Pensamos
muito nos amores impossíveis, mas o que dizermos dos amores viáveis? Talvez, o
que esteja ao nosso alcance nos pareça, previamente, entediante. Para outras
pessoas, não: é conveniente. A pessoa certa. A pessoa certa nem sempre é a
pessoa amada, mas a soma das conveniências – em alguns casos, é o interesse
puro; em outros, é o fim da busca pela ‘sorte de um amor tranquilo’. Demorei a
entender isso no meu ex, o Poeta. Não entendi quando ele me disse que casar era
como ter uma religião: alguns precisam. Demorei a ver que o Poeta casou, na
primeira vez, aos 17 anos. Meu Deus do Céu: como pode um garoto de 17 anos se casar? E casou uma segunda vez, já aos 26 anos...No fim deste casamento, cinco
dias após completar 33 anos, ele me conheceu ao vivo (depois de me mandar um
convite pelo Facebook, respondido três meses depois), numa noite de dezembro.
Então, quando a gente se separou, depois do começo da pandemia – é, a pandemia é um
marco histórico e um divisor de águas –, ele não queria, de fato, se separar e eu não
entendia aquilo, já que ele claramente estava num outro relacionamento. Sofri um
bocado. Passou o tempo, ele passou em importância afetiva para mim –
importância histórica ele sempre terá. Foi um homem com quem amadureci
sexualmente, com quem muito conversei, ri, aprendi, ensinei, me consolei de
coisas que ele jamais soube que aconteceram e, por fim, vez por outra a gente
se viu e também deixou de ser ver. Essas pequenas distâncias modificaram muito
o modo como ele me tratava, porque trouxe a admiração, inclusive admiração física
por mim, que antes era básica, como se eu fizesse parte da decoração da sala...E
não sei o que houve para ele manifestar um apreço diferente. Talvez seja apenas
aquela vaidade de perceber que há outros conhecidos dele declarada e
assumidamente querendo me namorar (escondi o namoro com o Homem de
Capricórnio), mas, enfim, como novela mexicana, ele veio à minha rua, já bem
tarde, sob a chuva de ontem à noite, depois de não ser atendido ao telefone.
Temendo bater à minha porta àquela hora e ser rechaçado por mim e por meus
parentes vizinhos, insistiu no telefone e eu o atendi, saindo de carro ao
encontro dele (ele, em frente à garagem, praticamente), para manter a privacidade. Ele não me disse nada que fizesse
sentido. Alisou meus cabelos, me beijou o rosto enquanto eu dirigia sem entender do que
se tratava.
Ele
inventou que estava passando perto de minha casa, porque tinha ido à
inauguração de uma casa de poker secretamente localizada a 200 metros de minha
casa...ele já sem palavras, sem congruência, sem nexo argumentativo. Depois de
um silêncio de saudades cúmplices, ele disse que queria dormir comigo, na minha
casa, na minha cama. Claro, não atendi à ousadia descabida, mas ficamos em
intimidades silenciosas até o decurso de um temporal interno em nós e o externo,
na chuva incessante. Muito tempo!
Levei-o
de volta à casa dele – foi muito diferente esse estar perto. Quando cheguei em
casa, vi que ele avisou que me bloquearia no WhatsApp, por motivos de segurança,
porque ele está casado com outra, mas que não queria deixar de falar comigo...Por
mim, sem problemas. Eu não poderia responder a isso, já que estava bloqueada.
Concluí
que, talvez, ele tivesse vindo atrás de mim apenas para se despedir de vez,
como quem se reservasse um último desejo, antes de sepultar verdadeiramente um
sentimento. Gente mais acessível, mais descomplicada, ele teria, se quisesse. E posso dizer que até ao pronunciar meu nome, ele não o fez da
mesma forma. Na minha cabeça, era questão de despedida, de última vez, de nunca
mais.
De
manhã, lá estava eu desbloqueada. Achei bonita essa declaração indireta de amor,
porque eu entendi ali um amor ágape, outra linguagem, outra coisa. Perdoei, por
dentro, o ser humano confuso que experimentava saudades de mim, que reconhecia
a alegria que tínhamos quando perto; entendi que eu não teria a dar a ele algo
que ele queria muito. Não era questão idiota de bloquear e de desbloquear, era
um homem em busca da paz do amor tranquilo, da segurança de um lar e de um
esteio, que digladiava com os outros prazeres que eu lhe outorgava e que o tempo
estava tirando dele. Acho que ele passou a entender que não poderia combinar
duas pessoas com duas coisas que lhe eram vitais, mas como prescindir delas?
Eu
não disse nada sobe nada, em momento algum. “Esse silêncio todo me
atordoa/atordoado, eu permaneço atento” – digo eu, citando Chico Buarque.
Amar
não é tudo. Pobres de nós, que achamos que um amor correspondido é garantia de
felicidade. Não, não é. Até dói mais quando a pessoa que a gente ama também nos
ama, mas há uma série de coisas em que a gente não se ajusta; e quando a pessoa
com quem a gente se ajusta em uma série de coisas não é alvo de nossos
sentimentos? sei que o bicho que mordeu o Poeta vive me mordendo.
O Homem de Capricórnio instaurou uma crise em mim e eu edifiquei uma boa distância emocional. Não deixei de gostar dele, só achei que precisava ficar sozinha, que a paz é estar sozinha e sair do campo de guerras que eu já não suporto, porque tenho poucas armas contra a infantilidade e contra defeitos inegociáveis - falo de vinganças que ele sempre me faz; de interromper minha fala; de nem ouvir argumentos; de desejar que eu esteja à disposição dele e prescinda de minha vida particular, etc.
Disse Drummond que "O amor bate na porta/o amor bate na aorta/fui abrir e me constipei." Pois, me descreveu até na crise de rinite.
Será
que existe amor equilibrado? Ou será que tudo é negociação, jogo de perdão,
ajuste infinito? Saio dos amores sem respostas, entro com muitas perguntas...