Louquética

Incontinência verbal

sábado, 8 de setembro de 2012

Clichê



Todo término é luto, é perda, é um morto que se vai e que talvez sobreviva apenas na memória boa ou má do legado deixado em nossa vida. Mas continuo aqui, com medo das coisas eternas, do que jamais acabará, do infindável... Se terminar relacionamento é muito difícil, mais difícil é considerar as coisas na base do “até que a morte os separe”.
Não sou corajosa para pensar em coisas eternas, como filhos, por exemplo. Desta ideia que nunca me atraiu não pude me abster porque sempre aparecem as cobranças e as propostas. E eu, que mal sei administrar minha existência, não quero ser responsável pela existência de outrem.
Não sei quem sofre mais: quem espera pelo messias que jamais virá ou quem se conforma com um suposto destino e covardemente se acomoda ao presente. Sei que o eterno me assusta. Tudo tem que passar: tudo de bom e tudo de ruim. Felizes seríamos nós se pudéssemos deliberadamente prolongar o que é bom e extinguir logo e imediatamente as coisas ruins, as angústias, as tristezas...
Distanásias eu já cometi tantas: arrastei comigo um relacionamento já morto, temendo o dia seguinte em que já não haveria rastros dele em minha vida. E aí, como conviver com a falta? Adiei, posterguei, deixei para depois. O problema é que o depois sempre é tarde demais, é aquele momento em que já não há como criar desculpas que nos prenda àquilo que já sabemos que não queremos. Na metáfora, guardamos roupas que sabemos que não iremos usar. Não dá para se desfazer, apesar de percebermos a inutilidade do ato.
Por causa da minha amiga, em constatações coerentes, acreditei que eu coloquei o pé numa coisa eterna. Disse ela: “Vocês nunca vão se separar!”. Coisa boa de se ouvir quando não se tem problema. Mas quem disse que eu quero o problema para o resto da minha vida? O resto da minha vida pode ser só um restinho insignificante ou mais alguns consideráveis anos. Tanto faz! Não quero me amarrar a um problema nem por um mês nem por um século.
Se penso no presente como sendo eterno, não tenho ânimo para procurar melhoras. Por que devo aceitar menos do que mereço? Por que não acreditar que nada está determinado, que tudo pode mudar?
Não quero dizer que sou adepta das coisas fugazes, superficiais e passageiras tão típicas do nosso tempo. As coisas podem ser intensas e duradouras. O eterno é que é problemático, talvez porque me pareça enfadonho, imutável, parado, chato, como algo contra o qual eu não possa lutar, não possa fazer nada.
A minha vida me pertence. Não posso me comportar passivamente frente a tudo: tenho escolhas e minhas escolhas e circunstâncias me fazem ser quem eu sou. E sou indecisa sim. Mas, na verdade, nem é indecisão: sei o que é melhor para mim e o que eu preciso fazer. Muitas vezes opto por não fazer, seja por medo de arrependimento, seja por medo da dor, mas a decisão está aqui dentro, aguardando a hora certa de se concretizar nas apostas incertas.
Volto a Sônia Coutinho: “Liberdade, tesouro duvidoso”. E volto a um velho comentário: trocamos liberdade por segurança. A vida me parece mesmo um campo de negociações: a gente barganha, comete blefes, propõe vantagens, avalia perdas e segue em frente, sabendo que pode perder...
E por falar nesse meu assunto clichê, lembrei do "Cliché do Cliché", que é do Vinícius Cantuária, mas o Gilberto Gil canta poderosamente. Ah, e por falar em Gil, somente hoje, assistindo ao documentário "Uma noite em 67", é que eu soube que ele namorou a Nanna Caymmi. Poxa, que parceria!!!

Não vou jogar
Meu destino contra o seu
Num filme piegas sem sal
Não vou chorar
Nem fingir que o amor morreu
Chega de drama banal
Que seja a dor
Nosso amor, nossos ardis
Teatro nô japonês
Onde o ator
É ao mesmo tempo atriz
Vestes da mesma nudez
Eu, Belmondo
Como um Pierrot, le fou
Só no cinema francês
Você, Bardot
Belo anúncio de shampoo
Só fica bem nas TVs
Melhor viver
Nosso papel bem normal
Que a vida nos reservou
Interpretar
Nosso bem e nosso mal
Sem texto e sem diretor
Chega de representar
O que nós não queremos ser
Não vamos nos transformar
Num casal clichê do clichê

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