Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Crônicas cariocas, parte IV (Epílogo)


Mas, então, a minha apresentação no JALLA não teve nada de excepcional.
Cumpro os rituais, abro citações, fecho citações, mas penso que me repito, que tudo está dito, sei lá o que eu tenho para acrescentar - e quando digo isso penso naquele cujo nome eu nunca escrevo, mas enfim, muita psicanálise depois já posso dizer: Valério. Valério nunca me perturbou por eu não querer ter filhos. Ao contrário de todos os outros ele me dizia: "Você pode ser útil à humanidade de várias outras maneiras"...Valério também foi o único dos meus namorados (?) que não cantou minha melhor amiga. Mas, penso nele e nesse negócio de ser útil à humanidade - porque, afinal, dá uma idéia de que vou encontrar uma razão para ter existido um dia ou uma resposta para o que é que eu estou fazendo aqui.
Na tarde desta quinta-feira, em Niterói,da minha mesa só compareceram duas pessoas, ambas de universidades baianas.
Acho que me faltou paciência para ouvir minha companheira de mesa.
Uma mesa para duas, ora, pois!
Marla, Manoela e Tati riram, dizendo que eu construo a quarta parede.
O caminho inteiro, o resto do tempo inteiro ficaram nesta da minha construção da quarta parede.
Que engraçado, eu sei erguer paredes mesmo.
Ergo as paredes que evitam que eu fique catando caras conhecidas nas platéias, que o meu olhar se apegue a um álibi destes da familiaridade; ergo paredes nas relações em geral; ergo, com o orgulho da auto-proteção a quarta parede.
Na volta, enquanto Manoela nos persuadia a comprar churros, alguém abriu a bolsa que ela levava na frente.
A esta altura já pudemos confirmar os estereótipos e exclamar, sem perigo de faltar com a verdade, que a televisão não mente sobre o Rio de Janeiro - lugar mais perigoso, cheio de malandros, de ladrões...
Não são apenas os ladrões institucionalizados, mas o cidadão comum que se lança às espertezas em prejuízo de quem é desatento.
Na night, nada nos seduz e está todo mundo preocupado em acordar cedo para os compromissos da sexta.
Passemos à sexta-feira, apresentação de Tati: bom público, uns adolescentes chatos e hormonais de um lado e um venezuelano ruivinho, fofinho, delicado, inteligente, solteiro e heterossexual de outro.
Tati é o tipo de pessoa que conhece gente no planeta inteiro. Estando no Rio já há 10 dias antes de nossas chegadas, então, nem se fale: conhecidos na platéia.
Eu, que não tenho iniciativa para mim mesma, que sou incapaz de tomar as rédeas e saltar no pescoço de um homem, de me insinuar, de ir lá e fazer as coisas acontecerem, adoto uma postura ativa para favorecer minhas amigas, porque é isso que eu espero que elas façam por mim.
Assim sendo, desfeita a mesa, saimos - e o adolescente chatão e inteligente colando na gente, argumentando com Tati, entrecortando as investidas do ruivinho que , vejam só, se chamava Dionísio.
Enquanto o chato atravessava tudo, aproveitei para pegar a câmera e assim pude pedir delicadamente que eles se aproximassem. Tirei a primeira foto.
Argumentei que eles poderia ficar mais próximos e tirei a segunda foto, quase gritando: aproveita, Tati, fica com ele, foge daqui...e o adolescente, junto.
Fiz cara de ódio e tirei tati do meio dos dois, na esperança de que o adolescente caísse fora. Que nada! ao contrário, ele chamou o ruivinho embora, tipo: "Vamos nessa, cara!".
Ah, que ódio!
Ainda bem que os dois trocaram e-mails e que ele me pediu para enviar a foto - pretexto bom.
Ao sairmos, estamos lá no Shopping, tomando um café e Tati vê a peste do adolescente por perto. E eu penso: Meu Deus, que vontade de cometer um homicídio! eu só queria saber se ele não se tocou de que estava sobrando ou aquele incipiente eguinho inflado estava querendo exibir leituras. Ah, que saco!
De volta ao Rio, fomos procurar presentes para nossos afetos. Acabamos indo à Colombo.
Nesta minha estada eu tive uns dejavù que me assustaram! sério: eu sabia andar por onde eu nunca tinha ido, sabia onde estavam coisas numa dada loja e sabia o que iriam dizer. Isso me tirou do sério,sabe? odeio dejavù, porque ele desafia as leis da normalidade.
Eu devo é ter ouvido muitas histórias de minha família e memorizado, isso sim.Eles moraram décadas no Rio.
Deve ter uma explicação que não sejam as paranóias espirituais, as neuroses coletivas que as pessoas chamam por nomes delicados e espiritualizados.
Enfim, a Colombo tem o melhor bolinho de bacalhau do Universo: palavra de quem não come peixe! podem acreditar!tudo é muito gostoso, mas o café é frio, o piano é anacrônico...aliás, toda a confeitaria é anacrônica, supondo conservar tradições e blablablá, mas mesclando louças clássicas, ambiente antigo e latas de coca-cola, com um público misto, de suburbanos com bons tickets-refeição e senhoras metidas, de cabelo grisalho-azulado.
Bem, tive uma queda de pressão e me senti tonta, já no meio do meu café, o que tirou Tati do sério porque ela é preocupada - nada demais, na verdade: TPM mesmo, mas acompanhada de uma febrezinha chata, porque pegamos muitas alternâncias de frio e calor em Niterói.
Estava todo mundo morto na sexta à noite e por isso não fomos à Estudantina e eu não fui ver o show dos Móveis Coloniais de Acaju (banda com nome esquisito, eu sei. Ouçam e tirem suas conclusões).
De manhã Marla foi estar com os parentes dela, Tati foi para Petrópolis e eu e Manoela fomos comprar o presente do Dia dos Pais e passear na Tijuca - legal a saideira.
No aeroporto um senhor com cara de maníaco austríaco foi deveras cortês comigo, enquanto eu tomava um capuccino antes do meu vôo.
Manoela ficou no aeroporto, Tati iria no dia seguinte e na fila de embarque eu encontrei Marla.
Já nos nossos assentos, entraram no avião o Bruno Gagliasso, Gabriela Duarte e Taumaturgo Ferreira.
O primeiro, muito simpático com todos do avião. Olha, o sujeito é lindo mesmo: aqueles olhos azuis, aquela pele vermelhinha, aquela barba suave, levemente aloirada, tudo aquilo é real, sem truques nem maquiagem.
Contudo, ele é baixinho , deve ter um metro e sessenta e poucos, sabe?
A Gabriela é aquilo ali também, clarinha, com estilo Patricinha. E o Taumaturgo é taciturno, todo chato, com jeito de que tem medo de público.
Não tietamos ninguém e eu estranhei muito que uns passageiros atrás de nós se jogaram na frente da Gabriela, para um abraço.
Putz, são pessoas como quaisquer outras, merecem a paz do seu vôo, de seus direitos de cidadãos comuns.
Aí , depois de um tempo descemos em Congonhas, num frio desagradável, num pouso assustador porque o avião parece que comeu todo o groove da pista - Marla gritou assustada, até.
Finalmente, trocamos de avião, mas devido ao fato de terem vendido a mesma poltrona para mim e para um sujeito lá, fui parar noutra e, besta que sou, escolhi a asa.
Na decolagem, era cada pipoco digno de tiroteio em favela carioca. Marla, claro, rezava e gritava...eu, que não sou um exemplo de coragem, entregava a Deus, achando que iria ter com ele pessoalmente dali a pouco.
Ai, que vôo demorado!
Nunca chegava a lugar nenhum.
Turbulências infinitas.
Mais pipocos.
Mais chateações.
Finalmente sobrevoamos Salvador e, neste momento, achei que a asa havia se partido porque rolou um estrondoso ruído, mas depois de muitas Ave-Marias e Deus-é-mais!pousamos.
Até o saguão das esteiras é uma longa andada e eu resolvi ir ao banheiro.
Ao voltar , minhas malas estavam sendo recolhidas e eu saí correndo feito uma louca desvairada, tipo aqueles finais de novela em que os casais, cada um de um lado oposto, corre para o abraço. Venci no grito: "Mooooooooça, minha bagagem!" ufa, impedi a tragédia e, de quebra, salvei as malas de Marla, que estava ao telefone e ignora metade dessa história.
Agora, sim, começava para mim o melhor desta viagem: a volta para a minha casa.

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