Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Nas cinzas do carnaval


A greve da Polícia Militar da Bahia de fato afetou o carnaval: o sábado, dia conhecidamente disputado por foliões, teve uma presença tímida das pessoas e, aparentemente, poucos eram os turistas. Por isso a solução foi o camarote, ou seja, a festa dentro da festa,para quem pode pagar, claro, apesar do público não abarrotar as instalações nem ser suficientemente paciente para esperar as atrações, tão poucas, ao longo da madrugada.
No domingo foi um pouco melhor, mas ainda assim, os camarotes dominaram. E finalmente, na segunda-feira, dia em que meu bloco sairia, a festa melhorou consideravelmente: cedo já havia atrações na Avenida Oceânica e uma aglutinação fora do comum se formou em todos os recantos. Isso sim, me incomoda: olhar para os lados – quando se consegue olhar para os lados – e não ver opção de sair dali, dá uma tremenda agonia, dá a pior sensação de claustrofobia que se pode ter e que se mistura à agorafobia. Nunca entrei num mar de gente daquele. Obra e graça do grandessíssimo fogo no... espírito, dos meus acompanhantes, que queriam chegar à Barra se mantendo na Avenida Oceânica, enfrentando (de frente mesmo) os blocos e os trios elétricos e quem mais os seguissem. A finalidade era ver o máximo possível das chatésimas atrações – palavra de quem não gosta do Chiclete nem da Ivete, porque esta não é a minha praia mesmo!
Devo dizer, porém, que como em todos os anos, o carnaval se torna deslumbrante por causa dos Filhos de Gandhy.
Até o mais feio dos homens fica interessante com as indumentárias do bloco dos Filhos de Gandhy. E os lindos ficam ainda mais lindos vestidos de branco, com um turbante que define e valoriza o rosto de cada um, com os bíceps lindamente expostos e adornados por contreguns que só reforçam o fetiche das mulheres e dos demais admiradores.
Em todos os dias de carnaval em que participei da festa – ou seja, do sábado à segunda-feira – dormi mal como poucas vezes antes e lamentei não ter amigas solteiras comigo para a gente ir conferir mais de perto os atributos dos Filhos de Gandhy. Faz muita diferença! Sair com uns amigos sob forma de família é divertido, mas não há com quem fazer comentários nem com quem traçar diálogos cúmplices sobre as paqueras.
Acabou que a outra atração do carnaval foi a divertidíssima vida alheia, sempre com mais emoções do que nossas vidas e pauta constante dos cafés da tarde (não acordávamos de manhã) e dos almoços... E quando eu vim para a minha casa, certamente essa minha vida sem emoções deve ter sido comentada.
Talvez meus infernos pessoais e as partes que eu preservo sobre a minha própria história podem ter integrado os debates, mas, de novo, acho que não gero grandes narrativas: é que sou solteira e não sou homossexual. Desta forma, tenho pouco a esconder, se é que escondo, porque ponho tudo na conta da privacidade. Encerrei minha carreira numa certa universidade sem levar nenhum escândalo no currículo – o que eu muito lamento, porque queria ter tido histórias para contar e coisas para esconder – mas, infelizmente, saí com uma vergonhosa conduta ilibada, sem rolos com alunos ou com o marido da próxima; sem tramas eróticas na beira do Rio São Francisco, sem causar envenenamentos nem separações, sem bebedeiras estridentes, sem atacar ninguém, infelizmente! Não rendo muitas pautas. Podem digitar o meu "nada consta", para meu desconsolo.
Acho que um dos grandes atributos da vida da Roma e da Grécia Antigas foram seus escândalos - mas ai de mim! eu não sou amiga de Baco e não me entupo de vinho; e constato que as oportunidades de orgias ficaram na universidade, que por sinal sempre deixou claras as suas intenções: teve a GeoOrgia e a BiolOrgia, porque o povo de Geografia e de Biologia sabiam curtir a vida acadêmica. Nós, os de História, ficamos, pois, encarregados dos relatos - e, em muitos casos, da observação participada nos processos. Lamentavelmente, eu não participei e, para reforçar minha caretice, trabalhei até muito recentemente numa universidade careta e ginecocrácica, tal e qual aquela em que eu estudo atualmente.
Este não foi um bom carnaval, mas, para não dizer que nada saiu do lugar comum vou aqui confessar que um homem que estava no mesmo bloco que eu – bloco gay, claro – puxou uma conversinha comigo acerca dos seguranças e de repente disparou, sabe-se lá por que, um comentário sério: “Você trabalha porque quer, porque com um corpo como o seu, você ganharia muito dinheiro no negócio certo! Estou falando sério!”. Bom, a proposta da prostituição foi clara. E como meu negócio não é este, preferi tomar como elogio a abordagem do sujeito e voltar minha atenção para a festa que, no final das contas, não rendeu nada de extraordinário para contar...

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