Louquética

Incontinência verbal

domingo, 14 de novembro de 2010

Diários de Campinas, episódio I


Não é Campos do Jordão: é a vizinhança!
Eu acho que o acaso sempre me favorece. Se não é assim sempre, é na maioria das vezes.
Assim foi que a reserva que eu fiz no Colonial Plaza não foi processada, estando eu lá, de mala (só nao estava de cuia porque prefiro pratos de porcelana, tá?).
Por acaso, o português dono do hotel entendeu o ocorrido e foi se virar para descolar uma acomodação para mim noutro hotel.
Hesitei, mas o português foi muito cortês comigo e me encaminhou ao Hotel Taquaral.
O taxista me disse que era no meio do nada e longe de tudo.
Eu achei que entrei pelo cano, mas que de manhã eu resolveria isso, já que eu estava ali apenas para dormir e seguir para São Paulo de manhã.
Mal passamos pelo Parque do Taquaral - e vocês aí pensando no tamanho da taquara, não é? - vi que o lugar era lindo, o caminho era totalmente diferente de minhas outras duas impressões sobre Campinas e, ainda que assim não fosse, os vários tórax dos prováveis heterossexuais que ali faziam cooper eram motivo de sobra para eu simpatizar com o lugar.
O dono do hotel me explicou: o Parque do Taquaral é análogo ao Ibirapuera.
Ele me deu todas as coordenadas para tudo e, surpreendentemente, me garantiu que eu poderia andar por todas aquelas ruas com segurança. Foi assim um meio de dizer: "nenhum mal te sucederá nem praga alguma chegará à tua tenda".
Acreditei e hoje dou meu testemunho, porque inumeráveis vezes eu andei pela rua deserta, pelas alamedas escuras e nada me ocorreu.
Demorei a perceber que eu estava numa área nobre, com segurança em todas as ruas, com os supostos pactos de paz que se processam entre os ricos e o poder, para que a marginália não se aproxime.
Comi o melhor americano ( o sanduíche, viu, gente? a minha praia é argentino e uruguaio, eu gosto dos latinos!) of all my life e um cappuccino singular na chiquérrima e barata padaria do bairro - ah, sim, diga-se de passagem que a diária neste hotel é uns 30% mais barata do que o outro lá do Centro.
Resolvi que iria dar uma volta pela pista de cooper do parque, que é externa à lagoa.
Era um festival de gatos correndo por ali: lindos, fofos, branquinhos, rosadinhos, com cachorrinhos, com cachorros grandões...até as bibas de altas classe são mais bonitas, saudáveis, chiquérrimas...exalam glamour!
Para quem vive em Feira de Santana, um só homem bonito já inebria o olhar, quanto mais assim, aos montes!
Foi a primeira vez em que vi homens bonitos em Campinas.
Minha antipatia pela cidade era declarada - claro, né? eu estava no lugar errado o tempo inteiro.
Foi tudo diferente: cheguei com a cidade a 30 graus, me hospedei em outro lugar, conheci outras paisagens, mantive contato com outras pessoas e fui sozinha, totalmente sozinha.
Em Feira costumo andar 4 a 6 km por dia, porque gosto de ir andando para a academia - vish, tem é tempo que eu não vou lá! - e nisso de acabar meu café e resolver andar, venci uns 03 quilômetros da pista.
O tempo ficou meio inconstante e eu resolvi voltar.
Bem, lá vem a história de sempre: um carro parou ao meu lado, o motorista queria me pedir uma informação.
Educadamente eu disse desconhecer aquela rua cujo nome eu nem ouvi.
Ele procurou alimentar a conversa e eu segui, caí fora - estando ele, pois, num sentido da pista e eu andando para o outro.
O retorno era para lá do infinito.
Uns 05 minutos depois ele resolveu ir atrás de mim: temendo que eu me assustasse e trocasse de novo de caminho, ele parou o carro na outra pista, largou o bendito carro lá e foi conversando comigo, que não parei para nada e ainda trocei: "Cuidado, seu carro pode ir embora sem você".
Ele pediu pelo amor de Deus para eu parar, para deixar que ele falasse comigo e blablablá...era óbvio que eu estava me divertindo com tudo aquilo - eu e minha vida sem graça e sem emoções.
Parei.
O carro dele lá, abandonado na outra pista.
Falei com ele sobre a Rua do Pretexto que ele estava procurando e gostei da conversa, era tudo que eu queria depois de umas tantas tormentas e tufões sentimentais nesses últimos dias.
Começaram a cair pingos de chuva.
Clamei por Nossa Senhora Protetora do Cabelo Afro e assumi: "Ai, meus cabelos!" - lógico, não são à prova d'água.
E Allan - agora eu já sabia o nome, o pedigree, o curso, o número da Habilitação dele e até o signo (kkkk!!!sagitário).
Pensei nessa minha vida chata, nessa pessoa comedida que eu sou, nessa droga desse meu superego vigilante, pensei em riscos e em violências, mas falou mais alta a filosofia do grande mestre e benemérito filósofo popular Tiririca: "Pior do que está não pode ficar!".
Conversei mais umas palavras com ele e desabou uma garoa ferrada que me fez agarrar na mão de Allan e entrar primeiro no carro dele e só então prestar atenção em tudo, inclusive na forma como eu me apoderei das chaves.
Rimos juntos - primeiro sinal de cumplicidade.
Ele parece Eminem - em tudo, mano, e fala com uma droga de um sotaque bem ABC paulista.
Astuto, me perguntou se eu vi o que fiz.
Eu disse que sim e que se ele fosse um psicopata eu só estava me prevenindo, ficando em via pública, guardando as chaves comigo e mantendo a cautela.
Ficam aqui suprimidas todas as palavras ditas naquela noite, menos por segredo do que por lembranças turvadas sobre o que eu disse ou sobre o que eu ouvi.
Lembro que ele me perguntou sobre meu relacionamento e eu disse que C talvez nem se importasse com meus sentimentos, que eu me sentia um adendo, que eu era só um enfeite narcísico - e se não o fosse de fato, os nossos desencontros desmentiam qualquer dúvida.
Ele me ouviu com uma certa tristeza, não era a falsidade canibal dos homens que se disfarçam de amigos compreensivos para meter a mão (e outras partes) na gente.
Ele me disse que não gostava de ninguém e outras coisas do tipo.
Depois comentou que agora ele é que estava sob risco, porque eu era mais perigosa para ele do que o oposto.
Tem isso o meu ego e não é por soberba: eu gosto de ser procurada.
Se a teoria sobre os tímidos está certa eu pouco sei, mas tem isso sim: ele correu atrás literalmente, me fez me sentir desejada, pagou o preço, largou tudo lá e foi atrás de mim.
Penso, em relação ao amor, como uma donzela medieval mesmo: defendo todos os direitos das mulheres, inclusive o direito de ser tratada como uma mulher, isto é, contar com a delicadeza, com o cavalheirismo e com a INICIATIVA do homem. Não sou de puxar ninguém pelo braço, de me jogar no pescoço do mais tesudo dos homens que seja. Estou fora! e se eu me sentir esnobada, está difícil de eu insistir. Orgulho é um problema e eu tenho esse problema.
Abraço bom silencia todas as palavras.
Fiquei em silêncio.
Campinas esteve linda naquela noite. E mesmo depois da meia-noite, quando ele foi embora, tudo continuou florido, lindo, lindo!

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