e aconchegante, boa sorte! o que eu acho desagradável é a vida dupla: ser um gay casado com mulher. Sempre acaba mal e é uma agressão incomensurável para ambas as partes - aliás, gays casados são numerosos.
É preciso gastar as pestanas nos livros Foucault para entender as sexualidades vigiadas e os controles exercidos sobre as pulsões eróticas mas, para entender de si, talvez bastasse justamente a coragem de se olhar no espelho.
A televisão abusa dos estereótipos mas, descartados os esterótipos dos afetados e dos caricatos, como negar determinadas ligações como o fato da repetição da iniciação sexual do homossexual masculino com um primo? - dos meus amigos, afirmo que ouvi isso tantas vezes que nem saberia enumerar - como negar que alguns se escondem nas religiões, julgando existir perturbações espirituais que os inclinam para o amor e para o desejo sexual pelas pessoas de seu próprio sexo? ou se enfurnam nas igrejas para descartar suspeitas. E quantos dos meus amigos tiveram sua primeira relação homossexual após os 27 anos? quantos outros viveram relações de exploração com parceiros "bofes"? ah, gente, bofe é o cara que tem casos com homossexuais, mas adota uma postura heterossexual e justifica o caso a partir das necessidades financeiras. Dos que já morreram, a clássica morte violenta (por parceiros recém conhecidos ou de velhos relacionamentos).
Então, em atenção à dimensão plural que as paradas do orgulho gay assumem, julgo que seria bom se boa parte dos homossexuais pudessem mesmo suplantar os anos de introjeção machista que a vivência cultural lhes impele.
Já me perguntaram e por isso vou responder: homossexuais do sexo feminino eu conheço poucas. Posso falar de Bruna, que demorou, mas assumiu a homossexualidade e hoje namora uma pessoa muito legal. E isso também revela as minorias entre as minorias, na velha noção de microfísica: uma coisa é ser homossexual masculino, outra coisa é flexionar no feminino.
Volto a falar das famílias, porque, de fato, não é fácil para uma mãe mentir para si mesma. Eu acho que mãe sempre sabe. E pai também, de algum modo, tem o radar ligado...sabe e sofre, entra no armário com o filho, se pergunta onde errou, não entende, teme as humilhações, as execrações sociais, lamenta que não terá netos, tem vergonha de outros membros da família...não é sofrimento pouco, não. Entre a idéia de pecado, de castigo, de pouca vergonha e termos depreciativos correlatos, a fila vai longe.
Como assunto de família, levando-se em conta que poucas são as famílias que têm compreensão suficiente e adotam posturas inclusivas, as coisas precisam ser discutidas e isso não é quebra da privacidade. É só a verdade, mas cada um sabe sua hora de expor a verdade...e se há a vergonha de ser homossexual, ponto que é visível (e que nos deixa estarrecidos, não é? como pode a pessoa ter vergonha de ser homossexual?) então é hora de ir conversar consigo mesmo e reverter essa questão.
A sociedade não é receptiva às diferenças. Ao longo da história, a diferença quando tomada a partir da perspectiva dos grupos hegemônicos foi convertida em suposta inferioridade e usada como pretexto para discriminar, escravizar, explorar.
Aos meus amigos homossexuais, digo que brinco, faço brincadeiras machistas e correspondo em certos pontos àquilo que foi também introjetado culturalmente em mim, mas nada disso diminui meu afeto e respeito por eles.
Há clichês que a gente repete para desconstruir - um homossexual chamando ao outro de biba, por exemplo, é permitido e inteligível na lógica daquele contexto e daqueles atores sociais.
Sou a favor da concessão de todos os direitos possíveis aos homossexuais.
Muitas vezes aquela família que discriminou, que puniu, que atingiu moralmente o homossexual que a ela pertencia, após a morte do parente homossexual se apropria de todos os bens por ele adquirido, em detrimento dos seus reais companheiros e daquelas pessoas que compuseram a sua vida.
Um casal homossexual pode, sim, criar dignamente seus filhos adotivos, bem como não deveriam ser privados de servir nas forças armadas, se lhes aprouvesse.
A este propósito, eu ainda tenho uns amigos bobinhos que nem desconfiam por que foram dispensados do serviço militar obrigatório - acorda, menino! é o radar! você é que não se deu conta de que deu pinta...aliás poucos percebem que dão pinta. Há razõe contingenciais, também, para estas dispensas, mas não se aplicam aos casos aqui citados. Mas não é engraçado? alguns homossexuais pensam que ninguém desconfia? ora, menino, toda mãe sempre sabe - imagine o resto do mundo?
"Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é", my friends!

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