Louquética

Incontinência verbal

sábado, 5 de junho de 2010

Uma dor que não está no mapa


Recebi, nestes dias, o convite de formatura da minha última turma da FJAV e fiquei constrangida por não saber responder que gosto deles mas não desejo ir a Lagarto. Não é um problema com Lagarto, mas com Sergipe.
Você deve achar estranho, mas é isso: eu não gostaria de lembrar o quanto sofri por ali.
Sei que é difícil entender, porque afinal vivi um sentimento ímpar por você e admito que aprendi muito, ganhei muitas coisas. Contudo, se desejar e ter é surpreendente e ao mesmo tempo assustador, ter e deixar de ter quem a gente deseja é uma dor incomensurável.
Então, todos os anos em que vivi em Sergipe foram de uma dor profunda, de um luto sem precedentes. E a marca da dor foi bem maior do que a marca dos ganhos, porque afinal, a dor durou muito mais que os prazeres de estar com quem eu amava. E te digo: nem sabia que poderia amar tanto uma pessoa.
E amei você por dois anos e sete meses, independentemente de estar com você, independentemente do seu silêncio, da sua distância, de suas convicções indissolúveis, das suas resistências...o coração não escuta o óbvio, não é?
E depois que deixei de amar você nunca mais amei ninguém, nem tive interesse real por alguém - tive interesses sexuais, tive apego estético por quem eu acho lindo, tive vontade de experimentar coisas diferentes, mas amor foi só aquele que vivi por você - admitindo todos os amores anteriores, claro, pois não subestimo meu passado afetivo. Mas, posterior a você, ninguém.
Então me dói pensar em ir a Sergipe.
Eu não consigo, nem para ganhar qualquer coisa - dinheiro ou homenagens, nada consegue demover esta minha recusa.
Mas adoro aquela turma. Há pessoas da turma que eu tenho como se fossem amigas mesmo, apesar de não partilharmos segredos nem, vivermos próximas. Bem, tenho até setembro para algo mudar dentro de mim - queria ver o pessoal e me senti honrada pela lembrança e pela maneira respeitosa como a comissão de formatura me convidou.
Não sei o que você fez com o seu passado, mas acho que eu não sei direito o que fazer do meu.
Não sou de enfeitar a realidade, nem de colocar flores nas realidades passadas: se doeu, doeu; se eu sofri, sofri mesmo! e aquela frieza que experimentei ao morar na pior capital do mundo, não tem remédio. Aracaju é a capital da frieza - nunca convivi com tanta gente automática, Marcelo. Olha que eu percorro Salvador, Rio e São Paulo, mas nunca vi uma capital como aquela - um povo alienado que pensa que vive na capital de qualidade de vida do Brasil, que não tem solidariedade, que vive de sobrenomes e aparências, que não dá um abraço ou esboça carinho por ninguém, que não reconhece os próprios problemas...que lugar!!!
Fui muito infeliz por lá.
Vivi um luto horrível, carregando o corpo do morto a todos os lugares, me sentindo deslocada e sozinha - ah, que solidão aquela de 2007 e de 2008. Não tem nome!
Depois que o amor acaba, fica o vazio: é um clichê muito acertado!o problema não é o clichê, o problema é que é o amor um grande clichê, todo previsível - é duro admitir os entornos culturais que fazem o amor ser como é; não é tão natural quanto a gente pensa, não é?
Mas então, hoje que me reintegrei a mim mesma, não gostaria de visitar aqueles cenários, nem de lembrar na carne da memória as dores, as faltas, os desesperos, o sentimento de quase-morte quando você me faltou e quando ficou clara a separação.
Não peça a um condenado para visitar a sala em que ele foi torturado, nem para cumprimentar seu carrasco ou olhar com saudades a cela em que ele viveu; não peça a um passarinho para ter saudades da opressão da gaiola.

De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se as espumas
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.

De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente

Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.

E é por isso que resisto a ir àquelas terras, apesar da estima e da consideração pelos meus alunos - não posso visitar meu campo de concentração, meu Auschwitz.
Não quero desafiar a paz de me desfazer de um sentimento opressivo...Como disse Djavan, "Ninguém sabe o que eu sofri".
Leia de novo este Soneto de Vinícius de Morais. Pense e procure entender - de algum modo, ainda espero contar com a sua cumplicidade.

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