Louquética

Incontinência verbal

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Liquidou-se!



Seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da “modernidade fluida” produziu na condição humana. O fato de que a estrutura sistêmica seja remota e inalcançável, aliado ao estado fluido e não-estruturado do cenário imediato da política-vida, muda aquela condição de um modo radical e requer que repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar suas narrativas. Como zumbis, esses conceitos são hoje mortos-vivos. A questão prática consiste em saber se sua ressurreição, ainda que em nova forma ou encarnação, é possível; ou – se não for – como fazer com que eles tenham um enterro decente e eficaz. (BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001)

Da discussão de Bauman depreende-se que não é o tempo cronológico que inscreve a modernidade, mas um conjunto de transformações no âmbito da política e da cultura, além da vivência subjetiva destes fatores: “A modernidade começa quando o espaço e o tempo são separados da prática da vida e entre si, e assim podem ser teorizados como categorias distintas e mutuamente independentes da estratégia e da ação” (p.15). Isso explica porque há tanto atraso na modernidade: ela é mista, admite o convívio de velho e novo, atravessa o tempo convencional, movimenta-se pelos espaços sem se ater a nenhum.
E se parece que nada disso nos diz respeito porque é teórico demais, basta ver como somos ou mesmo basta esticar o olhar até o “retrô”, que nada mais é do que a volta do que já foi e que, portanto, passa a ser de novo porque revivesceu na moda, nos costumes, nas sobrevidas que a cultura dá ao que já passou e que é reeditado. Esta reedição se estende até o cult e ao clássico.
Ser leve e líquido, colocado como questão por Bauman, no prefácio de Modernidade líquida, sintetiza todas as querelas com que a gente se defronta no cotidiano, em que é comum reclamar de uma certa “falta de chão”. Nada mais é igual como era antes, porque é igual com muitas diferenças e não há firmeza, não há esteio, não há base nem segurança em nada. Isso é posto na forma de análise dos efeitos para a sociedade, mas pessoalmente, vejo que o impacto de tudo nos indivíduos é bem mais instigante: essa solidão coletiva e a busca por qualquer coisa para fugir da realidade, a obrigatoriedade da felicidade no Facebook e a emergência dos discursos de sucesso na vida pessoal, o conhecimento como mosaico de copiar e colar do Google, a adolescência prolongada ao pós-divórcio, o emprego perdendo área para a ocupação, a necessidade de aceitação social em confronto com a ditadura do alto número de seguidores e "amigos" em redes sociais, a medicamentalização das angústias; o deslocamento das funções de pais e professores e a incongruência entre discurso teórico-profissional e a vida prática seriam, no meu ponto de vista particular, arestas da mesma questão. Acabou-se o que era sólido!
Porém, como esse blog não é dado a filosofias nem a sociologias, só busquei este livro ali na estante como pretexto para dizer à minha amiga E. que procure sobreviver ao término do relacionamento porque é isso mesmo: os laços humanos são frágeis e, aliás, ninguém quer laço com medo de que vire nó.
Geralmente, quando a coisa aperta, quando o laço aperta, os homens caem fora com medo de se amarrarem. E se amarrar a uma mulher é ter com ela compromissos que podem levar a renunciar a outras oportunidades de experimentar outras relações instantâneas e fluidas. Assim é a vida nos tempos modernos, minha amiga. E Bauman escreveu o Amor Líquido também, que já discuti aqui em outra ocasião.Se é fluido, escorre pelas mãos, passa...vai passar...O que era sólido, liquidou-se!

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