Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

"Preparas uma mesa para mim..."



Acabei de abrir meu e-mail e, muito feliz, encontrar lá um convite para jantar. Ora, como não poderia deixar de ser, o convite ficava a R$ 60,00. Quem poderia ser tão cara-de-pau a tal ponto? muito bem, agora vou fazer almoços de domingo e convidar a galera a, sei lá, R$ 50,00 por pessoa, com buffet livre.
Acreditei no convite porque veio em nome de um estabelecimento conhecido, que eu frequento. Julguei até que fosse estratégia de marketing para promover algum produto novo.
Lembrei logo do versículo do Salmo 23: "preparas uma mesa para mim na presença dos meus inimigos: o meu cálice transborda".
Na mesma página em que tenho e-mail, vi a manchete a respeito do oferecimento de serviços de carinhos não-sexuais, por cerca de R$ 122,00 reais, se convertidos na nossa moeda, mas que lá, em Nova York, onde fica o estabelecimento, custa US$60,00 a hora.
Intrigante: lá se pode obter carinhos, alisadinhas, afagos, abraços e carícias de mesma ordem. Eu acho é bom! Hoje em dia as pessoas têm vergonha de dar e pedir carinhos, seja porque já não somos tão livres para expressar afetos (sabe-se lá se a amiga que o recebe pensa que a gente é da Ilha de Lesbos? se o cara acha que é assédio ou que somos tarados?), seja porque dá vergonha de admitir que carinho é bom, que todo mundo precisa. E o sexo se desvinculou tanto do carinho nos últimos tempos, para não parecer amor-romântico, para parecer que é só carne (mas a carne também gosta de agrado, de delicadeza, de calor de abraços, de mãos nos cabelos).
Sintomático haver a oferta desses serviços, porque de fato é algo que está em falta. Para parecer que não somos seres afetivos, é preciso ser frio e direto. Se um cara acaricia uma mulher, o medo dele será o apego - e os temíveis telefonemas insistentes, as coincidências forjadas, o grude.
Sim, está aí: o grude! alguem que cola em alguém e a todo momento liga para perguntar: "Você está aonde?" ; "Você está com quem?"; "Você está fazendo o que?". Grude é tão chato quanto as pessoas mecânicas.
Falando em pessoas mecânicas, J.P. até hoje não soube que nosso namoro foi para o beleléu porque eu não aguentava os gestos robóticos dele, nem o sexo artificial Cirque de Soleil , nem outras coisas forjadas para afugentar interpretações de sentimentos... Eu nunca disse, mas dei lá as minhas indiretas, que , pelo visto, nestes quase dois anos não foram entendidas.Infeliz de quem não sabe conciliar o carinho e o sexo, a amizade e o carinho, os pares melhores e mais temidos.
Quantas vezes a gente quer colo, quer companhia para dormir de luz apagada e quer apenas a pessoa perto?!
Eu estava conversando com Tella sobre a forma como eu e Jau negociávamos nossa solidão com os nossos namorados. Melhor suportar os chifres, as desfeitas e as negligências e ir aprendendo a se distanciar emocionalmente até ter total fortaleza para aplicar o kick, é, o chute, que a gente não é besta de ficar prolongando sofrimentos, não é?
E se pode negociar solidões ficando com a pessoa errada, aquela pessoa que não tem nada a ver conosco, mas que está disponível e vale o "pouco com Deus é muito", numa fantástica relação doentia e de eternas e recíprocas carências, até que se possa tranquilamente ficar sozinha, desfazer o equívoco e esparar os duzentos anos até que pinte coisa melhor. KKK! eu sou mesmo irônica!
E um dia ela, Jau (Tella é fã de longa data) começou com esse negócio de sala de bate-papo.
Entrei numa, recentemente, conforme eu havia prometido. Eis ai outro engodo: segui as orientações, procurei as cidades, as idades e os assuntos. Mesmo a sala de Literatura só tem sexo, mal discutido e mal expressado, que a mim não incita a menor voluptuosidade. Tem um negócio no erótico: o erótico evoca o sexo, mesmo sem ter sexo; o sensual traz a sensação mesmo sem efetuar o toque. Porém, a vulgaridade gratuita e mal expressa, olha, sinto muito, é tão excitante quanto ouvir o horário político.
O povo deveria aprender com a literatura.
Literatura que é Literatura, não tem palavrão gratuito, tudo tem uma lógica, um ordenamento, um sistema de comunicação metafórica interna e externa e mobiliza cadeias associativas extremamente significantes. Palavrão em literatura não é palavrão.
Ora, se eu tropeço na pedra eu não digo "Glória a Deus!". Entretanto, o meu provável "Putakiupariu!" será honesto e proporcional ao dissabor da topada.
Evito palavrões na escrita, algumas vezes,por censura velada, porque ela existe sim: já não somos livres, se é que um dia fomos,como pensamos.
Mas, vá lá, se o palavrão está ali é por uma função e até por idoneidade textual. Todavia,esse negócio dos chats não terem o menor nível me arrasa.
Eu achava que quem quer sexo procura a sala em que ele será assunto; o mesmo para paqueras, encontros, amizades e etc. Será que se abrirem uma sala para Física Quântica vão se reproduzir os perfis e conversa que hoje existem?
Eu nunca iria entrar numa sala de Literatura esperando um convite para sexo grupal. Logo,os assuntos certamente nunca existiram porque desde logo o assunto era um só. Mas, ai de mim, que acreditei nas placas das ruas para encontrar um endereço perdido.

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