Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Ah, se eu pudesse!


Ah, se eu tivesse coragem, se eu tivesse um acesso de sinceridade ou um surto de perda temporária da noção para dizer bem no focinho do meu aluno: "Mas você não tem vergonha de ser tão cara-de-pau e desonesto? assume teu pepino, cara!"; e de dizer às minhas amigas: "Vale a pena tanto esforço e veemência com uma mentira inútil? Ora, todo mundo sabe da verdade"; e se eu pudesse dizer à turma toda: " Tchau! vocês não precisam mais vir aqui vender AVON na minha aula e contar de intrigas de vizinhos. Nosso contato será à distância"; e se eu pudesse dizer àquela proposta: "Querer, eu não quero...Mas não pintou nada melhor mesmo!"; e se eu pudesse dizer a uns outros: "Que tipo de família vocês são que não internam esse cara?Cuidem dele!". Bem, eu diria. Diria se eu pudesse, mas por enquanto eu só quero.
Mas, vamos aos fatos: de tudo quanto possa ser dito em tom real ou ficcional, fiquei de cabelo em pé diante da profusão de mentiras que as minhas amigas disseram a uma terceira pessoa que, aliás, é quarta - já que eu era testemunha da conversa.
Já não dou conta de minhas próprias mentiras, que detesto e só mantenho por questões éticas ou por educação, e de repente tenho que ser cúmplice num espetáculo de cara-de-pau explícita.
Mantiram o que podiam mentir, subtraindo anos na idade e acrescentando fatos inexistentes, metendo hipérboles morais e a veemência dos megalomaníacos. Nessas horas a gente entende o que é a vergonha alheia, porque é tão vergonhoso que a gente sente vergonha no lugar da parte a quem caberia o pudor.
E do trabalho, eis um troço interessante: mais uma turma de Pedagogia. Mais uma turma fora do eixo, que mescla os que querem entrar no pacto do conhecimento e os que já fizeram o pacto da mediocridade, apesar de não constar a minha assinatura.
A gente sempre sofre, claro. Mas acho que eu já sofri mais, antes, quando sonhadora eu media o mundo a partir de minha fita métrica.
Outras coisas eu ainda estou aprendendo, o caminho é longo. Também aprendo coisas a respeito de mim mesma, aquela parte irremovível que eu pensava ser flexível e não é.
De novo a velha pauta: está bem que é moda citar que as identidades são fluidas, líquidas, híbridas, múltiplas e mutáveis. Acontece!
Porém, realmente ninguém espere que eu, que não gosto de álcool, passe a gostar; que sendo uma mulher heterossexual eu vá visitar a Ilha de Lesbos; que sendo católica simpatizante com o Espiritismo e com a Umbanda eu vá entrar numa ou noutra religião; que detestando música brega eu vá ouvir certas doideiras... É, mas eu pensei que eu fosse mais flexível. Não sou. Sinal de que a identidade tem lá suas cascas rígidas, seus engessamentos. Caso contrário eu não teria personalidade.
O que me faz pessoa é o que me faz ser como eu sou.
Uma coisa é mudar uma opinião mediante Xis ou ipsilon ponto de vista, argumentos, aspectos analisados e etc. Mudar de opinião, desde que haja um novo enfoque, pode ser. Mudar quem eu sou, não dá, porque já sou e me constituí.
E aí, gente boa, sinto muito, está difícil, aliás, impossível.
Se na universidade a gente tem aqueles colegas que no primeiro semestre são marxistas; no segundo, são leninistas; no terceiro, são hippies e no quarto se tornaram neo-liberais, tudo bem, porque cada um tem suas fases. Mas garanto que todo mundo tem um limite, tem um ponto em que se nota algo como um "eu jamais faria isto".
Tem coisas que me incomodam e que eu gostaria de mudar, até... Queria ser mais flexível, por exemplo, com esse negócio de considerar que amigo é amigo, não é objeto de consumo sexual - tá certo que não tenho amigos heterossexuais em número que exceda três, mas bem que eu poderia ser menos carola. No entento, não sou.
Queria também ter esse acesso de sinceridade de dizer o que certas pessoas merecem ouvir.
Acho que um momento de intensa sinceridade nunca viria sem uma boa dose de sonoros palavrões - eles aliviam a indignação e devem constar na proporção direta da ira ou do absurdo da situação.
Ah, que pena que a gente tenha que ser flexível para evitar conflitos e processos, mas seu pudesse... Ah, se eu pudesse!

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