Louquética

Incontinência verbal

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pedras que rolam não criam limo (ou Simplesmente mudanças)


Por pequenos eventos, às vezes nossa vida muda de uma forma absurda. Quando não, algo em nós muda demais: estou surpresa pela minha vontade ou pela minha constatação de que posso (ou devo?) mudar de cidade.
Tem esse meu amor incomensurável pela minha casa. Ah, esse é sentimento verdadeiro, imutável: minha casa é parte da minha história, é uma tapera, uma caverna. E é uma caverna high-tech, justamente porque não quero mexer nos vestígios da minha história.
Minha casa é minha infância e é o resumo de minhas conquistas. É o tamarindeiro que vi crescer e são as palmeiras imperiais que existiam há quase um século quando eu cheguei aqui, e que vejo imponentes; são os besouros que eu conheço pelo nome, são as plantinhas, são meu bichos e os barulhos irritantes dos passarinhos estereofônicos que me acordam. Minha casa é mais que uma herança material: são páginas reais de minha memória que eu, sinceramente, temo que a especulação imobiliária um dia tome para transformar em condomínio ou casa comercial, como já recebi propostas.
Essa é minha relação com a minha casa.
Mas vem a minha relação com a cidade, que não é nada do que eu pensava.
Imagine que essa descoberta é algo como você ter um casamento, perceber as faltas e as carências, mas ir se acomodando ou se conformando. Pois é!
Não tenho amigos aqui, não tenho namorado, não tenho vínculo, não tenho emprego aqui. O que tenho em Feira é o meu passado.
Esta é uma cidade sem concursos, uma cidade com universidades grandes e sem a criação de meios de absorção da mão de obra gerada, é uma cidade com uma prefeitura cara de pau que, quando fez um único concurso para professor, o fez em nível de Séries Iniciais, sem sequer ter a desfarçatez de pôr 01 vaga para Biologia, 02 para Letras, 01 para História, essas coisas que as prefeituras fazem para, pelo menos, disfarçar o engodo.
Não,aqui, não interessa seu nível, a cada década se faz concurso para Séries inicias, te põem a trabalhar no Ensino Fundamental e receber como se fosse Séries Inciais. O jogo é muito sujo. Mudança de nível e plano de carreira, só para 03 ou 05 anos, se ainda existir plano de carreira.
Não é ruim viver aqui, mas para mim é insuficiente.
Já viajei demais, já fiquei longe demais de casa e da cidade, neste cansativo ir e vir.
Já sonhei muito em ganhar meu pão no lugar em que vivo, mas é impossível mesmo. E se fosse possível, agora seria também insuficiente.
Talvez por isso pareça que sou mal agradecida com tudo que conquisto: tenho essa necessidade de renovação, sou hiperativa, sou a favor de qualquer "veneno anti-monotonia". Podem me chamar de tudo, menos de uma pessoa morta e parada. Eu não, eu reajo!
Se tenho momentos de letargia, movimento forças para passar, para mudar.
Aprendi a enfrentar os meus medos mesmo nas situações em que a luta está previamente perdida: quanto a isso, por mais que a gente seja otimista, convém ser realista e reconhecer o poder do mais forte. Foi assim que passou o medo de viajar de avião, o medo de me lançar aos meus desejos e ousar tocar nos lugares em que o braço parecia não alcançar.
Vou pensar mais sobre aquela viagem distante, porque aí, sim, é distante demais. Contudo, penso conforme Tati: oportunidade única. E tenho de 08 a 10 meses para pensar nisso.
Não fui à aula hoje e isso também é excepcional.
Fiquei em casa e graças a Deus, Joaquim veio almoçar comigo, veio conversar comigo e sujar todos os pratos, copos e talheres desta casa. Que bom! como a gente se entende!e aproveito para me corrigir: eu tenho, sim, amigos aqui. Tenho amigos do c#ralho, sabe? gente fina mesmo!gente solidária, presente mesmo quando longe, nem sei como dizer o quanto eles são importantes, leais e legais. Eu é que reconhecidamente sou a chata.
E comer macarrão ao molho de pimenta calabresa à moda do chef Joaquim não tem preço!
Retribuí: fiz mousse de morangos verdadeiros. Depois de comer toda a mousse, ele disse: "Odeio morangos!quase que nem aceito, mas aceitei por vergonha e agora me deliciei e adoro morangos nas receitas que você faz!". Ah, gente, me senti o último morango do cesto.
Induzi João Neto a comer morango com mel, certa vez, e ele se empanturrou. Acreditem, eu dou bons conselhos gastronômicos (vou trocar o meu livro de contos,que lançarei em breve, Todas as mulheres se chamam Maria, por um livro de culinária - garanto que será uma leitura gostosa - kkk!)
Como eu disse, não fui à aula, pela primeira vez. Então decidi que não iria ver C. porque eu estava de saco cheio dele, porque eu precisava quebrar o vínculo, porque eu sei que ele tinha certeza que me veria e preferi boicotar os desejos dele e porque acabou. Cansei de ter que conversar com os amigos tendo que dizer o sobrenome dele, para não confundirem com o homônimo, porque toda hora isso acontece e as pessoas ficam chocadas!
Então muitas coisas aconteceram neste final de semana, até em relação a administrar a saudade de Allan e a noção de que foi um evento e acabou. Ficou em mim o fruto da experiência, da mudança.
Até Ilmara me perguntou o que foi que a psicanalista fez ou me disse para que eu mudasse tanto - eu nem tenho resposta objetiva sobre isso, mas sei que encontrar Allan foi como receber aquele beijo que o Príncipe deu na Bela Adormecida, sabe? me acordou para muitas coisas, muito além do que as coisas relacionadas aos meus tabus - estes, então, foram despedaçados em partículas minúsculas.
Nunca um encontro resultou em tamanha ruptura interna.
Sinceramente, desestabilizou até mesmo a minha relação com a história de minha iniciação sexual - ora, quanto tempo perdido com uma construção cultural enlatadinha que me caiu em cheio como uma verdade inquestionável. Verdade agora reduzida a cacos.
Daí que a gente questiona mesmo o valor do tempo - o tempo cronológico, de fato, não é nada em relação ao tempo subjetivo.
Passei quase dez anos completos com uma pessoa que não causou o que 04 dias com Allan causaram.
O mesmo posso dizer dos meses em que namorei Marcelo: 03 meses que superaram essa quase década de relacionamento vicioso, cheio de tracejos edipianos, de que eu não me desvencilhava e só me fazia mal.
Talvez eu tenha dormido por cem anos, nestes dez.

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