Louquética

Incontinência verbal

sábado, 5 de novembro de 2011

O prazer das descobertas


Eu vivo pedindo conselho às pessoas e bem sei que é uma das coisas que a gente só dá a quem pede. Porém, aconselho a todos: na hora de escolher um orientador – isso se você tiver escolha – procure alguém de quem você gosta.
Não se trata de afagos, de chamegos, de viver socado nas cozinhas alheias, porque, afinal, isso é feio para caramba, esse excesso de intimidade, mas estar com um orientador por quem temos afeto faz a obrigação virar prazer. Sei que as minhas amigas vão pensar mal sobre isso, até porque elas acham o meu orientador um gato. Eu não confundo as coisas: não passo a mão em meus alunos, não me abro para o meu professor.
Apesar do duelo marcado para o meio-dia de hoje, meu orientador ficou lá, “passando fome comigo”, para tratar dos últimos detalhes do meu texto e das burocracias do exame de Qualificação. E com ele eu aprendi e aprendo – algo que, sinceramente, não acontece há muito tempo numa sessão de orientação. Aprendi, por exemplo, a largar para lá essa conversa do parágrafo ser ou estar grande demais: não tem jeito, a duração do parágrafo é a duração do assunto. Aprendi que não é por um pronome, por um eu, por um nós, por uma primeira ou terceira pessoa que se impessoaliza um texto. Ele me mostrou que mesmo usando essas coisas impessoais o leitor percebe quando é que a gente se pronuncia no texto.
Então, não será por um “Podemos deduzir” ou por um “Pode-se deduzir” e muito menos por um “Eu posso deduzir” que o texto guardará a impessoalidade que cabe a um texto científico de teor dissertativo, mas a maneira como a gente, recorrendo às citações e teorias alheias, interfere, se mostra, opina, lança teses.
Meu orientador é phoda!
Eu pude dizer isso do meu orientador de mestrado e posso dizer, finalmente, agora, para outro orientador o quanto é bom trabalhar com quem se gosta.
A vida tem suas imposições e todos nós temos nossas conveniências. As minhas circulavam em torno de evitar contendas num lugar em que eu havia acabado de entrar; depois as minhas conveniências foram se solidificando porque passei num concurso lá onde estudo e, deste modo, nós sabemos que o concurso é público, mas eles não convocam quem não gostam, afinal eles, ao fazerem concursos, estão escolhendo os colegas de trabalho... Até que nada disso me segurou.
Eu diria que foi mesmo o triunfo do Eros, do princípio de prazer. Se bem que ultimamente, não no sentido estrito do erótico, mas no sentido plural do prazer, eu tenho ignorado as emergências e as necessidades, inconscientemente. De modo que o princípio de prazer tem vencido o princípio de realidade. Cito Jorge de Souza Araújo, em Dioniso e Cia. Na moqueca de dendê: desejo, revolução e prazer na obra de Jorge Amado:
"O erotismo desperta em nossa cultura motivos e inspirações recorrentes em qualquer dos ciclos históricos e sociais, justamente porque desempenha um papel provocador de fenômenos morais nas sociedades civilizadas. Mesmo nos momentos da mais extraordinária repressão, o ser erótico descreve pontos de contato, desequilíbrio, estranheza, amadurecimento, autoconsciência ou sobrevida de nosso estar/pensar o mundo. Para Freud, a história do homem é a historia de sua repressão. Civilizar-se significa reprimir-se, i.e., infelicitar-se. Ao comentar algumas dessas teses freudianas, num livro ainda hoje marco do pensamento ocidental, sobretudo por aproximar das retinas contemporâneas a filosofia, a políticas, e a psicanálise, Herbert Marcuse (Eros e civilização) assinala a contraposição entre o princípio de prazer e o princípio de realidade, pondo ambos em confronto mas reconhecendo e convidando-nos a identificar a equivalência dos seus termos. Marcuse nos certifica de que o princípio do prazer liberta a psique humana a partir de uma capacidade de domínio muito própria: a fantasia. Pelos mecanismos da fantasia libertamos nosso inconsciente do jugo repressor dom princípio da realidade.” (ARAÚJO,2003, p. 100)

Acho que isso tem outras ligações: é que meu namoro recente – não com João Paulo, outro namoro – era uma negócio insosso, insípido. Assumidamente, falo de sexo: se tem um troço que me tira do sério é quando as coisas vão bem, quando a pessoa é legal, quando a relação é boa, mas no plano sexual isso não ocorre.
Por isso dizemos que “amor de p***, quando bate fica”: competência sexual é ótimo, compatibilidade sexual, nem se fala. Mas, se a dois o sexo não funciona bem e a gente resolve as coisas só, significa que estamos sós e não sabemos...
Não há como tratar disso. Ora os caras pensam que estamos reivindicando sexo acrobático tipo Cirqu du soleil, ora eles dão ataques de conservadorismo. Percebo que estou sozinha quando o cara deita e espera... Ou quando o contato me parece um sacrifício... Por que pestes não ensinam aos homens que sexo é troca? As prostitutas trocam sexo por dinheiro; as mulheres trocam sexo por prazer; as interesseiras trocam sexo por favorecimentos diversos... Qual é a parte de “troca” que os homens não entendem?
Aí embaralha tudo: a companhia do sujeito é boa, está tudo muito bem, exceto numa parte fundamental. Então, ajustando essa conversa: devido às minhas faltas, ao fracasso de Eros no aspecto sexual, faço Eros triunfar nas áreas onde não há qualquer relação com sexo.
Sexo ruim não é sexo. Sexo insípido não é sexo.
Ah, saudades de fazer coisas erradas com a pessoa certa...e de fazer a coisa certa com a pessoa errada também, claro!
Depois os meus amigos não entendem que eu estou dizendo a verdade, que eu considero que desde X eras, desde quando o Mar Morto estava doente, desde umas três encarnações anteriores, quem anda me comendo é o tempo, como o tão repetido poema de Viviane Mosé explica:

Quem tem olhos pra ver o tempo?
Soprando sulcos na pele, soprando sulcos na pele...
Soprando sulcos?

O tempo andou riscando meu rosto
Com uma navalha fina.
Sem raiva nem rancor
O tempo riscou meu rosto com calma.

Eu parei de lutar contra o tempo. Ando exercendo instante.
Acho que ganhei presença.
Acho que a vida anda passando a mão em mim. Acho que a vida anda passando.
Acho que a vida anda. Em mim a vida anda. Acho que há vida em mim. A vida em mim anda passando. Acho que a vida anda passando a mão em mim
Por falar em sexo, quem anda me comendo
É o tempo.
Na verdade faz tempo, mas eu escondia
Porque ele me pegava à força, e por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente e disse: Tempo, se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento. E me olhando nos olhos.
Acho que ganhei o tempo.
De lá pra cá ele tem sido bom comigo.
Dizem que ando até remoçando

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