Louquética

Incontinência verbal

domingo, 22 de agosto de 2010

Dos amores apressados


Tenho medo dos afetos apressados, dos amores desesperados, dessa sensação de que é mesmo necessário viver as coisas intensamente, como se não houvesse amanhã.
O problema não é exatamente não haver amanhã, mas querer compensar todos os "ontem" perdidos.
O ex-Grande Amor da Minha Vida dizia a toda hora: "A gente perdeu tempo demais!" e eu olhava o passado como uma grande perda de tempo porque eu havia demorado demais para encontrar este ser humano tão importante para mim.
Em várias ocasiões eu declarei que renunciaria a todo o meu passado porque aquele era o momento em que tudo se ressignificava e ressemantizava as coisas que eu via com um certo significado fixo. Mas meu passado é meu passado, aceito ele, gosto dele apesar dos percalços e o que eu queria dizer é que aquela era uma experiência muito forte e significativa.
Após viver este tipo de experiência não é qualquer emoção barata que mobiliza nossos sentimentos e, aliás, todas as emoções são vistas meio que minimizadas...ou dá um medo de deixar que as coisas ganhem grandes proporções.
Também tem o fato de eu estar na gaiola por tanto tempo e querer experimentar coisas novas, desde que não me prendam.
Eu tenho a maior dor porque a trilha sonora interior fica tocando: "Até parece loucura/não sei explicar/é a verdade mais pura: eu não consigo amar".
Apesar da distância, eu vi no rosto dele a grande satisfação por ter visto que eu estava em casa numa noite de sábado - ah, pobrezinho, mero acaso, porque meus amigos ligaram após a meia-noite e tantas vezes eu levantei uma da manhã porque Tella ou Paulo estavam atrás de mim para irmos a alguma festa.
Ontem eu deixei o celular no silencioso e não vi mesmo as ligações. Caso contrário, pobrezinho do ciumento.
Outro problema do ciumento é que, se o ciúme é grande, isso indica que ele tem medo de que façam com ele o que ele faz aos outros. Para mim, os ciumentos são grandes traidores, sabem muito bem do que os seres humanos são capazes.
Eu só sou quieta porque sou complicada, comedida, destoando de minha aparência.
E por minha aparência eu deveria beber, fazer sexo a toda hora, com gente desconhecida, tomar iniciativas, encarnar a periguete. Ah, eu bem gostaria.
Mas aí vem o apressadinho,com jeitinho, é claro, medindo meus passos, querendo tornar sério algo que nem se definiu - e conta contra ele o requisito número 02, muito mal preenchido.
Os amigos mais chegados vivem fazendo leituras da gente, dos hábitos, das pequenas coisas.
Então minha amiga viu suco de cenoura na minha geladeira, agora de manhã e interpretou que eu deveria estar com sérios motivos para ressaca e arrependimentos.
Suco de cenoura na minha geladeira é o suco do arrependimento nuns casos e suco da reabilitação num outro.
Daí vem a pergunta:
-Você estava com quem ontem à noite?Você foi ao Kabanas ou ao The Kings? e aí, pegou quem? os de sempre ou coisa nova? voltou que horas? acordou agora, foi?
Aí junta o celular não atendido (e todo mundo sabe que eu não levo telefone para festas) e eu estou perdida, com todo mundo achando que eu aprontei alguma coisa.
Para Manoela e Marla, que me perguntaram a receita do suco do arrependimento, ei-la:
2 cenouras médias;
2 laranjas ou dois limões
Água mineral gelada;
Açúcar a gosto.
Bata no liquidificador apenas a cenoura com a água e o açúcar.
Após coar, esprema manualmente, claro, sobre a peneira, as laranjas ou os limões.
Tome um copo a cada vez que bater a ressaca pelo sono perdido ou quando rolar um arrependimento básico pelas chances desperdiçadas ou pelas ressacas morais contraídas na noite anterior.
Descanse, veja televisão, tome banho, saia para almoçar e reze para os seus amigos não abrirem sua geladeira.
Se a bagaceira foi grande, acredite: não saia para almoçar e passe o dia tomando suco - a pele melhora, o organismo se reorganiza e você pode ficar quietinha sem pensar bobagens ou ouvir indiretas dos amigos.
E para meu apressadinho:
Chico Buarque - Futuros Amantes


Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar

E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos

Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização

Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você.

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