Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Uma temporada no...


Até que eu tentei achar tempo para postagens, mas nas raras oportunidades em que havia tempo, também havia um cansaço indescritível. Trabalho demais, tempo de menos, e nada de chance de escrever. Assim é que os assuntos expiram. Depois, desapareço pelo carnaval e tudo se acumula.
Mas andei devendo uns comentários sobre um evento de quase três semanas atrás. Nada de excepcional, apenas uma noite no Teatro Vila Velha e uma peça: Pólvora e poesia.
Se fosse pela peça em si, eu não daí mais do que cinco pontos, numa escala de zero a dez. Mas devo admitir que tem uma coisa fascinante que é o esforço dos atores. E na peça são apenas dois, a interpretar Paul Verlaine e Arthur Rimbaud e sua conhecida história de amor homossexual, literatura, álcool e haxixe.
Acontece que a forma como os atores se jogam na história, o esforço em conferir veracidade às próprias interpretações compensam a monotonia da peça. Requer muita coragem se atirar contra a mesa montada ao centro do palco e ficar nu ante uma platéia sabidamente desprevenida, quando não, conservadora.
Eles têm domínio de movimentação e força de expressividade: coexistem no palco, seguem em sintonia com a trilha sonora que é composta a partir de uma guitarra de acordes dramáticos, estridentes, doloridos, tocada ao vivo por um músico e que eu suponho que se preste a dar um ar contemporâneo e grave ao que é encenado.
Um espetáculo ruim é muitas vezes compensado pela seriedade dos seus atores, que salvam a cena. Mas, como não poderia deixar de ser, tem os aspectos tragicômicos e, neste ínterim, eu quase fui atingida pela arte. Literalmente: nessa onda de conferir veracidade, os atores vão tirando a roupa e atirando aleatoriamente pelo palco afora. O problema é o afora: o sapato passou a milímetros do meu nariz; uma cadeira acabou aos pés (e quase nos pés) do meu amigo e inúmeros livros desafiaram os reflexos dos expectadores, porque não foi fácil desviar daquilo.
Imagino os hematomas dos próprios atores após cada apresentação, porque eles se jogam mesmo sobre estruturas de madeira e se expõem a quedas que, mesmo previstas e treinadas, com certeza devem deixar suas marcas. Pelo menos é uma forma sincera de se deixar atingir pela arte!
Bom, ando com inveja daqueles para os quais o ano só começa depois do carnaval: isso não funciona para mim, que sempre tenho o que fazer, seja com as coisas minhas, de tese, seja com as de meus orientandos, que andam parecendo parturientes nervosas... Acho que eu também ando assim porque sei dos meus prazos, mas à medida que me desvio dos afazeres acadêmicos específicos da tese para tratar de trabalhos, concursos e outras coisas, entro em trabalho de parto por saber que na primeira semana de março meu orientador estará à minha espera com meus deveres cumpridos.
Agora é a minha pausa neurótica: saio para o carnaval, pelo menos um dia estou num bloco suspeito onde toda Coca-Cola é Fanta e todo Pitbull é Poodle, mas é lá que os meus amigos estão; durmo mal, como pessimamente e saio desesperada para casa na terça-feira, somente para colocar a coisa sem ordem e recuperar o tempo perdido. Como sempre...
Mas, por falar Rimbaud e levando em conta as minhas várias temporadas no Inferno, segue um trecho de O clarão, retirado, claro de Uma temporada no inferno, em que ele também fala do trabalho:
O trabalho humano! é a explosão que ilumina meu abismo de tempos em tempos.
"Nada é vaidade; à ciência, e avante!" clama o Eclesiaste moderno, isto é, Todo mundo. E no entanto os cadáveres dos maus e dos mandriões tombam sobre o coração dos outros...Ah, se apresse, se apresse um pouco; lá, além da noite, as recompensas futuras, eternas...Escapamos delas?...
- O que posso? Conheço o trabalho; e a ciência é lenta demais. Que a prece galopa e a luz pulsa...vejo bem. É simples, quente demais; podem passar sem mim. Tenho meu dever, e o orgulho de o pôr de lado, como tantos outros.
minha vida está gasta. Vamos! finjamos, preguicemos, ó piedade! E existiremos nos distraindo, sonhando amores prodigiosos e universos fantásticos, nos queixando e discutindo as aparências do mundo, saltimbancos, mendigo, les apparences du monde, saltimbanque, mendiant, artist, bandit - prêtre! Sur mon lit d'hôpital, l'odeur de l'encens m'est revenue si puissante; gardien des aromates sacrés, confesseur, martyr...


P.S.: Na foto, eu e meu amigo João Neto, após assistirmos à peça de que falei acima: dançamos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário