Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Nas brechas da minha vida


Quando narrei aqui os desesperos que senti em 2006, quando os ladrões que assaltaram o ônibus em que eu estava voltando de Aracaju levaram os meus pertences e dentre estes estava a minha agenda, cheia de segredos, é claro, achei que não passaria mais por coisas similares.
Perder os pertences, tudo bem: a gente trabalha e compra de novo – em meu caso, antes de comprar roguei meio mundo de pragas contra os ladrões, porque não gosto de ladrão e gosto menos ainda daqueles que levam o que e é meu. Porém, levar os meus segredos, sabe-se lá para onde, para as mãos de quem, para fazer sabe-se lá o quê, ah, isso é imperdoável.
Também expliquei que foi a partir desse meu desespero específico que Thales, vítima do mesmo assalto, se aproximou de mim. Não obstante, sempre deixou no ar a ideia do quanto se interessava pelos meus segredos e deduziu que eram segredos de teor sexual. Acertou, óbvio! Não teria outros tipos de segredo, já que não roubo nada de ninguém, não uso drogas, não cometo traições nem tenho predisposição ao homicídio.
Eu deveria saber o quanto as pessoas são loucas pelos segredos sexuais dos outros. Não me incluo nessa: tenho é vergonha de imaginar as caras e as bocas de amigos e amigas transando por aí. Creio que, ao dizer que “família é aquela que o coração escolhe”, concebo os amigos como parentes. Assim, não quero saber de posições e de gemidos dos parentes – basta os que já testemunhei de minha tia, quando eu era criança e imaginei que ela estivesse apanhando do namorado, pois para mim, “ai” era interjeição de dor.
Hoje o Energúmeno olhou para a minha cara e narrou duas situações íntimas, minhas, acontecidas em 2010.
Eu nem acreditei no que eu ouvi.
Parei.
Pensei.
Fiquei perplexa e então me veio aquele “Ôpa!” que me levou a “se eu nunca contei isso a ninguém, ele leu na minha agenda"! (e agenda significa diário, pois é um transformado em outro). Além de ficar com ódio, tive que admitir o ocorrido – coisas que eram do interesse apenas das partes envolvidas. E se alguém aí tiver curiosidade, quero dizer das três partes envolvidas.
Mas fiquei perplexa mesmo.
Ele, o Energúmeno, disse que me desmascarou. Ora, como é que pode? Dou confiança à pessoa e, como muitas outras pessoas, basta que eu dê as costas para que adentrem às minhas gavetas. Takiupariu!!!
Escrevo quando, onde, como, por que e de que forma. Tudo, tudo em meus diários.
Meus diários já me trouxeram muitos problemas. A vida inteira foi assim, desde a casa de minha madrasta. Nunca deixei de escrever por isso: inventava códigos, cifrava, suprimia, mas mantive a escrita. Agora reavalio.
Acho que isso é podar minhas necessidades e meus desejos, mas e aí como é que eu fico tendo que escutar os desaforos do Energúmeno sobre umas histórias de Campinas e uma tarde alegre de domingo num agosto de 2010?
Segunda dura lição: ninguém tem fantasias sexuais. Não são fantasias: são desejos. Inventamos que são fantasias porque tememos os julgamentos das pessoas. Eu tenho fantasias, apenas para usar os termos socialmente aceitáveis, e, na verdade, tenho desejos, sim. Se houver oportunidade e eu tiver coragem, une-se o apetite e a vontade de comer. E devo dizer que um não é sinônimo do outro, porque às vezes a barriga ronca de fome, mas não temos ânimo para a alimentação.
Inútil é fingir que não estou irada e envergonhada.
Tem coisas que desnudam a gente mais que um strip-tease ou uns Raios-X de aeroporto: o miserável do Energúmeno me pôs em pêlo.
Fiquei nua e no frio, como no pior pesadelo que alguém possa ter – eu, como mais 99,9% das pessoas, já sonhei estar nua, andando por aí, numa multidão ou pela cidade a fora.
Queria ter a liberdade de dividir meus segredos com quem eu escolhesse. Ora, se alguém quer saber que posições eu gosto, tanto posso ser sonsa e dizer que centro-esquerda, fazendo de conta que entendi que se trata de posições políticas, quanto posso dizer explicitamente: missionary and dogway. Não entendo é que raio de curiosidade é essa! Por que é importante saber o que eu já fiz, sexualmente? Não entendo mesmo isso!
Fiquei abatida, infeliz, irada mesmo! Penso se o melhor será incendiar os mais de 15 diários que tenho... Não sei o que fazer deles, se devo mantê-los... Um dia é uma tia, em outro, os ex, e daqui a pouco é babado e confusão para o resto da vida.
Mas não ter como registrar as ocorrências do dia é doloroso: escrevo antegozando uma situação ou rememorando alguma coisa boa; escrevo o que não devo esquecer, mas também escrevo das decepções que eu não quero contar a ninguém, dos fracassos, das interpretações mais sinceras sobre os que eu amo, as visões verdadeiras sobre os colegas de trabalho e as impressões que a boa educação nos faz calarem... Escrevo os segredos do outros também, de onde presumo que guardo verdadeiras ogivas nucleares nos armários desta casa.
Mas, então, se tenho uma dúvida, vou lá, abro os arquivos e reencontro uma situação, uma data... Ter um cofre de segurança máxima apenas porque preciso guardar minha própria história é supérfluo. Estar como está, não poderá mais ser: sempre alguém procura os meus diários, lê e cria confusão.

“Toda noite é a mesma noite
A vida é tão estreita
Nada de novo ao luar
Todo mundo quer saber
Com quem você se deita
Nada pode prosperar...”

P.S.: Mesmo morando sozinha há sempre os bisbilhoteiros que procuram grandes emoções nos capítulos da minha vida... Esta minha vidinha besta, comum, que a eles parece fabulosa.

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