Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Os velhos caminhos e o Arcano XIII


Não fui ao show a que eu pretendia ir ontem: tive motivos bem melhores para ficar em casa. Apesar de achar que todos os sábados do mundo devessem ser destinados às festas, também fiquei feliz por notar que certas presenças já fazem minha diversão.
No domingo, entretanto, vivi minha eterna consternação ante a escandalosa dependência de uns amigos meus de álcool e de remédios tarja preta. E acho que já me cansei tanto de repetir as coisas sobre o assunto que até instaurei a consultoria. E não deu outra: para os meus entrevistados, as dependências referidas são originadas das angústias e da incapacidade de percebê-las ou de resolvê-las ou mesmo de saber que há controle e não extermínio delas. Uma angústia vai, a vida segue, outra angústia vem. A bebida e a rivotrilização da vida não mudam nada: se estampam sorrisos doentes, mascaram sintomas e não promovem a cura – do que nem tem cura, é da vida. E haja fluoxetina!
Mas misturo piedade e indignação: seja porque eu gostaria que essas pessoas se resolvessem, seja porque me causa ódio a preguiça que elas esboçam para isso. Ninguém vai resolver a nossa vida por nós, nem mesmo o psicanalista.
Entendo os que têm mágoa dos pais, dos irmãos que eles julgam mais amados, preferidos, privilegiados, dos pais negligentes, das humilhações e das comparações infernais que sempre agem contra a parte queixosa. Eu não seria humana se não tivesse vivido essas coisas também. Mas aí chegamos ao ponto: o Arcano XIII, que para muitos é a carta da morte.
Não é novidade que eu não acredito em cartomantes – pela simples lógica repetidamente exposta por mim, segundo a qual, do futuro ninguém sabe; do passado, eu já sei porque já passou; e do presente eu sou testemunha. Logo, nada há que possa me oferecer novidades, informações novas. Mas não acreditar em cartomantes não significa o meu desprezo à lógica própria do tarô, nem seus traços filosóficos, nem a sua sabedoria interna. Por conta disso, compreendo o Arcano XIII como a carta das mudanças.
O Arcano XIII é a morte: prova de que algo será sepultado, que morre algo para surgir outra coisa. Mas o Arcano XIII toca numa outra lógica: a do processamento das mortes, dos finais, dos lutos e das reclusões com o luto. Ao mesmo tempo, ele expõe uma importante faceta dos seres humanos: a de não saber e de não querer encerrar ou enterrar o que já não pode existir.
Para sepultar relações familiares dolorosas e questões afins precisamos, sim, exercitar o desprendimento do passado.
Acontece que o passado não passa se ele está dentro de nós e nos torna o que somos: ele é parte de nossa história.
Afirmo isso com o também doloroso reconhecimento de quão rancorosa eu sou, do quanto fico remoendo uma mágoa e remexendo as cascas das feridas do passado. Entretanto, se a gente quer a cura, se a gente precisa superar, convém se encontrar com o passado.
Um dia eu fiz isso: fui até à minha madrasta dizer tudo o que era preciso dizer. E ainda foi pouco.
Relatei aqui que, antes, tive crises de ânsia de vômito e as mantive até estar certa de que eu precisava resolver meu passado. A vontade de vomitar era a resposta psicossomática à de pôr para fora – mágoas, palavras e situações. Joguei, naquele encontro, a pá de terra sobre o que me afligia e dormi melhor a partir de então.
Como não sou um bom exemplo de nada nessa vida, também tenho uns apegos horrorosos a certas coisas e pessoas. Mas sei que é preciso aceitar o fim e processar o fim para seguir em frente. Carregar o morto para cima e para baixo não vai nos ajudar a ter uma vida nova; repetir procedimentos não vai trazer novos resultados... É isso. Os remédios para a vida não são fáceis de administrar.

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