Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Letras e músicas



Eu estava vendo sei lá aonde um daqueles programas de bastidores, mostrando a vida de alguns cantores e duplas sertanejas, quando comecei a prestar um pouco mais de atenção àquilo, talvez por estar focalizando a Cláudia Leitte, cantora carioca da música baiana.
Passei a pensar não somente nela, mas na Ivete Sangalo e num bando de gente que, ao subir no palco, tem por obrigação deixar as pessoas alegres e envoltas naquelas ordens de “mãozinha para cima”, “sai do chão”, “mão na cabeça”, “descendo até o chão” e etc.
Coisa de louco isso de você deixar os outros alegres, quando, na verdade, nem sempre é possível estar suficientemente alegre para trazer alegria para os outros, apesar de toda tônica comercial deste ofício.
Logicamente, tem os rituais, tem o lado de ator e todo um estudo e gestos premeditados para lidar com isso, para lidar com as expectativas de quem paga caro por uns minutos de alegria. Mas, depois de ver os bastidores daquele povo subindo e descendo de jatinho, com as neuras de estar cercado por uma equipe que vai do segurança ao supervisor alimentar e outros membros de um séquito interminável, depois de pressupor o stress dos voos e das noites mal dormidas, constatei que os milhões que eles ganham não são à toa. Aquilo é trabalho. Pode não ser um trabalho comum, porque é muito bem remunerado e cheio de glamour, mas o negócio é trabalhoso.
Por falar nessas coisas, sou uma daquelas pessoas a engrossar o caldo dos que confundem grupos musicais como o Boca Livre, o Quarteto em Cy e o 14 bis, ressalvando que só não os confundo com o A cor do som, como é mais comum acontecer, porque destes eu sou fã a ponto de ter mil e um CDs.
Não é coisa de se envergonhar tal confusão: eles se parecem na forma esmerada e melodiosa de cantar. São lindos cantando, são eufônicos, simples e perfeitos. E como não poderia deixar de ser, confundem Beto Guedes e Flávio Venturini, não na voz, mas na figura.
Quando eu disse que ouvia as músicas desses grupos citados desde os 10, 11 anos, ele, o Outro, comentou comigo: “você teve educação musical.”.
Eu não tive não, pelo menos no lado formal da coisa. Mas acho que eu já sabia fazer escolhas e por esta época ouvia muito rock baiano e muito Clube da Esquina. Nunca tive tendências à música brega, do tipo do Fernando Mendes ou do Amado Batista. Mas eu os ouvia, conhecia, porque quando fui morar com a minha madrasta era isso que tocava lá e nas cercanias. Eu sempre achei aquilo tristonho, de uma tristeza musical diferente e ruim. Se for preconceito, pelo menos este brotou voluntariamente, sem influência alguma, porque eu achava realmente ruim a música dos dois citados. Por isso ponho na conta das minhas escolhas pessoais, até por que, pelo lado brega da coisa, já falei dos forrós que ouvi e memorizei ao longo da vida.
Mas eu achava lindo ouvir: “Sempre assim/cai o dia e é assim/Cai a noite e é assim,/Essa lua sobre mim,/ essa fruta sobre o meu paladar.../Nunca mais quero ver você chorar,/ sem me entender em mim/ eu preciso lhe falar,/eu preciso, tenho que lhe contar: te amo, espanhola! te amo espanhola!/Para quê chorar? Te amo...”, naquela voz tão doce de Flávio Venturini, uma voz que sozinha já é um carinho. Acho que por isso vejo um potencial erótico imenso nas vozes masculinas, adoro sussurros (como adorava os sussurros de C.).
E lembro muito bem de ouvir, quando eu voltava da escola, na quarta série, esse mesmo Flávio Venturini cantando, sim, uma música triste, chamada Princesa: “Sim, princesa/sou quem vai chegar/na chuva da montanha, vem se molhar/Sempre, para sempre sou por seu querer/ estrela cintilante, vem me valer...”, que é a coisa mais linda do mundo de se ouvir na voz de um homem, cantada também tão docemente.
Daí, desde cedo se desenhava em mim a predileção pela trilha sonora, extensiva ao gosto do sexo com trilha sonora, com músicas que também podem ser do Red Hot Chilli Peppers, do U2, dos Beatles, do Gogo Dolls, enfim. Ah, um dia eu conto tudo sobre minha paixão pelos Beatles – capítulo à parte.
Interessante como a personalidade da gente se forma, como os gostos se anunciam. Pois é, a mesma criança que ouvia os forrós maliciosos e se divertia, sabia escolher outras opções. E como eu achava bonito ouvir de manhã o Boca Livre cantando Toada:

Vem morena ouvir comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Para ver você mais feliz
Escuta o trem de ferro alegre a cantar
Na reta da chegada para descansar
No coração sereno da toada, bem querer.
Tanta saudade eu já senti, morena
Mas foi coisa tão bonita
Da vida, nunca vou me arrepender.
Morena, ouve comigo essa cantiga
Sair por essa vida aventureira
Tanta toada eu trago na viola
Para ver você mais feliz
Escuta o trem de ferro alegre a cantar
Na reta da chegada para descansar
No coração sereno da toada, bem querer
Tanta saudade eu já senti, morena
Mas foi coisa tão bonita
Da vida, nunca vou me arrepender.

Acho que não consigo sustentar a pose politicamente correta de que não existe bom e ruim. A gente diz isso para não passar por preconceituoso, por ignorante, quando isso é conveniente.
As músicas bregas que eu gosto não são essas da exploração vulgar das dores humanas, “no hospital, na sala de cirurgia”, nem de uma menina numa cadeira de rodas, nem daquela que “lê colunas sociais,/sonha com seu nome nos jornais/espera um convite para ser atriz/e pede a Deus para ser feliz”. O conteúdo desta última continua atual, reconheço.
Eu sei, eu ouvi e justamente por isso tenho a legitimidade da minha escolha. O brega que vai em minha vida é do Wando, do “passarinho na gaiola/feito gente na prisão”.
Creio que me canso do vale-tudo politicamente correto. Sinto muito, mas minha liberdade de escolha e de opinião me diz que posso gostar disso ou daquilo. E simplesmente, gosto de outras coisas. Juízo de valor aplica exatamente valores, pesos, medidas.
Pode ser que bom e ruim seja questão de gosto, de preferência, de ponto de vista... Pode ser. Mas eu não consigo colocar no mesmo cesto os cantores que eu citei sem que a balança venha a pender para o lado que me parece mais agradável e que para alguns será o lado mais elitista. Mas, vejam aí meu entorno e o contexto em que gestei minhas preferências musicais, que desmentem, creio eu, a sentença presumida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário