Louquética

Incontinência verbal

quinta-feira, 18 de outubro de 2012

As cinzas de Ângela


Acho que desde Terra Estrangeira, que, para mim é o melhor filme nacional de todos os tempos, no sentido artístico em si, eu não via um filme tão bom quanto As cinzas de Ângela, que, no caso, não é nacional, mas uma produção de Alan Parker, de 1999.
É um filme de dor e angústia, narrado por Frankie, um dos filhos de Ângela, que assiste à degradação da família, a humilhação, a fome e a miséria em solo irlandês e sonha em vir para os Estados Unidos, na década de 30 do século passado.
A vida se passa em vielas faveladas, sem a menor condição de moradia, carente de recursos sanitários não dá tréguas à família de pobres que têm que lutar diariamente pela comida e para driblar as doenças fatais, a exemplo da tuberculose e das muitas doenças infecciosas agravadas pelo frio e pelas péssimas condições de higiene das habitações.
A caridade custa caro: o preço moral das humilhações dos representantes religiosos e assistencialistas que não hesitam em maltratar aos já maltratados pela sorte.
Frank, ainda criança, tenta ganhar dinheiro e comemora seu primeiro xelim obtido no trabalho pesado do manuseio de sacos pesados de carvão: herda uma conjuntivite assustadora que ameaça a visão e não permite que ele desfrute da sessão de cinema a que ele vai, como compensação pelos sacrifícios feitos em favor do sustento da família.
A história da família de Frank é descrita a partir dos muitos irmãos dele e do pai, que foge às responsabilidades ante o cansaço da situação e o apego à bebida. Ângela perde a compostura quando é despejada e tem que ir viver na casa do primo gordo e asqueroso, com quem Frank sabe ter intimidades sexuais com a mãe dele.
Mas esta história triste é pintada com angústia e certa poesia: é o onde a dor se apresenta nas vestes bonitas da sua crueza. Assim, também, a descoberta da sexualidade pelos meninos e a posterior paixão de Frank por Tereza são tecidas com intensidade e delicadeza pelo foco cinematográfico.
Ali estão expostas as belezas e as dores da vida: um perfeito equilíbrio captado com maestria, dosado adequadamente e que, por isso, me deixou encantada e lutando contra o sono para assistir até à última cena, quando a usurária agiota para quem Frank escrevia as cartas de cobrança aos credores é encontrada por ele morta e, finalmente, ele pode destruir o caderno de débitos de metade da cidade interiorana onde moram, subtrair alguns tostões e tomar o navio que o deixará nos Estados Unidos.

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