Louquética

Incontinência verbal

domingo, 27 de maio de 2012

O coração da menina


A minha amiga R ontem estava me contando que tem três namorados que não são namorados, tudo bom e complicado como tem que ser.
Esses namorados têm outras namoradas (e esposas) e assim se dá o enredamento, num pacto de silenciosas esperas.
Ter todo mundo e não ter ninguém, esperar ser o alguém especial para alguém, ficar à espera da segurança mas, no fundo constatar que se está sozinho assim como todo mundo.
As esposas e namoradas estão sozinhas porque pensam que o título respectivo dá segurança e estabilidade - ambas desmentidas pelas traições dos seus pares.
Os homens se pensam em vantagem, apesar de precisarem ter outras, apesar da companhia oficial não bastar, apesar de saberem que há coisas que acontecem no apagar da luzes que também desmentem o ideal da vantagem, porque os preços são altos.
E quanto à minha amiga, as companhias esporádicas, se juntas, não resultam sequer num mínimo exigível para que se possa dizer que se tem alguém. Incrível mesmo é o pacto entre eles, para não serem descobertos pelas companhias oficiais, para não ultrapassarem os limites daqueles que não têm direito de namorados (as) e de esposos (as). Vai-se vivendo.
Difícil é encontrar gente descomplicada. Acho é que está mesmo todo mundo só.
O futuro do amor líquido talvez seja uma nova assunção cultural do amor, que apague a exigibilidade de improváveis atitudes fiéis, que flexibilize, que caia no teorema de Caetano Veloso: "Não importa com quem você se deite/que você se deleite seja com quem for".
Novas formas de amar que não magoem quem se sentem preterido ou traido. Já ensaiam coisas assim, mas a gente sabe que não tem funcionado: todos querem ser amados, todos querem ser únicos, especiais, todos querem ser o bastante para o Outro de modo que não caiba mais ninguém na relação além do par. E todos têm vaidade.
Quando vi com lentes de aumento a capacidade de mentira que minhas outras duas amigas têm, fiquei pasma! Mentiras gratuitas, sem razão de ser, mentiras cínicas... Então entendi que as coisas estão mais apocalípticas do que se possa imaginar.
Discutir novas sociabilidades não leva a resolver nossos problemas mais imediatos, é só uma constatação ridícula e óbvia de que está todo mundo perto sem estar junto, que as pessoas vivem acessando o Facebook e outras ferramentas, mesmo tendo um interlocutor por perto, que os pais já não amam os filhos como outrora, que tudo mudou. É, tudo mudou e as carências são as mesmas.
Apesar de tantos dizerem que não querem compromisso,continua sendo doloroso não contar com a despedida ou com gestos cordiais de despedida após sexo casual, ficadas descomprometidas, rolos e pegações de festa. Educação e etiqueta fazem falta em qualquer ocasião. Presumo, entretanto, que quando isso não ocorre, ou seja, a educação e a cordialidade para com o outro é suprimida,é para evitar uma má interpretação. Desta forma, é preciso ser ríspido, árido e prático para que o Outro não se sinta convidado a telefonar ou a imaginar que dali vai resultar algo mais.
Tempos difíceis, os nossos.
Faço parte deste tempo: pratico e sofro a ação, excetuando aquelas que batem diretamente contra as minhas caretices, porque não sei partilhar meu corpo com quem eu nunca vi na vida. No resto, não pareço destoar da maioria.
Falei disso tudo, também , porque lá vem o Dia dos Namorados. Dia em que muitas mulheres enviam flores para si mesmas, a fim de simular um namoro... Dia preocupante para algumas pessoas... Mas depois o calendário anda e a vida segue seu curso normal.
Minha amiga R se magoou ao descobrir que o ex-dela, que ainda é casado com Outra, mantinha vários outros relacionamentos paralelos ao deles dois (que eram três).
Minha amiga R parece a Sophia Loren quando jovem e é cheia de qualidades. Por isso eu me magoei junto com ela:solidariedade de quem não entende por que ela não bastou para ele.
Solidariedade de quem vê a companheira de gênero ser tratada como objeto de consumo, quantificável. Eis de onde ela tirou esta capacidade de ter três namorados que não são namorados: efeito dominó - e para muitos, fim de jogo!Quantas partidas, ainda, no coração da menina?

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