Louquética

Incontinência verbal

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O eco dos mortos


Alguém sempre fala – e devo concordar – que tudo que havia para ser dito, já foi dito.
Arrematando essa ideia, acho que releitura é engodo para breguices e plágios, remixagens, ressignificações, "ré" qualquer coisa que pegue o que já exista e travista-o de novidade.
Acredito, porém no intertexto, na intertextualidade. Sim todas as palavras já foram ditas e todas as histórias já foram contadas. Mas há quem saiba dizer o mesmo de sempre de uma maneira totalmente própria e encantadora. Acho que isso é sintoma de criatividade.
Encontramos a Odisséia dentro de Os Lusíadas e assistimos o encontro de Camões com Petrarca, da Carta de São Paulo e da Legião Urbana: todo mundo junto, intertextualizado, diferente, criativo, igualmente encantadores e totalmente particularizados apesar das intersecções.
No tempo da gente ouço falar que existe “agitador cultural” e que há “ intervenções urbanas”... Nós, seres urbanos! Quem pode agitar a cultura? Quem tem tal pretensão artificiosa? O que não seria uma intervenção urbana se o mundo urbano existe por obra, graça, meio e intervenção do homem? Como é que se explica esse negócio? Vai aí integrar o rol dos sintagmas indevidos.
Estive lembrando de uma música de Fagner, Revelação, que diz o seguinte:

Um dia vestido
De saudade viva
Faz ressuscitar
Casas mal vividas
Camas repartidas
Faz se revelar
Quando a gente tenta
De toda maneira
Dele se guardar
Sentimento ilhado
Morto, amordaçado
Volta a incomodar

E tenho visto que às vezes é possível ressuscitar os mortos, pelo menos no plano dos sentimentos. Já me aconteceu por duas vezes e me deu tanto medo dessa remixagem sentimental.
Demoramos muito para ter a atitude de procurar mecanismos de esquecer alguém e para colocar pontos finais em relacionamentos. Não basta dizer que se quer esquecer e sair para a noite viver novas experiências. Infelizmente, é preciso viver o luto. Infelizmente, é preciso processar emocionalmente as perdas e as rupturas e encarar a angústia para que as coisas sejam realmente bem resolvidas. Devo ter, neste blog, muitas testemunhas das várias vezes em que implorei à analista uma receita, um remédio para aplacar a dor de uma perda amorosa. O caso é que não há receita nem remédio. Tempo e distância podem ajudar, mas podem dissimular e não resolver. Quem resolve é a gente.
Fagner fala da saudade viva que muito revela e do modo como a gente tenta se guardar dos sentimentos, se preservar, porque a experiência de amor é sempre uma experiência de morte, com um lado destrutivo e desintegrador. Experiência de morte não é morrer. Antes fosse. Falo com a audácia e a petulância de quem já amou muito e de quem já morreu várias vezes. E cá estou, de novo, viva.
A experiência de morte é o constante risco de que tudo acabe: um luto; é a possibilidade do abandono; das rupturas, da dor do fim... Eu ainda não sei como é que a gente sobrevive, mas entendo perfeitamente aqueles que cedem e morrem ( minha amiga tomava remédios para dormir e nunca mais acordar, a fim de não encarar a realidade; outras amigas enlouqueceram com o fim do casamento e muitas morrem de outras formas).
Mas a verdade de todas essas coisas contadas e que me despertou a lembrança e o tema, foi que ontem à tarde eu tinha saído para correr e ao chegar em casa, meu celular tinha 08 ligações registradas como perdidas e mais duas de número desconhecido.
Vi que o prefixo era de Sergipe e pensei que fosse meu amigo, que concorria a uma vaga por lá, quem houvesse usado o telefone de terceiros para me dar a boa notícia de sua aprovação. Não era: era Carla, disfarçada de Isabela, quem queria saber se eu estava em Sergipe.
Desmascarada, confessou que pensou que eu estava com o Ex-Grande Amor da Minha Vida ( e atual amor não correspondido da vida dela), porque somente por mim ele seria capaz de fazer as loucuras que ela presumia que ele fizesse...
Meu namorado me perguntou a esse respeito, se eu voltaria a gostar dele, do Ex, e eu disse com toda a convicção que não. Não voltaria mesmo porque os tempos são outros, os contextos são outros... Mas de outro modo, talvez fosse possível. Achei engraçado eu ser suspeita, numa história tão enterrada quanto os mais velhos fósseis sob a terra.
Mas um dia combinamos um encontro e vivemos a tensão da espera. Até que chegou a véspera e reciprocamente confessamos, usando, inclusive, a mesma música de Fagner, que aquilo poderia ser um perigoso retrocesso. Desistimos. “Sentimento ilhado, morto, amordaçado, volta a incomodar”. E nunca mais eu quis saber de incômodos.

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