Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 23 de junho de 2010

What a wonderful world!


A gente nem vê que está praticando o afastamento emocional das circunstâncias, das pessoas...e nesse diálogo de mudos todo mundo sabe o que está acontecendo, o que um realmente pensa do outro, mas por educação ou conveniência, brincamos de Louis Amstrong, vemos e dizemos "What a wonderful world!", mesmo presenciando os naufrágios das relações.
Engraçado, tenho medo físico da morte: o definhar me amedronta, a debilidade/debilitação, as limitações, a sensação do bafo quente da morte às minhas costas, enfim, mas eu reafirmo: a eternidade não me interessa, nunca me interessou e eu rezo para que isso não exista. Se existir, abro mão deste direito. Esses medos eu tenho, mas eu não me importo de ser passageira.
Como me envolvo muito com tudo que leio, ainda mais quando se trata de meu objeto de pesquisa, cito António Lobo Antunes, em As naus, em momentos distintos, de um mesmo assunto:
"E quando o chá acabou e mergulhavam diretamente na água fervida o mesmo saquito sem sabor dependurado na extremidade de uma guita, a esposa, de costas para ele, anunciou-lhe na serena voz habitual com que enterrara, trinta e oito anos antes, a filha querida, Já não pertenço aqui." (pp.53-54)
A pontuação e a ausência de pontuação em Lobo Antunes é assim mesmo, gente, não cabendo colocar o Sic. E esse raciocínio sobre a pertença prossegue mais gravemente:
"...e admitiu com desgosto que Já não pertencemos nem sequer a nós,"
E eu me interesso em ver isso que transcrevo porque ficamos sempre discutindo identidade e pertencimento e repetindo que tudo é plural, é híbrido, é múltiplo, numa abstração absurda., nem parece que isso tem aplicabilidade, razão prática...
"...e a mulher disse Não pertenço aqui num sussurro que provinha do interior de sua desilusão e de sua miséria, e repetiu baixinho Não pertenço aqui na exacta voz da noiva do retrato.'
E o marido anônimo deste romance dirá, ainda; "Não somos de parte alguma agora".
Penso se, de fato, somos de algum lugar, se somos de alguém...ah, gente, estamos de passagem, estamos sempre de passagem. Talvez os professores substitutos, os empregados temporários, os caixeiros viajantes, as aeromoças, os nômades e os ambulantes saibam disso e o admitam mais que os demais seres humanos.
Por falar em ambulante, somos, sim, deambulatórios. Não de ambulatórios e pronto-socorros (ou também, vá lá!), mas deambulamos, um mais que os outros; vagamos sem sermos almas penadas.
E Lobo Antunes fala das coisas assim, com choque e com naturalidade.
Mas, veja, essa mulher que diz Já não pertenço aqui mostra ao marido que ela não está, de todo, onde ela se encontra.
Eu me encanto. Sou deslumbrada mesmo e me encanto com isso aí que não tem nada de genial, nada de extra, a não ser para mim porque a experiência descrita dialoga com a minhas histórias de pertencimento, sempre um pertencer conscientemente transitório que me faz desdizer do ser e afirmar o estar. Por que não tenho medo? acho que eu deveria ter medo.
Sei que minha idade mental não excede os 13, 15, 16 anos. Eu me olho o bastante para saber disso - é que ficou em mim a menina, que às vezes é uma pobre menina triste e noutras é pura hiperatividade e vivacidade porque nunca aprendi a ser quieta, a ter aquela quietude dos mortos, dos letárgicos...não, sou elétrica, gosto de me mexer...beiro a ansiedade ou me entrego a ela, mas eu nunca aguentaria esperar passivamente por nada.
Berro, grito, critico e me indisponho com os programas bestas de sair para me entupir de comida, sentada bestamente em qualquer mesa, mas não é preocupação com as calorias (a propósito, novos relacionamentos me emagrecem: eu perco o apetite, eu perco o sono, ao contrário do que acontece com a maioria das pessoas, já que a estabilidade emocional faz engordar)...não tem graça a coisa contemplativa...sofro mesmo! é um sofrimento sentar e comer - tem que intercalar com uma atividade, tem que dançar, tem que andar, tem que brincar...dói mesmo em mim o negócio da passividade.
Gosto de escrever em demasia, nessa franca e declarada incontinência verbal porque assim não só descarrego minhas compulsões, como também evito que leiam todos os detalhes do que escrevo. Ninguém teria paciência para textos longos...que bom!

Nenhum comentário:

Postar um comentário