Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Tem, mas acabou!


Ainda me causa espanto o que ocorre depois de deixar de amar.
Olho com espanto e estupor a insignificância a que é relegado o meu antigo objeto amoroso: ele, um estranho; tudo estranho, tão estranho, sem intimidade, sem identidade, sem paridade...
Quantas vezes eu me perguntei onde foi que comecei a largar as mãos dele, antigamente atadas às minhas? Onde foi que o caminho se bifurcou e cada um seguiu por outras partes da estrada?
Tem caso pior em que o amor não termina simplesmente: é substituído pelo ódio, pelos desejos de vingança, pela sensação de que fomos idiotas por amar aquele ser humano tão sem qualidades, tão diferente, tão chato, tão aquém de nossos desejos.
Não acho que o amor é cego: é que o olhar é cômodo, se esquiva de tensões. No fundo, os defeitos são visíveis para todos, mas todos os defeitos são perdoáveis para quem ama, os erros se tornam respeitáveis, queremos cortar a nossa própria carne para não permitir que quem amamos seja machucado. Mas esta anestesia, quando passa, deixa doer em nós as decepções, as sensações de equívoco, o eterno questionamento de “onde é que eu estava com a cabeça?” e, em muitos casos eis ali nosso novo inimigo.
Um dia dividimos sonhos, camas, prazeres, planos, opiniões, amigos, idéias, ambientes e desejamos que tudo seja eternizado. Depois, o tempo desgasta, tudo acaba e já não há mais lugar para aquela pessoa em nossa vida. Às vezes nem queremos pronunciar mais aquele nome.
Quando casávamos por interesse e conveniência, diziam os nossos pais que “o amor vem com o tempo”. O caminho, hoje em dia, é inverso: o amor se desgasta com o tempo. À medida que encaixamos o nosso par no cotidiano ele faz tanta parte de nossa vida quanto os móveis da sala. Às vezes se confunde com a decoração. Chamamos isso de rotina. Chamo isso de processo de corrosão ou ascensão da realidade.
Daí porque não adianta pintar o cabelo ou mudar o nariz: “Ainda somos os mesmos”. Nem por isso é menor o meu espanto: parece que a gente abre um frasco de uma essência inebriante, mas bastante volátil, que se deixa evaporar até secar.
Aquele que chamo de Ex-Grande Amor da Minha Vida, em iniciais maiúsculas para destacar o modo personificado de uma grande ilusão que nossa cultura construiu, isto é, a invenção de que há um grande amor dentre todos, que há o Homem de nossa vida, a Mulher de nossa vida, passou. E o Grande a que me refiro é mais pela intensidade com que vivi as coisas, pelas singularidades que estão em mim, em como me portei durante o que senti. Hoje, ele não é nem Grande nem Amor, nem ocupa lugar em minha Vida.
Fica a recordação de algumas coisas, mas a imagem dele, para mim, já se desfigurou há muito tempo. Não lembro de detalhes, mas lembro de coisas grandiosas em termos subjetivos. E até esse amor passou – Deixou uns aprendizados, uns deslumbramentos, uns espantos...
Nunca cultivei relacionamentos amargos com ex-namorados, mas, há uns que eu não queria ver nunca mais porque me desencantei ou porque me lembram que eu era como eu não gostaria de ter sido ou, até, porque acabaram por minha iniciativa e o ponto final dizia que ali acabar era sinônimo de “nunca mais”.
Aquele citado ser humano anônimo que encontrei no ônibus se enquadra no rol dos “nunca mais”. Quanto mais ele insiste em forçar coincidências, em procurar estar em meu caminho, mas eu me sinto idiota por ter, um dia, gostado de um idiota. No Orkut até integro a comunidade chamada “Eu já amei um idiota”, para bem demonstrar qual a sensação.
O cara é machista, um pouco além do que eu supunha. Ou talvez não fosse e tenha se tornado, porque quando estávamos juntos éramos pessoas de 19 e 20 anos, respectivamente. O tempo deve ter corrompido o bom senso dele, eu acho.
Vale a pena ser primeiro em competições, disputas, concursos e afins. No resto, não vejo por que a fissura como se houvesse recebido um troféu. Essa prova de vaidade é ridícula: amei com mais entrega a várias outras pessoas, aliás, eu nunca amei aquele menino, eu gostava dele. Ele não sabe que ele não é mais aquele menino. Acho que ele também não sabe que eu não sou mais aquela menina. Aquela menina ainda está em mim: é uma menina triste em eterno desamparo. Ela ainda tem 19 anos e acha a vida um saco. Ela está, porque fui. Mas ela não é, porque não sou. Ela é menor, é bem menor do que a mulher que eu me tornei e que não deseja ver aquele menino.
Ele não sabe que ele casou, mas sabe que errou, que é infeliz, que se sente vazio e que não é mais aquele mesmo menino.
O tempo foi malvado com ele: não que alterasse a cara, os cabelos, a barriga, mas passou por ele sem deixar nenhuma marca de ensinamento. Poxa, ele não sabe nada! Se a vida é uma escola, ele foi reprovado. E se o tempo realmente ensina a todos nós, ou ele tem déficit de atenção ou é forte candidato a ser bi-repetente.
Não consigo amar de novo a quem um dia eu deixei de amar.
Não penso que deixar de amar seja sinal de esquecimento: ora, eu lembro muito bem de tudo. E lembrando, não quero viver aquelas coisas nunca mais porque não sou de apenas virar páginas: arranco páginas, queimo, apago, limpo gavetas, esvazio lixeiras e cada vez mais me confirmo como uma grandessíssima idiota porque se assim não fosse, pelo menos é assim que eles, os meus ex-namorados, me vêem, a tal ponto de achar que basta aparecer e dizer “vamos tentar” que eu estarei disponível e balançada. Assim pensou Ricardo, que até inventou um câncer para me coagir; assim pensa esse citado anônimo. Pelo menos Ricardo tinha noção de ter sido crápula comigo e o contato começou por um pedido de desculpas retroativas ao tempo de universidade.
O outro, ao contrário, questiona o que fiz além de pensar nele e alega saudades de mim, como só um bom idiota poderia fazer por me julgar idiota também. Mas ele acertou: penso muito nele, com ódio, com perplexidade, com uma completa e indescritível perplexidade. Sim, eu digo a mim mesma: “Meu Deus, como eu pude namorar essa pessoa?”. Aí vejo que talvez a animosidade contra ele seja porque eu tenho ódio de mim mesma por ter feito tão má escolha... Dá uma vontade de fazer um ritual de autoflagelação que expurgue o pecado que cometi contra mim mesma...
Vou ter que contratar um exorcista para retirar ele do meu caminho, porque ele sempre se esforça para estar no meu caminho, desde este último sábado. E por saber do que gosto, aonde vou, onde moro, ou seja, coisas que não mudaram em todo esse tempo, agora que ele voltou a morar aqui quem deve procurar outro canto para morar sou eu, porque está difícil de ele compreender que eu realmente não estava aqui esperando pelo reencontro.
Pensando bem, vou precisar de um exorcista e de um advogado de defesa.

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