Louquética

Incontinência verbal

sábado, 5 de maio de 2012

No Paraíso duvidoso


A necessidade faz a gente tomar decisões loucas e desesperadas. O problema é que após uma decisão sempre vem outra, num efeito seqüencial.
Lembrei de minha amiga que enlouqueceu, me explicando que viu a vida como um final de novela, em que os pares eram formados, os mistérios eram solucionados, os finais felizes e a justiça prevaleciam, mas que, no caso dela, se viu sozinha e resolveu escrever um final para si.
Eu não sabia que ela tinha visão assim determinista, em que “ o que é, é; e o que não é, não é, nem pode vir a ser”, como diria Parmênides. Tenho medo do final da novela da minha vida.
Vivem fazendo umas compilações loucas com os contos de fada, explorando o Day after da Branca de Neve, da Bela Adormecida, quando finalmente o convívio transforma o Príncipe num fardo e as princesas colecionam celulites, gorduras e decepções com a vida matrimonial.
Gosto de ver lá o “foram felizes para sempre.”
Ora, quem conseguiria ser feliz para sempre?
E que sempre é esse?
Certamente é um sempre sem angústias, sem conflitos, sem brigas, sem decepções, sem tristeza, sem essa sensação que me acompanha desde já e que se relaciona ao fato de que questiono se tomo as decisões certas.
Meu amigo Fabrício estava se lastimando há poucos dias sobre uma decisão errada que ele tomou.
No caso, ele havia passado para professor de nível superior na UNEB, para uma carga horária de 20 horas. Simultaneamente, passou num Instituto Federal de Educação, para uma vaga de 40 horas.
Para efetuar a escolha, ele pesou as necessidades pessoais e os salários: venceu o Instituto Federal.
Lá foi ele.
Foi, entrou, viveu, conheceu e se arrependeu. E até então não consegue superar a maratona das provas dos concursos da UNEB que, surpreendentemente, reprovam meu talentoso e competente amigo a pretextos frágeis.
Ele se arrependeu da escolha.
Parou, pensou e concluiu que depois poderia vir a ter 40 horas num emprego em que ele não seria sub-aproveitado... E a vida vai indo tão prazerosa quanto uma estada no Inferno!
Se eu for trabalhar no outro lugar em que passei, vou com o coração na mão, vou por dinheiro, mas penso em não ir porque o preço a ser pago é muito maior que o salário a receber. A lição do meu amigo muito me serve.
Mas vêm outras angústias e conflitos, de outra ordem... E agora que minha relação afetiva é uma relação ( e, logo, troca), fico abobalhada com o desespero biológico dele, que parece que vai morrer depois de amanhã se não constituir família, se não tiver um filho. Desconfio que ele deposite na paternidade a esperança de ser alguém mais responsável...
Eu tenho é medo!
Tenho medo de casamento, nunca desejei ter filhos, não sei negociar condições e tenho medo do futuro, porque eu reclamo tanto de certas coisas, mas adoro minha liberdade, adoro ser responsável somente por mim mesma, adoro poder dar a louca na cabeça, arrumar uma mala e cair na estrada... Se for para escolher entre o peso e a leveza, vou contrariar Millan Kundera, porque prefiro a leveza.
Sei que a leveza deixa a gente solto, vulnerável a qualquer vento, mas estar preso sob um peso não me agrada, parece me sufocar... Não sou pássaro para gaiolas, eu acho!
“O mais pesado fardo nos esmaga, nos faz dobrar sob ele, nos esmaga contra o chão. Na poesia amorosa de todos os séculos, porém, a mulher deseja receber o peso do corpo masculino. O fardo mais pesado é, portanto, ao mesmo tempo a imagem da mais intensa realização vital. Quanto mais pesado o fardo, mais próxima da terra está nossa vida, e mais ela é real e verdadeira.
Por outro lado, a ausência total de fardo faz com que o ser humano se torne mais leve do que o ar, com que ele voe, se distancie da terra, do ser terrestre, faz com que ele se torne semi-real, que seus movimentos sejam tão livres quanto insignificantes.
Então, o que escolher? O peso ou a leveza?”
KUNDERA, Milan. A insustentável leveza do ser. Rio: Record, 1983, p.11)

Um comentário:

  1. Louca e encantadora, como sempre. A decisão certa é não ceder à pressão: não case, não tenha filhos, não entre nessa. E que mal há em ser leve? ou se flutua ou se é esmagado pelo peso. Voe!

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