Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Justos e pecadores


Elas estavam no fundo do banheiro do aeroporto, uma ao lado da outra, meio nervosas, meio indecisas. E eu entrei bem nessa hora, de modo que aquele nervosismo delas me inspirou o sentimento de perigo e eu, que tinha entrado ali para usar o banheiro, achei por bem escovar os dentes, para disfarçar que eu sabia muito bem o que estava acontecendo.Levei os quatro minutos regulamentares de escovação, na esperança de que elas saíssem.Não saíram.Uma delas tinha um volume esquisito em volta da cintura, que depois eu percebi, naquela aparência de cartucheira e cinto de explosivos, ser provavelmente a camuflagem da cocaína.
A outra tinha uma bolsa imensa e desproporcional à própria altura. Pareciam mesmo indecisas. Não entrava em nenhuma cabine do banheiro. Viam as pessoas entrando e saindo e não notavam que se tornavam cada vez mais suspeita.Por fim, acabei de escovar os dentes e saí. Elas ainda demoraram lá.Contei o ocorrido ao Outro Lá.
Ele fervilhou de raiva, queria ir atrás dos policiais para dar o flagrante nas moças. Eu o impedi: expliquei que eram apenas mulas. Na verdade, eu não quis fazer a Justiça, porque não seria justa.
Pessoas boas fazem coisas ruins todos os dias e certamente não devem ficar impunes.Entretanto,imaginei que aquelas duas mulheres negras certamente já haviam sido condenadas à pobreza, ao desespero e ao medo e estavam ali porque a proposta deve ter sido tentadora.
Não era só tentação, era a possibilidade de ganhar algum dinheiro que talvez livrasse a cara da família delas, talvez salvasse a vida do filho doente, talvez servisse para comprar uma casa própria, talvez servisse para custear o advogado de defesa de um marido preso, talvez tivesse algum outro fim de acordo com as necessidades pessoais... A corda sempre arrebenta do lado mais fraco. Elas eram o lado mais fraco e eu não quis arrebentar com nada.
Pelo visto, aquela aventura estava só no começo, mais viria em outros aeroportos, em detectores variados, em inspeções e suspenses.O traficante grande, este sim, sempre livre em ascensão de lucros. As mulas, são sempre mulas, fazem o transporte ( e, por conseguinte, ainda levam chicotadas).Pensei um bocado naquilo.
Fora das esferas legais, penso que há quem venda drogas porque há quem compra drogas. Um mercado não sobrevive sem os seus compradores e não há traficantes, nem mulas transportadoras se não houver quem consuma o produto.
Não soneguei informação aos órgãos competentes, também não me omiti à medida que optei por não interferir no rumo das coisas... Talvez elas estivesse ali para serem, propositadamente denunciadas, a fim de desviar o olhar da Polícia Federal enquanto cargas maiores atravessavam fronteiras e saguões.

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