Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 15 de junho de 2010

Nenhuma Pátria me pariu!


Já passava das 22 horas quando minha orientadora me ligou para avisar que o nosso encontro previsto para hoje seria adiado, em razão de uma Portaria que regula os horários de funcionamento das repartições públicas durante os dias de jogos da seleção brasileira na Copa.
Ela previu as agruras de se deslocar por Salvador em infinitos prováveis congestionamentos e eu previ os meus desgastes de encarar a BR 324 dentre outras coisas em meio a um mesmo cenário...nem sei em que pé ficou a aula da tarde, mas com a determinação de que a UFBA só funcionaria até às 14 horas, achei melhor não arriscar. Então, acordei cedo e fui cuidar da vida porque amanhã tem aniversário de gente suicida e eu tinha mesmo muita coisa a fazer.
Para ser franca, preferi não ir a Salvador e evitar minha primeira briga com Bruno.
Nunca, nesta vida, eu ganharia a parada se eu disputasse com o futebol.
Imagino que ele fosse sair correndo do nosso encontro, para chegar logo e assistir ao jogo; do contrário, se ele me convidasse a acompanhar a partida,brigaríamos ainda mais quando ele visse que eu não torço, que eu não estou nem aí.
Ia ficar todo mundo gritando e vuvuzelando, numa vibração a que eu não corresponderia. Vendo isso, ele me mandaria pastar.
Sou chata e taciturna para estas coisas: não sou daquelas pessoas que ficam felizes entornando um copo de cerveja; não gosto de churrascos; sou intolerante com um bocado de coisas; tenho o pavio curto; sou impaciente; enjôo das coisas com relativa rapidez, me magôo com extrema facilidade; às vezes radicalizo embora eu seja lenta para tomar decisões mas, enfim, sou um pé no saco!
Por outro lado eu penso: se além de ser assim, eu não gostasse de carnaval, eu não gostasse de festas, eu não fosse de dançar, eu não amasse o sol e a praia, ah, eu estaria morta em plena vida.
Imagine o que seria explicar para o menino super-bem-mais-novo-que-eu o que eu realmente penso sobre estes desvarios de nacionalidade? só para começar, eu teria que explicar minha pesquisa e, assim, revelar que eu não estou na graduação.
Depois, sou professora: iria esmiuçar as coisas e pegaria bem aquele prefácio que Lilia Moritz Schwarcz faz para o livro Comunidades Imaginadas, de Benedict Anderson:
"(...) Por fim, nações são imaginada como comunidades na medida em que, independentemente das hierarquias e desigualdades efetivamente existentes, elas sempre se concebem como estruturas de camaradagem horizontal. Estabelece-se a idéia de um 'nós' coletivo, irmanando relações em tudo distintas."
E então eu passaria a discutir o capítulo 10, sobre "memória e esquecimento". E gente ruim que eu sou, iria descer a madeira naquele hinozinho safado dos "70 milhões em ação/pra frente, Brasil", cuja letra letra esteve a serviço da Ditadura, procurando botar pilha na identidade coletiva, na identidade nacional - camuflando as atrocidades da Ditadura e os efeitos do suposto Milagre econômico pelo qual, 15 anos depois, minha geração ainda estaria pagando caro.
Mas se tem algo que eu odeio é, também, esse amargor de quem gosta de apagar as ilusões dos outros, de jogar areia nos sonhos e nas crenças das pessoas.
Quando eu tinha 11 anos eu peguei uma briga feia porque as meninas ficaram contando a Margareth, que tinha 6 anos, que Papai Noel não existe.
Excepcionalmente os adultos tinham deixado a gente ficar acordadas após a meia-noite, pouco depois Margareth apareceu com uma boneca, se lamentando porque não conseguiu ver Papai Noel. Aí a cretina da Kelly foi encher o saco da menina. Baixo astral!
Eu falo isso tudo de sacanagem, mas eu nunca discutiria nada com Bruno. No mínimo seria uma postura arrogante. Imagine, você conversar com alguém e esta pessoa arrotar citações e argumentos. Ora, tenha dó!
Mas fiz uma coisa que eu nem acredito que fiz: emprestei minha televisão.
Uns Zé Roelas me imploraram a televisão. Para ser exata, um só Zé Roela me pediu, em nome de vários outros Zé Roelas. Não sei o que eles viram na droga da televisão de minha casa e sei que eu deveria cobrar aluguel, mas entendi que para a massa dos Zé Roela seria um grande feito.
É: eu tenho amigo Zé Roela, Zé Fubuia, Sequelados, Piaus, Browns e afins - heranças do tempo em que eu trabalhei no Corpo de Bombeiro e outros tantos que foram aparecendo na vida, na universidade e etc.
Engraçado, né, gente: eu tenho uma amiga formada em Engenharia Civil.
Antes de a gente ser amiga, eu só vivia reparando como ela era casca-grossa e queria manter distância, antevendo as patadas.
Com o convívio forçado por um dado ambiente de trabalho vi que ela era gente boa e que ela era casca-grossa por natureza, não era por mal.
Tem gente que é baixo-astral/baixo-nível por natureza: é a pessoa que é assim; não tem jeito que dê jeito.
Já tem outros seres humanos que parece que nascem ladies/gentlemen - tem uns que de tão elegantes, eu digo: vestem chita e vira seda. Gente com porte, com estilo, que não se sabe de onde vem. Outros, podem nadar no dihneiro, usar pérolas e são uma bregaria só. Creio em Deus Pai!
Mas não devo esconder que estou é com dor-de-cotovelo, que a seleção atrapalhou meu encontrou marcado para hoje e que eu me aproveitei dos prognósticos de que ninguém trocaria a seleção brasileira em campo por mim, e me recolhi à minha insignificância, ficando aqui, quietinha em casa. Com a quantidade de textos para ler e trabalhos para fazer, pretextos não em faltam.
Esse negócio de emprestar a televisão é verdade verdadeira mesmo!até eu estou perplexa - aquela porcaria foi paga em 10 vezes, gente!
Fiquei com pena do pobrezinho do Zé Roela me perguntando/afirmando: "Rapaz, tu não liga mesmo para o jogo? tu não sente nada?" ah, bobo, sinto. Sinto um incômodo do cacete com o barulho das bombas e com tanto grito de gente besta aqui na minha rua. Parece um estupro anal coletivo. Eu, hein!
Sou impaciente com os excessos de nacionalismo e de religiosidade. Estão aí dois pontos que mexem comigo (sem citar os deslumbramentos partidários, mas disso eu não posso falar porque senão um grande amigo meu se magoa).
Apesar de pisar na jaca e escorregar na maçaneta com aquelas idiotices de "está na hora dessa gente bronzeada mostrar seu valor", não tem como falar da beleza crítica dessa outra música cantada por Moraes Moreira, Chão da Praça:

Meu amor quem ficou nessa dança, meu amor, tem pé na dança
Nossa dor meu amor é que balança nossa dor, o chão da praça
Vê que já detonou o som na praça,porque já todo pranto rolou
Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor
Olhos negros, cruéis, tentadores, das multidões sem cantor
Eu era menino, menino, um beduíno com ouvido de mercador
Lá no oriente, tem gente com olhar de lança na dança do meu amor
Tem que dançar a dança
Que a nossa dor balança o chão da praça.

Deve ser a Praça Castro Alves, mas é aplicável a qualquer Praça da República, a qualquer carnaval, a qualquer aglomeração patriótica, a qualquer brasileiro que conheça a história de seu país o suficiente para ler as páginas ocultas dos heróis anônimos, toda dor que rolou, todo pranto que os nossos hinos ignoram. Mas,não levem isso aqui a sério: são só histórias de uma professora de História muito cheia de histórias.
Boa Filha da Pátria eu sou!

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