Louquética

Incontinência verbal

domingo, 4 de novembro de 2012

A viagem e os caminhos

Já que acabei minha tese de doutorado - a defesa ainda é em dezembro e a ansiedade só virá de véspera - resolvi olhar minha dissertação de mestrado.
Depois de escrito, às vezes nem parece que foi a gente quem escreveu. Mas fui lá num ponto determinado, num poema de Iderval Miranda chamado Diário de Bordo (do livro Oficina estrela):

em nossas amizades
algum dia,
invariavelmente,
defrontamo-nos
com questões tipo
a que se deve?
com que propósito?
para que serve?

nesses casos,
há que se perguntar
por que carregar grandes malas
se a viagem é curta
e os caminhos estreitos?


E meu orientador de mestrado, que é amigo pessoal do poeta, disse tristemente: "Isso é com a gente! isso é com a gente, que é amigo dele. Ele acha a gente um rebanho de mala!".
PAUSA PARA COMENTÁRIO QUE NÃO TEM NADA A VER: 'Rebanho de mala" só me lembra o personagem Antônio Biá, no filme Narradores de Javé, dizendo que "Bovil é um canil de bois" - kkkkkkkkkk! desculpa aí, foi mais forte que eu!
Mas trouxe essas malas do poema à baila porque esqueci um nome importantíssimo nos agradecimentos de minha tese: o nome de Marluce. E Marluce é, assim, figura e gente fina, muito legal comigo, boa mãe, boa e jovem avó, batalhadora, politizada... Ficou a dívida. Marluce não é mala: é uma mulher de bagagem!
Contudo, agradeci a uns amigos malas. São malas, mas são meus amigos - gente que nem vai ler o agradecimento, gente que não vejo nem falo sempre, mas que são presentes.
Tem amizade que, realmente, requer distância. Dá um negócio, um tédio, uma chateação...e outros seres humanos que a gente quer grudar como se fosse irmão.
A viagem é curta e os caminhos, estreitos. Que pena! mas não percamos tempo.
Não vejo Léo Bernardes todo dia, mas se escrevo ele é prestativo, conhece tudo de mim, opina, não tem medo nem frescura - não se esconde da verdade também, porque certas amizades só se conservam conforme nossa capacidade de mentir e fingir que não viu, não ouviu e não sabe da pisada de bola.
Tenho uma série de amigas que nunca erram. Lógico que isso é mentira: erram feio e não têm coragem de admitir. Preferem perder a amizade a admitir o erro. Não sabem pedir desculpas.
Outras são ofensivas: pensam que a gente, mortal, é cidadão Facebookeano, isto é, habitantes da Ilha Feliz do Facebook, onde todo mundo é superstar, bem sucedido, rico, inteligente e frequentador dos melhores lugares. Daí que se você diz qualquer coisa que soe como vantagem pessoal, tais criaturas dirão: "Quem tem boca fala o que quer!", porque afinal tudo referente às declarações alheias são apenas mentiras.
Ah, meu Deus, eu que tenho contas a pagar, pouco dinheiro, como, durmo e me lamento, posso dizer o que?
Já fui uma pessoa "Terceiro Piso", porque perco dinheiro mas não perco o bom gosto, mas só não como macarrão instantâneo porque pelo menos me sobrou isso, o bom gosto. E macarrão instantâneo não tem gosto algum.
Aí não me dou bem com estas pessoas que, embora amigas, são bem diferentes de mim.
Também encho meu saco de sair em programa furado, em que a gente senta na mesa e fica com cara de paisagem ou em viagens com brigas e bafafás.
Na minha vida, as pesadas malas são aquelas amigas que só aparecem quando a casa delas caiu. Tem problemas? então meu telefone não pára. Ah, pior: se eu tenho vida própria e não atendo o telefone - em minha casa, tomo banho, compro pão, vou varrer a garagem, vou ao supermercado, à farmácia -, bem, se não atendo ao telefone ouço despropósitos e indiretas. Estas são as minhas malas: as que pedem dedicação exclusiva, as que dizem "Pare seu mundo que eu tenho um problema!". Mas, aí, se a casa não cai nem o dinheiro acaba, não serei lembrada. E justamente porque o caminho é estreito, olha, estou fora! joguei as malas fora!afinal, se for eu a estar com problemas, que mala me servirá? quem escuta? quem ajuda? quem liga para saber se eu estou precisando de alguma coisa? amizade unilateral não é amizade.
Mas meus amigos constantes, em termos afetivos, estes fizeram os meus caminhos, me ajudaram a carregar as malas, coloriram a paisagem,ajudaram a encontrar a direção e, tal como Marluce, têm bagagem. Obrigada, viu, gente? Gente!Vocês são mesmo gente (acertam, erram, amam, odeiam,enfim, não são robôs de simpatia plástica)...Amo meus amigos!

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