Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Assim falou... (O Anjo Pornográfico)


Eu estava aqui gastando os dedos e o meu parco raciocínio para terminar um capítulo de minha tese quando, dentre os livros correlatos ao assunto, encontrei este maravilhoso depoimento de Nelson Rodrigues a respeito do comportamento do público frente à encenação de Perdoa-me por me traíres:
“Explodiu uma vaia jamais concebida. Senhoras grã-finérrimas subiam nas cadeiras e assoviavam como apaches. Meu texto não tinha um mísero palavrão. Quem dizia os palavrões era a platéia. No camarote, o então vereador Wilson leite Passos puxou um revólver. E, como um Tom Mix, queria, de certo, fuzilar o meu texto. Em suma: eu, simples autor dramático, fui tratado como no filme de bangue-bangue se trata ladrão de cavalos. A platéia só faltou me enforcar num galho de árvore. A princípio, deu-me uma fúria [...]. Naquele momento, teria descido para brigar, fisicamente, com 1500 bárbaros ululantes. Graças a Deus, quase todo o elenco pendurou-se no meu pescoço. Mas o que insisto em dizer é que estava isento, sim, imaculado de medo. Lembro-me de uma santa senhora, trepada numa cadeira. A esganiçar-se: “Tarado! Tarado!”. E ,então, comecei a ver tudo maravilhosamente claro. Ali, não se tratava de gostar ou não gostar. Quem não gosta simplesmente não gosta, vai para casa mais cedo, sai no primeiro intervalo. Mas se as damas subiam pelas paredes como lagartixas profissionais; se outras sapateavam como bailarinas espanholas; e se cavalheiros queriam invadir a cena – aquilo tinha que ser algo de mais profundo, inexorável e vital. Perdoa-me por te traíres forçara na platéia um pavoroso fluxo de consciência. E eu posso dizer, sem nenhuma pose, que, para minha sensibilidade autoral. A verdadeira apoteose é a vaia [...]. Confesso que, ao ser vaiado em pleno Municipal, fui, por um momento fulminante e eterno, um dramaturgo realizado, da cabeça aos sapatos.”
(RODRIGUES, Nelson. O Reacionário: memórias e confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1995,pp. 277-278)
P.S.: Anjo pornográfico foi um dos epítetos recebidos por Nelson Rodrigues e que nomeia uma das biografias mais conhecidas do teatrólogo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário