Louquética

Incontinência verbal

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Gênios bestiais



Uma das grandes dificuldades que as pessoas têm nesta vida, e lá vou me incluir dentre elas,é admitir que há pessoas geniais que são, ao mesmo tempo, deploráveis moralmente.
É o tipo de coisa que eu enfrentei quando descobri, há um tempo, o que todos já sabiam: Martin Heidegger foi um grande defensor do nazismo. E começo por ele, cuja obra Mundo, finitude e solidão foi a espinha dorsal de minha dissertação de mestrado que tratou justamente sobre as imagens da solidão na poesia de um autor feirense.
Muito se fala de Drummond e de não poucos outros poetas e artistas que, no Brasil, levantaram a bandeira da Ditadura, se aliando aqui e ali, nem sempre de forma declarada.
No filme Um homem bom, vê-se que, realmente, aquele professor que é protagonista realmente apoia o nazismo por acreditar na doutrina: pensa ele que é o melhor, que é assim mesmo, e sinceramente se envolve no processo.
Falei de minha decepção com uns escritores brasileiros ( em especial com um, baiano, que se apresentou no Xirê das Letras, a quem eu muito admirava) que vim a conhecer pessoalmente: pessoas execráveis, arrogantes, desumanas, enfim, tipos que mais uma vez demonstraram que a capacidade criativa ficcional deles nada têm a ver com as pessoas que são. Se eles têm algo de bom em si,com certeza fica circunscrito a esse mundo criado em páginas, mas não praticados ou comungados interiormente.
Não seria, assim, uma grande decepção ou novidade tudo isso, haja vista o quanto vários conhecidos, chegados e amigos meus e professores que tive, defendem tanta igualdade nas relações entre brancos e negros, entre pobres e ricos, entre iletrados e acadêmicos, entre homens e mulheres e que, na vida real, na vida extra-congressos e palestras contradizem o que defendem, humilhando empregados, sendo exibicionistas e hierárquicos em todas as relações travadas em seu dia a dia (entenda-se aí a forma como tratam os servidores das universidades, como contrapõem seus títulos aos colegas que ainda não os têm, nos exercícios de força retórica para subjugar um aluno, nos argumentos de força quando contestados, na força dos argumentos quando põem o conhecimento a favor de causas pessoais que buscam, arrogantemente,confirmar seu pedestal).
Certo que ninguém é de todo mau ou bom. Mas temos que admitir a contradição das coisas. E até a não contradição de quem optou por usar os seus poderes para o mal.
Há quem vá dizer que bem e mal é questão de ponto de vista: não é não. A medida pode ser um número de mortes causadas, as perdas de populações nativas, uma estatística qualquer que expresse prejuízos, perdas, doenças e elementos deletérios... Pode não ser um bom parâmetro, mas é um parâmetro: pensemos nos direitos humanos - não aqueles, das iniciais maiúsculas, mas o que sabemos estar codificado em nós - e vejamos o que compõe ou não uma agressão, uma supressão de direitos, um processo de usurpação, de privações variadas...
Um dia eu disse aqui mesmo , neste blog, repetindo algo que ouvi e que era o seguinte: "Enquanto uns choram, outros vendem lenços!". Sentença mais óbvia, mas pouco percebida. Claro,por analogia, enquanto uns adoecem, outros vendem remédios; enquanto uns vão para a guerra, outros vendem armas; enquanto uns lucram, outros perdem...e daí em diante, conforme se queira traçar o paralelo.
Pessoas geniais podem fazer coisas ruins: para certas pessoas, não há vacina contra o deslumbramento ideológico. Finalmente posso discordar parcialmente dos Engenheiros do Hawaii,em Toda forma de poder, não porque o verso esteja errado, mas porque isso não é aplicável apenas aos ignorantes (a não ser que o Gessinger tenha se referido aos ignorantes políticos, claro!), quando eles dizem que "O fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante fascinada".


Toda Forma De Poder (Engenheiros do Hawaii)

Eu presto atenção no que eles dizem, mas eles não dizem nada.
Fidel e Pinochet tiram sarro de você que não faz nada.
E eu começo a achar normal que algum
boçal atire bombas na embaixada.

Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer...

Toda forma de poder é uma forma de morrer por nada.
Toda forma de conduta se transforma numa luta armada.
A história se repete mas a força deixa a história
mal contada...

Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer...

E o fascismo é fascinante, deixa a gente ignorante e fascinada.
É tão fácil ir adiante e se esquecer que a coisa toda tá errada.
Eu presto atenção no que eles dizem mas eles não dizem nada.

Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer tudo que eu vi
Se tudo passa, talvez você passe por aqui
E me faça esquecer...

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